Revista Gesto - Artigo 4

A FIGURA DO AGENTE INFILTRADO VIRTUAL E A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

THE FIGURE OF THE VIRTUAL INFILTRATED AGENT AND THE RELAXATION OF FUNDAMENTAL RIGHTS: SEXUAL DIGNITY OF CHILDREN AND ADOLESCENTS

 

Franco Henrique Oliveira

Universidade Paranaense – UNIPAR, PR, Brasil, flaviofranco@prof.unipar.br

Mariana Batista Kozan

Universidade Paranaense – UNIPAR, PR, Brasil, marianabkozan17@gmail.com

 

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/gesto.v7i1.2897

Recebido em: 09/12/2018

Aceito em: 16/05/2019

Resumo: O presente estudo visa analisar técnica especial de investigação designada de infiltração policial, com abordagem na persecução penal de crimes praticados no ambiente virtual. Esta técnica está prevista expressamente na Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017), representando um novo meio de obtenção de provas a fim de investigar um rol específico de crimes, entre eles os praticados contra a dignidade sexual da criança e adolescente. Sustenta a pesquisa, através de estudo bibliográfico, que o crescente desenvolvimento da tecnologia da informação possibilitou o surgimento de crimes cibernéticos, delitos praticados no espaço virtual, consequentemente, demandando novos mecanismos de investigação. Analisou-se a infiltração virtual de agentes abordando o questionamento sobre sua legalidade, visto que são utilizados métodos como a dissimulação, a criação de uma identidade fictícia. Esses fatores englobam a possibilidade de o agente policial praticar eventual transgressão a direitos fundamentais e com isso incidirem em condutas típicas, e serem abrigados por excludentes de ilicitudes, justificada pela excepcionalidade desta técnica. Com o intuito de maior debate, a pesquisa percorre os princípios da proporcionalidade e da legalidade, bem como o princípio da excepcionalidade e o caráter subsidiário da infiltração. Ao final faz-se uma abordagem sobre a dificuldade de obtenção das provas no ciberespaço e sua validade perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Agente infiltrado virtual. Investigação. Proporcionalidade. Direitos fundamentais.

Abstract: The present study aims to analyze special investigative technique known as police infiltration, with approach in the criminal prosecution of crimes practiced in the virtual environment. Law No. 13.441 (BRASIL, 2017) expressly provides this technique, representing a new means of obtaining evidence in order to investigate a specific role of crimes, including those committed against the sexual dignity of children and adolescents. It supports the research that the growing development of information technology allowed the emergence of cyber-crimes, crimes practiced in the virtual space, consequently, and demanding new investigation mechanisms. It is analyze the virtual infiltration of agents approaching the questioning about their legality, since methods such as dissimulation, the creation of a fictitious identity are used.

These factors include the possibility of the police agent practicing eventual transgression of fundamental rights and, with this, to focus on typical behavior, and to be sheltered by excluding illicitudes, justified by the exceptionality of this technique. With a view to greater debate, the research follows the principles of proportionality and legality, as well as the principle of exceptionality and the subsidiary character of infiltration. In the end, it is made an approach on the difficulty of obtaining evidence in cyberspace and its validity before the Brazilian legal system.

Keywords: Virtual infiltrated agent. Investigation. Proportionality. Fundamental rights.

1 INTRODUÇÃO

A figura do agente infiltrado virtual foi inserida no ordenamento jurídico a partir da Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017), que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, incluindo a Seção V-A ao Capítulo III do Título VI. O estudo enfoca o agente infiltrado virtual como meio de investigação para obtenção de provas relacionadas à prática de determinados crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

A infiltração do agente policial não é novidade no ordenamento jurídico, visto que já era previsto na Lei n. 11.343, (BRASIL, 2006) (Lei Antidrogas) e na Lei n. 12.850 (BRASIL, 2013) (Lei de Crimes Organizados), bem como na Convenção de Palermo. Contudo, a Lei n. 13.441 (BRASIL, 2017) trata da infiltração policial no ambiente virtual, por meio da Internet, representando uma espécie do gênero a infiltração de agentes (SILVA, P., 2017).

A criação dessa espécie de infiltração está relacionada à expansão da tecnologia em todas as áreas do cotidiano, o que, consequentemente, exigiu que as técnicas de investigação fossem inovadas a fim de estarem aptas a solucionarem as infrações penais que ocorrem no meio virtual, facilitando, portanto, a responsabilização criminal dos sujeitos da prática de crimes sexuais. Para tanto, o estudo percorre o instituto da infiltração virtual de agentes e a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da legalidade, bem como a disciplina da excludente de ilicitude na técnica especial de investigação.

O desafio está relacionado a dissimulação, o uso de perfis falsos, que surgem no ambiente cibernético, dificultando sobremaneira a descoberta dos agentes do crime (SILVA, I., 2017). Por outro lado, a efetividade da infiltração policial cibernética está atrelada ao uso de identidade fictícia para colheita de informações sigilosas e até então privadas, bem como na invasão de dispositivo informático do criminoso com o intuito de reunir provas (CASTRO, 2017).

O referido meio de obtenção de prova recebe questionamentos acerca de sua constitucionalidade por constituir meio invasivo relativizando certos direitos e garantias fundamentais, como o direito à privacidade e à intimidade, bem como o princípio da não autoincriminação. Contudo, a partir de pesquisa bibliográfica, foi possível concluir que, se respeitados os princípios da proporcionalidade, da legalidade e da excepcionalidade, a infiltração virtual de agentes consiste em meio de investigação revestido de constitucionalidade.

A utilização dessa técnica investigativa requer sejam atendidos os requisitos e procedimentos previstos na legislação, devendo o agente policial infiltrado limitar-se ao que lhe foi autorizado sob pena de ser responsabilizado pelos excessos cometidos e invalidar a operação (SILVA, P., 2017).

Diante disso, a presente pesquisa visa analisar a técnica especial de investigação designada de infiltração policial, com abordagem na persecução penal de crimes praticados no ambiente virtual e sustenta que a infiltração virtual do agente policial, desde que atenda aos princípios de legalidade, proporcionalidade e ultima ratio, proporcionarão resultados positivos no combate à crescente criminalidade cibernética.

2 O INSTITUTO DA INFILTRAÇÃO VIRTUAL DE AGENTES

Com a disseminação do uso da Internet, cresceu também a exposição de crianças e adolescentes à criminalidade virtual, em razão da condição especial de pessoa em desenvolvimento e por serem mais vulneráveis. Frequentemente são praticados crimes sexuais vitimando crianças e adolescentes, sendo que em muitas vezes, a prática se dá pela Internet, através da troca de conteúdos de pedofilia entre os criminosos, bem como por meio da atração de crianças e adolescentes para que posteriormente sejam vítimas de estupro de vulneráveis, corrupção de menores, favorecimento da prostituição, entre outros (CAVALCANTE, 2017).

Assim, com o aumento de crianças e adolescentes vítimas de crimes cibernéticos, principalmente contra a dignidade sexual, o controle estatal precisou inovar e criar novos meios de investigação e obtenção de provas adequados à realidade atual de prática virtual de crimes. Estabelecer novos métodos de combate e prevenção da criminalidade cibernética é de extrema relevância para proteção e garantia de bens jurídicos essenciais, como a dignidade sexual de crianças e adolescentes, que inconscientemente são expostos e vitimados pela agressão de criminosos que se valem das novas tecnologias para práticas delitivas.

Em razão disso, foi criada a Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017), que incluiu os artigos 190-A a 190-E no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990; 2017), a fim de autorizar a infiltração de agentes de polícia na Internet para investigar crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Portanto, só poderão ser infiltrados agentes de polícia, ou seja, aqueles que atuam na polícia civil e federal e tem a investigação como atuação precípua, restrição esta que não existia na época da revogada Lei nº 9034 (BRASIL, 1995).

A infiltração de agentes é um meio de obtenção de provas em que um policial, omitindo sua real identidade, assume o papel, como se fosse um criminoso com o objetivo de adentrar na organização criminosa e angariar informações acerca dos delitos praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua forma de atuação, os locais onde moram e praticam a atividade delitiva, o produto dos delitos e qualquer outra informação válida ao processo (CAVALCANTE, 2017).

No mesmo sentido:

“Agente infiltrado é aquele policial que, ocultando sua verdadeira identidade e função através do uso de identidade fictícia, aproxima-se de suspeitos da prática de determinados crimes para fazer prova da sua ocorrência. [...] O agente infiltrado, por outro lado, intenta criar uma relação de confiança que permita desvendar a prática de crime ou introduzir-se no universo de organização criminosa, para melhor entender seu funcionamento” (WOLFF, 2017, p. 216).

O agente infiltrado virtualmente cria um perfil falso na Internet com o objetivo de instituir vínculo com os criminosos investigados, a partir da falsa identidade de que também é um criminoso ou uma vítima (SILVA, I., 2017). Conforme o teor do artigo 190-A do ECA, a infiltração de agentes de polícia na internet só poderá ser implementada para investigar os seguintes crimes contra a dignidade da criança e do adolescente: Produzir, filmar, registrar, etc., cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 240 ECA); Vender vídeos que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 241 ECA); Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir etc., fotografias e ou vídeos que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 241-A ECA); Adquirir, possuir ou armazenar fotografias e ou vídeos que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 241-B ECA); Simular a participação de crianças e ou adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográfico por meio de adulteração de fotografias e ou vídeos (art. 241-C ECA); Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, crianças, com o fim de com elas praticar atos libidinosos (art. 241-D ECA); Invadir dispositivo informático alheio (art. 154-A CP); Estupro de vulnerável (art. 217-A CP); Corrupção de menores (art. 218 CP); Satisfação de lascívia mediante presença de crianças e ou adolescentes (art. 218-A CP); Favorecimento da prostituição de crianças, adolescentes e ou vulneráveis (art. 218-B CP) (BRASIL, 1990; 2017).

Apesar do rol taxativo anteriormente exposto, a maioria da doutrina entende que a infiltração virtual de agentes continua aplicável para os crimes da Lei nº 11343 (BRASIL, 2006) e da Lei nº 12850 (BRASIL, 2013), com exceção dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes que agora possuem previsão específica na Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017) (BUFFON, 2018). Antes da novidade legislativa trazida pela Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017), a infiltração policial já estava disciplinada pela Lei nº 12.850 (BRASIL, 2013), quando houvessem indícios de organização criminosa ou, não havendo, em razão da internacionalidade da conduta. Contudo, com a Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017) foram estabelecidas novas características e requisitos para esse instituto (SILVA, I., 2017).

A partir do exposto, é possível concluir que a Lei nº 12.850 (BRASIL, 2013) já possibilitava a infiltração de agentes de polícia, e ainda que não mencionasse expressamente a infiltração virtual, também não limitava a infiltração somente ao meio físico, possibilitando, portanto, a infiltração pela Internet (CAVALCANTE, 2017). Assim, ainda que na Lei nº 13.441 (BRASIL, 2017) haja um rol taxativo de crimes relacionados à dignidade sexual de crianças e adolescentes, em crimes praticados no âmbito de uma organização criminosa ou organizações terroristas, bem como crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, conforme previsto no art. 1º da Lei nº 12.850 (BRASIL, 2013), também cabe a infiltração virtual de agentes.

2.1 Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da legalidade

A infiltração policial exige detalhado controle judicial, a fim de garantir triplamente segurança jurídica, tendo em vista os riscos que apresenta tanto para o agente infiltrado, como para os direitos fundamentais das vítimas e dos investigados. Representa uma técnica de investigação polêmica, visto que utiliza meios não convencionais, como a dissimulação, a identidade fictícia, a possibilidade de o agente policial praticar crimes e a violação de direitos fundamentais (SILVA, I., 2017).

Quanto ao investigado, tendo em vista que o agente infiltrado utiliza uma identidade fictícia para se aproximar e obter provas, este fica desprovido da informação de que está diante de um agente da lei, não lhe sendo informado também sobre o seu direito ao silêncio e de não produção de provas contra si mesmo. O direito ao silêncio advém do princípio do nemo tenetur se detegere ou a não autoincriminação. Diante disso, surgiram questionamentos acerca da legitimidade da limitação do direito de não produzir provas contra si mesmo, bem como ao direito de se defender (SILVA, I., 2017).

Contudo, o direito a não autoincriminação não tem caráter absoluto, podendo ser relativizado a partir de parâmetros de proporcionalidade e de aplicação racional, no intuito de combater ou ao menos minimizar os prejuízos sociais que os crimes passíveis de infiltração policial podem provocar (SILVA, I., 2017). O artigo 190-A do ECA estabelece que a infiltração de agentes de polícia na Internet, para investigar um rol de crimes específicos já mencionados, deverão obedecer algumas regras, dentre elas, a prévia autorização judicial, devidamente circunstanciada e fundamentada, com os limites da infiltração para obtenção de prova (BRASIL, 1990; 2017).

Nas palavras de Silva (2016, p. 6):

“Quando o agente estatal, ardilosamente, dissimula sua identidade na Web (fake), a prova obtida atenta contra o princípio do nemo tenetur, uma vez que é subtraída do réu a oportunidade de ficar calado e de não se autoincriminar. [...]. Quando a polícia recorre a meios ardilosos e ilegais para obter uma prova perdemos, então, os freios e contrapesos que valorizamos em nosso sistema de justiça criminal. A ação policial disfarçada (fake), sem autorização judicial, configura patente violação à intimidade do usuário de site de relacionamento e assemelha-se a uma “ação encoberta” sem autorização judicial, viciando a prova e envenenando as informações obtidas por derivação”.

Nota-se que a prova será ilegal apenas quando a ação policial disfarçada ocorrer sem autorização judicial. Portanto, quando amparada na legalidade, a infiltração virtual de agentes, valendo-se de técnicas como a de identidade dissimulada na Internet, será válida. Cumpre ressaltar que na valoração das provas, o magistrado deve levar em consideração o contexto em que as provas foram colhidas, de modo que os prejuízos ocasionados pela ponderação dos princípios sejam menores que os benefícios (SILVA, I., 2017).

Levando em conta a gravidade das atividades que serão executadas pelo agente infiltrado virtualmente nos grupos fechados de criminosos, insiste-se na importância de estarem comprovados os princípios da necessidade e proporcionalidade para o uso da excepcional medida.

O princípio da proporcionalidade contém elementos extrínsecos e intrínsecos. Os elementos extrínsecos abrangem a judicialidade e a motivação. Já os elementos intrínsecos, dizem respeito à adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação é representada pela eficácia da medida para atingir o objetivo final, a necessidade consiste em atingir os menores prejuízos possíveis, e a proporcionalidade em sentido estrito verifica-se quando as vantagens são superiores às desvantagens. Para que a infiltração policial se demonstre adequada e eficaz devem ser observados certos requisitos. O primeiro deles é o respeito ao seu caráter excepcional, pois considerando que sua aplicação restringe certos direitos fundamentais, apenas será adotada quando não houver outro meio menos invasivo ao investigado, ou seja, a figura do agente infiltrado é requisitada em ultima ratio (PEREIRA, 2017). O segundo requisito consiste na obrigatoriedade de decisão judicial, a partir da qual o juiz analisará a idoneidade e viabilidade do referido método de investigação (PEREIRA, 2017).

Atrelado aos requisitos antecedentes, é necessário realizar um juízo de proporcionalidade, tendo em vista que a técnica de investigação em análise envolve a restrição de direitos fundamentais do investigado (PEREIRA, 2017). O quarto requisito envolve a especialidade, que se refere à existência de indícios suficientes para a imputação de um crime de natureza grave, de forma que o juiz, quando autorizar a infiltração, possa determinar de modo específico qual o delito a investigar e os possíveis envolvidos (PEREIRA, 2017). O quinto requisito é a motivação da decisão judicial que autoriza a infiltração, os motivos que levaram o juiz a restringir um direito fundamental do investigado em prol de um bem jurídico ainda maior. Nesse momento, verifica-se a importante função do Ministério Público e da Polícia, responsáveis por fornecer ao juiz os dados, fatos e indícios para que o mesmo decida da forma mais razoável e motivada possível (PEREIRA, 2017). O último requisito para a eficiência da infiltração concerne ao controle do juiz e do Ministério Público durante a operação de infiltração, no intuito de acompanhar a obediência do infiltrado àquilo que foi estabelecido na autorização judicial e evitar que ocorram abusos e excessos, que além de gerarem danos desproporcionais ao investigado, causarão a invalidade das provas (PEREIRA, 2017).

O art. 190-A, I, da Lei nº 8.069 (BRASIL, 1990), introduzido pela Lei nº 13.441 (BRSIL, 2017), dispõe que a decisão judicial estabelecerá os limites para obtenção da prova, após ouvir o Ministério Público. Os limites elencados na decisão judicial serão essenciais para o controle e fiscalização do juiz e do Ministério Público acerca da legitimidade das ações do agente infiltrado virtualmente. A partir desses limites é que será possível analisar a legalidade da prova obtida e verificar quais ações do agente infiltrado estão abrangidas pela excludente de ilicitude, com o intuito de afastar, portando, a antijuridicidade (BUFFON, 2018).

O legislador ao prever a necessidade de autorização judicial devidamente fundamentada com os motivos que justificam a prática da infiltração virtual se preocupou em determinar limites, os quais são importantes para um processo penal com mais garantias e com menos violações graves de direitos. A exigência da oitiva do Ministério Público, quando a representação da técnica de investigação provier da autoridade policial, também contribui para a garantia de um devido processo legal (PEREIRA, 2017).

Aqui cabe anotar que na Lei nº 12.850 (BRSIL, 2013), que também possibilita a infiltração de agentes para investigar crimes, há previsão de que se a polícia representa pela necessidade de infiltração de agentes, o Ministério Público deve ser ouvido, da mesma forma que se o Ministério Público requer a infiltração de agentes, a polícia deve ser ouvida, conforme art. 10, §1º, da Lei nº 12.850 (BRASIL, 2013). Já a Lei nº 13.441 (BRSIL, 2017) não conta com a mesma previsão, visto que apenas estabelece que se o Delegado representa pela infiltração virtual de agente, o Ministério Público deve ser ouvido, sendo que se for o Ministério Público que requerer a infiltração virtual, a oitiva da polícia está dispensada.

Ademais, a previsão do artigo 190-B do ECA, que estabelece que as informações obtidas através da infiltração devem ser encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela autorização da medida, agiu positivamente visando garantir o devido sigilo, essencial para o êxito da técnica e para a minimização dos danos aos envolvidos. Na mesma linha foi a previsão do artigo 190-E do ECA ao determinar que ao fim da investigação, todos os atos eletrônicos praticados no decorrer da operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério Público, acompanhados do relatório circunstanciado (BRASIL, 1990; 2017).

Segundo Pereira (2017, p. 18):

“A justificação do uso de técnicas, como a dissimulação e o engano, para se infiltrar no meio cibernético, consiste em questão de política criminal, retratando as consequências advindas dessa violação de direitos e garantias individuais do investigado. Porém, em nossa visão sobre o tema, a explicação lógica acerca da utilização, em ultima ratio, desse meio de obtenção de provas poderá ser justificada em uma ponderação de valores, na qual prepondera, no caso concreto, o valor “eficácia”, vez que a meta consiste em enfrentar de forma contundente essa forma grave de perpetração de delitos contra vítimas vulneráveis, utilizando-se para tal do agente infiltrado virtual, na busca de promover o bem- estar e a pacificação social da sociedade, que se encontra atemorizada diante de tantas atrocidades cometidas contra nossa juventude através da rede internet. Nesse aspecto, dentro de um Estado de Direito, deverá ser visada a aplicação da “justiça”, mas sem se descuidar das precauções para se evitar o “vale tudo” no tocante à obtenção da prova penal”.

No mesmo sentido é o entendimento de Bitencourt e Busato (2014, p. 160-161) que afirmam que:

“Poder-se-ia pensar, a princípio, que a prova produzida a partir da infiltração do agente seria ilícita, porque aflitiva de direitos fundamentais dos investigados. Não parece correta a observação. Conquanto seja sem dúvida um instrumento excepcional de investigação, o agente infiltrado não tem o condão de obrigar ou expor quem quer que seja, a mais do que seja sua própria realização ilícita, coisa que não pode, evidentemente, ser resguardada por qualquer classe de segredo, menos ainda quando consentido seu acesso aquele que se infiltra. Uma coisa é infiltrar um agente em uma organização criminosa, outra coisa bem diferente é autorizar que realize propriamente atividades criminosas, para além do ato de participar do ato associativo com os criminosos”.

É por isso que se demonstra tão importante o atendimento da proporcionalidade da medida, de modo que o agente policial apenas não será responsabilizado criminalmente por condutas delitivas praticadas a partir da ocultação da sua identidade, quando verificada a excludente de ilicitude da inexigibilidade de conduta diversa (SILVA, I., 2017). Ressalta-se que parte da doutrina se tem inclinado à posição de que se trata de atipicidade da conduta, com base no fato de que não há crime (CUNHA, 2017). Assim, a partir do momento que o interesse pessoal do agente policial superar o real objetivo da investigação restará consolidado o excesso punível, previsto no artigo 190-C parágrafo único, do ECA (BRASIL, 1990; 2017).

Nesse sentido, assevera Cunha (2017):

“Dessa forma, com a finalidade de identificar determinado criminoso e de comprovar que se trata de alguém que armazena e transmite imagens pornográficas de crianças e adolescentes para posteriormente submetê-los a prostituição ou outra forma de exploração sexual, o agente infiltrado pode receber tais imagens, pode armazená-las para posteriormente juntá-las ao relatório da investigação, como também pode transmiti-las caso seja necessário para não dispersar a confiança dos criminosos investigados. O mesmo pode ser dito de produções pornográficas envolvendo crianças e adolescentes: se o agente policial registra, com finalidade probatória, algo que está sendo transmitido via internet não há crime de sua parte. Se, no entanto, o agente infiltrado, além de lidar com essas imagens, decidir encontrar uma criança ou um adolescente com a finalidade de praticar atos libidinosos, ainda que sob o pretexto da investigação, parece óbvia a caracterização do excesso punível”.

Ante todo o exposto, conclui-se que o combate da criminalidade cibernética exige técnicas de investigação como a infiltração virtual de agentes, ainda que para isso seja necessário relativizar certos direitos fundamentais do investigado. Diante disso, é essencial analisar a proporcionalidade entre o objetivo do Estado em obter êxito no controle judicial necessário para a manutenção da ordem pública e integridade das crianças e adolescentes vulneráveis, e a limitação de certos direitos fundamentais do investigado.

2.2 O princípio da excepcionalidade e o caráter subsidiário da infiltração virtual de agentes

A infiltração de agentes é um meio extraordinário de obtenção de provas, ou seja, só se optará pela infiltração quando não houver outro meio tão eficaz quanto sendo obrigatória a demonstração da imprescindibilidade da infiltração para o sucesso da investigação. Para a deflagração dessa técnica especial de investigação é necessário analisar a essencialidade de cada medida, a fim de que não seja utilizada de forma indiscriminada. A infiltração é uma técnica complexa, que coloca em risco a integridade física do agente policial, que fica exposto ao contato direto com os criminosos, e pondera princípios fundamentais, como o da intimidade, privacidade, sigilo das informações, portanto, deve ser acionada quando não houver outros meios de obtenção de prova, visto seu caráter excepcional (SILVA, I., 2017).

Segundo Ingryd Martins Silva (2017, p. 48):

“A infiltração policial é permitida nos crimes de alta complexidade, como, por exemplo, de organizações criminosas. Logo, utilizar-se desta técnica nas investigações de crimes menos complexos é valer-se de uma “carta na manga” em momento inoportuno do jogo. O Estado colocaria seus agentes policiais expostos, excessivamente, aos perigos desta empreitada e, ao mesmo tempo, o profundo e recorrente contato do agente policial com a criminalidade gera grandes riscos de cooptação”.

A excepcionalidade da infiltração virtual resta confirmada pelo fato de que a lei atentou-se em prever os crimes que permitem a utilização dessa técnica de investigação, restringindo sua aplicação, nos termos do artigo 190-A do ECA (BRASIL, 1990; 2017). Se a infiltração virtual de agentes fosse irrestrita, podendo ser utilizada em qualquer crime, surgiriam obstáculos para o efetivo controle de legalidade da medida, principalmente quanto à violação dos direitos fundamentais já mencionados. Ademais, a eficácia da infiltração passaria a ser questionável, pois seu uso de forma indiscriminada, possibilitaria o aprimoramento das técnicas de proteção dos criminosos para não serem capturados (SILVA, I., 2017).

A ampliação indiscriminada do rol de crimes que poderiam utilizar a infiltração virtual como meio investigatório, ou até mesmo a eliminação de qualquer rol restritivo, colocaria fim à proporcionalidade da medida, haja vista que qualquer delito praticado no ambiente virtual, independentemente do seu grau de periculosidade social, estaria sujeito à infiltração policial, acarretando a total invasão na privacidade dos usuários, deixando de atender os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que garantem a excepcionalidade da medida (SILVA, I., 2017).

A infiltração policial só será instituída se não existir outro meio menos invasivo de obtenção de provas, considerando o seu caráter subsidiário. A possibilidade de o Estado relativizar o direito fundamental da intimidade, do sigilo das informações ou o da presunção de inocência está atrelada ao alto grau de periculosidade social dos crimes investigados. Contudo, ressalta-se que o objetivo de se solucionar uma investigação criminal não pode se dar a qualquer custo, ou seja, a prova penal não pode ser obtida desrespeitando os critérios legais e a proporcionalidade da medida.

2.3 A validade das provas obtidas pela infiltração virtual de agentes

Tanto a infiltração policial no mundo real, como no mundo virtual limitam os direitos fundamentais relativos ao silêncio, à intimidade e à privacidade, de modo que a relativização dos referidos direitos se justifica pela aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual aduz que qualquer direito fundamental pode ser ponderado e relativizado, eis que não são absolutos (SILVA, I., 2017). Se valorados os princípios da proporcionalidade e excepcionalidade da medida, utilizada apenas em ultima ratio, não há que se falar em ausência de constitucionalidade quanto a esse meio de investigação, “até por se tratar, na realidade, de uma manifestação do legislador na busca de eficiência estatal na proteção da coletividade, por meio da segurança pública” (SOUSA, 2015).

Convém destacar que o princípio da intervenção mínima, ou também chamado de subsidiariedade decorrente das ideias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, o qual estabelece que o direito penal, só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Numa perspectiva quantitativa, a proporcionalidade é equacionada pela necessidade e utilidade da medida agressiva; uma análise se no caso específico é adequado invadir a proteção à inviolabilidade da intimidade em prol da proteção dos direitos individuais da criança e do adolescente em sua dignidade sexual, bem como sustentar a perquirição Estatal a procura dos criminosos sexuais com a pretensão sancionatória. Conforme sustenta Érika Mendes de Carvalho, ao expor os princípios fundamentais do direito penal na aplicação de pena (2017, p. 89):

“A sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais. Nesses termos, a intervenção da lei penal só poderá ocorrer quando for absolutamente necessária para a sobrevivência da comunidade – como ultima ratio legis –, ficando reduzida a um mínimo imprescindível. E, de preferência, só deverá fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia. Como princípio informador do Direito Penal dotado de grande carga ética, filosófica e jurídico-político, apresenta-se como verdadeiro sustentáculo da ciência dos delitos e das penas”.

Noutra perspectiva a validade das provas obtidas pela infiltração pode limitar os direitos fundamentas, portanto, restringindo garantias constitucionais. Lembramos que, quando se fala em direitos fundamentais, pela sua natureza principiológica aufere-se que eles não são absolutos, mas também não funcionam na base de eliminação, de forma a existir princípios que sobrevivem em detrimento de outros. A aplicabilidade de um determinado direito fundamental dependerá das possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem concretamente. Por conseguinte, são mandamentos de otimização, caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2011). Dessa forma, considerar os direitos fundamentais como princípios, significa aceitar a possibilidade de restrições, visto que sua aplicação fica sempre acondicionada às possibilidades fáticas e jurídicas que nasçam no caso concreto. Inexistindo, portanto, direitos com caráter absoluto.

No mesmo sentido, Novelino (2008, p. 222), referindo-se às garantias fundamentais e suas características de relativização, expõe:

“Todos, inclusive os direitos e garantias fundamentais, encontram limites estabelecidos por outros direitos igualmente consagrados no texto constitucional. A tese da existência de direitos absolutos dificilmente se sustentaria diante da colisão entres dois destes direitos titularizados por indivíduos distintos. A impossibilidade de prevalência de dois direitos absolutos, sem que haja uma cedência recíproca, inviabiliza a adoção deste entendimento. Em virtude da relatividade dos direitos, não se pode estabelecer, em abstrato, uma hierarquia normativa entre eles. Havendo um conflito, apenas diante de um caso concreto será possível concluir acerca de qual deles deverá prevalecer naquela hipótese”.

Nessa linha de raciocínio, a relativização dos princípios, evidentemente, surge quando exista uma colisão entre eles; são situações de conflito de direitos de igual proporção, em que para a manutenção de um pondera-se o outro. No mesmo plano, havendo conflito entre a dignidade de uma pessoa e a proteção principiológica de outra, deve-se auferir qual o direito de maior importância concretamente, daí então, a necessidade de preponderar, quando a hipótese prever a exclusão de um dos direitos, àquele que especificamente é merecedor da resguarda, dentro de uma possibilidade fática-jurídico e moral.

No mais, a técnica de investigação até então estudada recebe algumas críticas que consideram que ela confronta, também, o princípio da moralidade pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, visto que promove a participação ativa de um agente público na execução de crimes que visa coibir e limita direitos processuais e fundamentais garantidos a todos os cidadãos, ainda que com o objetivo de obter provas (SILVA, P. 2017). Contudo, outros autores apoiam esse meio de obtenção de provas quando firmado na excepcionalidade, afastando qualquer lesão a moralidade pública quando se está em xeque a dignidade da pessoa humana, em epígrafe, a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

Ademais, delitos como os de organização criminosa, tráfico de entorpecentes, terrorismo e pornografia infanto-juvenil possuem alto grau de periculosidade social e de reprovabilidade, visto que ameaçam bens jurídicos de expressivo valor. Por isso, é necessário o uso de métodos eficientes para o combate desses crimes de maior complexidade (SILVA, I., 2017). Como já mencionado anteriormente, a infiltração policial está prevista na Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil pelo Decreto n. 5015 (BRASIL, 2004), sendo que se fosse medida de investigação inconstitucional, o ordenamento nacional e a legislação estrangeira não teriam recepcionado o tema (SILVA, P., 2017).

Assim, a infiltração policial fundamentadamente autorizada pela autoridade judicial, com a comprovação de sua necessidade pela representação do Ministério Público ou requisição do Delegado de Polícia, cumulada com a atuação do agente infiltrado dentro dos limites legais, constitui meio válido de obtenção de provas. Além disso, não bastam as provas angariadas pelo agente policial infiltrado para a fundamentação da sentença condenatória, haja vista que são necessários outros elementos para embasar a condenação (SILVA, P., 2017).Ressalta-se que as provas obtidas através da infiltração virtual estão garantidas pelo contraditório, ainda que diferido ou postergado, tendo em vista que a defesa só tomará conhecimento das diligências realizadas após o fim da operação, em razão da sigilosidade necessária para o bom resultado da operação (SILVA, P., 2017).

Ante o exposto, denota-se que a técnica de investigação em análise é válida, considerando que nenhum direito fundamental é absoluto, e sendo a infiltração um meio imprescindível no caso a ser investigado, não há impedimentos para a sua execução e para a legitimidade das provas através dela obtidas, desde que atendidos os preceitos do princípio da proporcionalidade e excepcionalidade.

Ainda que a infiltração virtual de agentes relativize certos direitos das partes envolvidas, tal técnica de investigação é utilizada excepcionalmente, após análise cuidadosa de que a técnica resultará em mais benefícios que prejuízos. Além disso, será usada apenas quando não houver outro meio eficaz de obter as provas necessárias.Portanto, para que a infiltração virtual seja válida é indispensável a conciliação da aludida técnica de investigação com os direitos individuais e fundamentais, a fim de que seja alcançada a garantia da segurança pública por meio do combate aos crimes cibernéticos e a reduzida e excepcional lesividade aos direitos individuais dos envolvidos.

3 EXCLUDENTE DE ILICITUDE NA TÉCNICA ESPECIAL DE INVESTIGAÇÃO

A Lei 13.441/17 altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a prever a infiltração de agentes de polícia na Internet com o fim de investigar crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes. Acentua a lei que não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da Internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes expressamente capitulados naquela legislação.

Trata-se de uma hipótese de excludente de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal, exigindo ainda o dispositivo que o agente observe os limites e as finalidades da investigação, entre eles, para sustentar a garantida proteção dos direitos individuais, a antecedente autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, que estabelecerá os limites da infiltração para obtenção de prova, com a competente manifestação do Ministério Público.

Nesse aspecto, a infiltração virtual de agentes que utiliza métodos de dissimulação, como a criação de uma identidade fictícia, permitindo se passar por criminoso ao adentrar no espaço virtual de forma anônima e praticar condutas análogas a dos delinquentes, com o fim de identificar os indivíduos que usam desse ambiente para a pratica de crime sexual. Ocasiono, de forma mais específica, o exemplo do agente policial, mediante o preenchimento dos requisitos expressos na legislação, dissimula ser pedófilo, com pseudônimo, para compartilhar da rede de delinquentes com o fim de abeirar-se dos aliciadores e proceder as respectivas identificações, consequentemente, comprovar a materialidade do crime e levantar indícios ou prova da autoria. Nesse caso, esse agente policial, estará sujeito a prática de várias condutas típicas contra crianças e adolescentes, como por exemplo: produzir, filmar, registrar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 240 do ECA); vender vídeos que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças e ou adolescentes (art. 241 do ECA). Contudo, será premiado com a excludente de ilicitude, consequentemente, não praticando crime (BRASIL, 1990; 2017).

Se perceba que no cenário descrito alhures a infiltração do policial, circunstanciada à lei, é o único meio de se adentrar no criminoso cenário da exploração sexual de vulneráveis, ao passo que, para isso, ele compartilhe fotos eróticas de adolescente com os outros integrantes desta rede, com o fim de identificá-los. A ação de compartilhar as referidas fotos incorre, pela análise teórica da teoria do delito, em conduta típica, ou seja, a subsunção do fato à norma esta consubstanciada pela ação, mas não há crime pela recepção da licitude, conduta típica, porém, licita. Se considera que essa medida é excepcional e necessária para angariar a identificação dos criminosos sexuais cibernéticos. Não distante, mediante essa ação o agente público se sujeita a indissociável possibilidade da prática dessas transgressões aos direitos fundamentais e com isso, involuntariamente, ou seja, com o fim diverso da pratica de crime, incidirem nas condutas exemplificativas expostas, mas terão a proteção da lei circunstanciada.

Por fim, a tipicidade, na vertente formal, representada pelo juízo de subsunção do fato à norma, preenche a descrição abstrata contida no tipo penal incriminador. Em outras palavras, tipicidade quer dizer a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente com o modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, um tipo penal incriminador (GRECO: 2005, p. 175). No caso relatado, o agente policial pratica conduta típica, porém lícita.

Por outro lado, nessa análise da ação do agente policial e as consequências de sua conduta, parece desproporcional que mesmo diante de um ato fundado e objetivado, no mais, fundamentado pela autoridade judicial, em que o infiltrado busca a identificação dos criminosos, pode-se dizer, numa construção teórica do conceito de crime, que esse policial praticou conduta típica. Estaria o direito fomentando, incentivando uma conduta (a ação infiltrada) e ao mesmo tempo proibindo essa ação, quando intitula em conduta típica, pelo conceito analítico de crime. Mediante esta contradição, para os adeptos da teoria conglobante, essa conduta do agente policial infiltrado é atípica (e não típica com excludente de ilicitude), conforme comparativo ressaltado por Zaffaroni, (2018, p. 127):

“A afirmação de que o cumprimento de um dever jurídico é uma causa de atipicidade penal, por efeito da correção exercida pela consideração conglobada da norma sobre a tipicidade legal, impede a afirmação absurda de concluir que o policial que detém um suspeito, comete uma privação ilegal de liberdade justificada, ou que o oficial de justiça que sequestra uma coisa móvel, comete um furto justificado, ou que o médico que cumpre com o dever de denunciar uma doença infecciosa comete uma violação de segredo profissional justificada etc. Essas condutas são diretamente atípicas”.

Nesses casos, está claro que o policial age em cumprimento de um dever jurídico. O “estrito cumprimento de dever legal” é um caso em que “não há crime”, de acordo com o art. 23, III, primeira parte, do CP; embora há autores, e em maioria, considerando que se trata de uma causa de justificação (excludente de ilicitude), se constata que não subsiste quando se analisa especificamente a ação, porque as causas de justificação são geradas a partir de um preceito permissivo, enquanto no cumprimento de um dever jurídico há somente uma norma preceptiva (uma ordem). Quem não quer agir justificadamente pode não o fazer, porque o direito não lhe ordena que assim o faça, mas simplesmente lhe dá uma permissão (Zaffaroni, 2018). Por outro lado, no caso do policial infiltrado, a conduta é mandamental, está agindo com um objetivo previamente determinado, não havendo crime com a ação típica, permitida.

4 CONCLUSÃO

Com o aumento das tecnologias, do acesso das crianças e adolescentes ao ambiente virtual, do número de criminosos dentro desse meio, valendo-se do anonimato para a execução de vários crimes, foram necessárias novas formas de investigação, dente elas a infiltração virtual de agentes para auxiliar na identificação dos criminosos e prevenir que sejam feitas mais vítimas.

A internet torna mais fácil o acesso do criminoso à vítima, principalmente às crianças e adolescentes, as quais por serem mais vulneráveis devem ter garantida a sua proteção integral. As crianças e adolescentes cada dia mais aumentam o uso da internet, muitas vezes sem a supervisão adequada dos pais, o que as torna ainda mais suscetíveis de serem vítimas de crimes sexuais através desse meio.

Conforme estudado ao longo desse artigo, a flexibilização de algumas garantias fundamentais e processuais quando amparada pela proporcionalidade, pela legalidade e excepcionalidade restará justificada e será considerada lícita.

Importante ressaltar que o que se defende não é a supressão de garantias individuais de qualquer modo e para qualquer finalidade, ou apenas para efetivar uma sanção do direito penal, o que se busca é conciliar a necessidade de um meio de investigação extraordinário e mais invasivo devido às circunstâncias fáticas, as quais devem ser demonstradas a fim de motivarem a autorização judicial, e a proteção das garantias fundamentais do investigado, através da aplicação dos princípios da proporcionalidade, legalidade e excepcionalidade.

Deste modo, será possível garantir a devida proteção às vítimas, bem como aos investigados, que também devem ter suas garantias individuais preservadas, sendo passíveis de relativização apenas quando verificadas a necessidade, a proporcionalidade e o atendimento aos preceitos legais.

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