Revista_Direito_e_Justi_a_-_n._35

CONSTRUINDO JUÍZES INDEPENDENTES: A AUTONOMIA DO PODER JUDICIÁRIO NA FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL NORTE-AMERICANO

BUILDING INDEPENDENT JUDGES: THE AUTONOMY OF THE JUDICIARY IN THE ORIGINS OF THE AMERICAN CONSTITUTIONAL THOUGHT

Alexandre Douglas Zaidan CarvalhoI

I Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil. Doutor em Direito, Estado e Constituição. E-mail: dzaidan@hotmail.com

E-ISSN: 2178-2466

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i34.2769

Recebido em: 20.08.2018

Aceito em: 13.08.2019

Sumário: Introdução. 2 A independência judicial no pensamento dos federalistas. 3 A Carta de Jefferson e a no-advisory-opinion doctrine. 4 Reforçando a imagem dos juízes independentes. 5 Considerações finais. Referências.

Resumo: O artigo tem como propósito revisitar a descrição de fenômenos históricos relevantes para a formação do pensamento constitucional norte-americano relacionados à construção da noção de independência judicial. Ao avaliar o modo como o funcionamento das instituições judiciais britânicas exerceram sua influência sobre a compreensão dos colonos e revolucionários na configuração da organização do Poder Judiciário adotada no início da República, busca-se identificar que elementos político-jurídicos estiveram presentes das discussões sobre a autoridade dos juízes e como eles se articulavam com a ideia mais abrangente de separação de poderes e check and balances. O resultado aponta que olhar para as contingências do passado da edificação da ideia de independência judicial torna mais complexa a visão dos juristas sobre o poder dos juízes e reduz a sobrevalorização normativa que se costuma dirigir à atuação judicial.

Palavras-chave: História constitucional. Independência judicial. Estados Unidos.

Abstract: The article aims to revisit the description of historical phenomena relevant to the formation of American constitutional thought related to the construction of the notion of judicial Independence. It is sought to identify which political-legal elements were present in the discussions on the authority of the judges and how they were articulated with the broader idea of separation of powers and check and balances. Thus, it will be evaluated how the operation of the British judicial institutions exerted their influence on the understanding of settlers and revolutionaries in the configuration of the organization of the Judiciary Power adopted at the beginning of the Republic. The result is that looking at the past contingencies of the construction of the idea of judicial independence makes the view of jurists more complex on the power of judges and reduces the normative overvaluation that is usually directed to judicial action.

Palavras-chave: Constitutional history. Judicial Independence. U.S.

1 Introdução

A afirmação de que cabe aos juízes avaliar, sob os parâmetros da racionalidade jurídica e segundo critérios substantivos de justiça, a compatibilidade dos atos aprovados por legisladores marca uma longa tradição do pensamento constitucional norte-americano. O arranjo institucional a que esse pensamento se dedica permanece objeto de intensos debates, tanto na teoria constitucional quanto nas análises de cientistas políticos interessados nos reflexos da composição e decisões dos tribunais sobre a dinâmica dos parlamentos.

Também por isso, em linhas gerais, os movimentos provocados pelas mudanças de orientação da jurisprudência constitucional costumam ser compreendidos de modo distintos – ora como manutenção da tradição e ora como avanço ao futuro. Juristas parecem focar seus estudos na dimensão normativa da atividade das cortes, desde uma perspectiva da racionalidade de aplicação do direito e de seus métodos hermenêuticos, o que explica, por exemplo, a força do debate estadunidense entre as correntes do originalismo e da living constitution1. Por outro lado, cientistas políticos têm preferido abordagens institucionalistas que sejam capazes de contemplar os custos e os riscos políticos implicados nas escolhas das cortes, além do modo como o judicial review se articula com as demais instâncias de decisão e os diversos grupos de interesse que pressionam a esfera da representação político-partidária. Nesta seara se inserem boa parte das análises sobre ativismo e autocontenção judicial, conceitos que põem em xeque o ideal de imparcialidade que, por sua vez, é o principal motivador da noção de independência judicial.

No horizonte de interesse de ambas leituras da revisão judicial está a narrativa histórica que se fez prevalecente na configuração do modelo de controle do legislador pelas cortes. Ou seja, que conflitos seriam subjacentes à ideia de deixar para juízes a atribuição formular respostas para questões políticas e quais os argumentos utilizados tiveram o mérito de se estabelecer como prática acolhida para muito além do território dos Estados Unidos. Esse fator faz da experiência norte-americana um espaço singular sobre a conformação da noção de independência judicial no constitucionalismo. No entanto, essa é uma experiência que não pode ser universalizada.

Com o objetivo de apresentar alguns eventos históricos importantes que foram constitutivos da noção de independência judicial no nascimento do constitucionalismo norte-americano, este texto se divide em três partes, além da introdução e conclusão. A primeira contextualiza o pensamento dos chamados pais fundadores a respeito da autonomia e função dos juízes no arranjo jurídico-político que se formava após a independência. A partir da descrição de um caso envolvendo questões diplomáticas e de comércio exterior, a segunda parte analisa como a interação entre atores judiciais e políticos foi fundamental para a conformação das atribuições do Judiciário naquele momento histórico. E, em seguida, são avaliados as contingências sociais e políticas que levaram as instituições daquele país a reforçar a autonomia dos juízes, destacando como o conceito de independência judicial hoje segue dependente de uma série de fatores políticos pouco explorados na dogmática do direito constitucional.

2 A independência judicial no pensamento dos federalistas

Como uma autêntica Revolução, a norte-americana repercutiu sobre todas as esferas relevantes da vida social. Desde a religião, a economia, as artes e, claro, a política. Mas a semântica do direito teve uma função especialmente importante tanto como justificação motora do movimento revolucionário quanto foi significativamente modificada pela ação política dos ex-colonos que declararam a independência (BRUNKHORST, 2014, p. 246). A defesa da propriedade contra a imposição de impostos pela Coroa inglesa foi o principal móvel revolucionário que, segundo Thornhill (2011, p. 186-196), converteu a linguagem do direito da Common Law britânica na construção da autonomia política das ex-colônias sob duas dimensões: uma negativa, inspirada no pensamento lockeano, segundo o qual o poder estatal encontra limites na defesa do direito natural, e outra positiva, no sentido de que a defesa desse direito tem o caráter performativo de coesão e engajamento dos indivíduos na formação constitucional de uma comunidade independente de estados.

A Revolução foi gestada a partir de um imaginário político intimamente relacionado às tradições do direito inglês e do pensamento liberal2 que havia justificado o equilíbrio entre a autoridade do monarca e os direitos naturais dos nobres e proprietários, no final do século XVII. Como demonstra Stourzh (2007, p. 60-79), muitas das ideias liberais formuladas no contexto inglês das disputas entre os nobres e o monarca, e que articulavam a noção de direito natural e do governo moderado, sob a tradição do Common Law, circularam substancialmente entre os colonos e fazendeiros, cujos filhos haviam estudado na Inglaterra. As mesmas ideias que, após a independência, foram mobilizadas na construção do pensamento constitucional moderno nos Estados Unidos.

Também Paixão e Bigliazi (2008, p. 98ss) destacam que a prática política desenvolvida durante toda a primeira metade do século XVIII nas colônias britânicas na América do Norte era inspirada no modelo constitucional inglês pós-Revolução Gloriosa, o que lhes assegurava a existência de assembleias coloniais com certo grau de autonomia em relação à Coroa inglesa3, que disputava internamente o poder com a nobreza e tinha suas preocupações militares dirigidas à Europa continental.

Como registram Acemoglu e Robinson (2012), ainda em 1619, juntamente com os alqueires de terra que lhes eram destinados, aos colonos era concedida relativa autonomia para deliberar sobre o direito e as instituições recém-criadas sob inspiração inglesa. Um fator fundamental para o promissor desenvolvimento econômico funcionalmente viabilizado pelas instituições norte-americanas pós-independência. Além disso, o Common Law era aplicado regularmente pelos juízes das colônias de acordo com as contingências locais em que era interpretado. Assim, além do pensamento político da antiguidade clássica, o contratualismo baseado no direito natural dos iluministas e os fundamentos do Common Law inglês foram os pilares ideológicos da Revolução norte-americana.

Além dos clássicos Platão, Cícero, Coke, Blackstone, Locke, Rousseu, Beccaria e Burlmaqui, escritos e panfletos de ativistas políticos ligados à facção britânica radical whig da primeira metade do século XVIII tiveram especial influência sobre os líderes revolucionários. Como destacam Paixão e Bigliazi (2008, p. 125), entre os principais argumentos da corrente whig que marcaram a prática política das colônias pós-Revolução Gloriosa estavam a desconfiança em relação ao governo; a necessidade de vigilância em relação aos governantes; a defesa de reformas, com finalidade de aumentar o eleitorado, corrigir distorções no sistema de representação no Parlamento e propiciar uma maior vinculação entre os eleitores e seus representantes; a ampliação da liberdade de imprensa e do credo religioso, e, por fim, a oposição à existência de um exército permanente em tempos de paz.

Assim, valendo-se do direito sagrado à insurreição contra a tirania que violava a livre empresa, a igualdade natural e o direito de escolha dos próprios representantes, os ex-colonos esforçaram-se para estabelecer um certo nacionalismo institucional (CHATELÊT; DUHAMEL; PISIER, 2009, p. 83), que procurou abrigar o equilíbrio entre a tradição puritana e a novidade republicana na distribuição da autoridade estatal nos níveis local e federal, além de incorporar uma concepção de democracia menos fundada na vontade popular do que na contraposição de poderes mutuamente fiscalizados pelas instituições. Um modelo pensado a partir da representação explícita de interesses privados facciosos conflitivos que caracterizou as disputas intra-elites nas colônias nos séculos XVII e XVIII (TULLY, 2000, p. 33 e 36), no qual um judiciário independente pudesse confrontar o legislativo e que também o executivo tivesse poder de veto contra o legislador.

Geralmente descrita pela tradição liberal como a proposta de uma sociedade civil orientada pelo autogoverno em busca da liberdade e igualdade para todos, o tipo de organização social presente nos Estados Unidos pós-revolucionário estava muito distante daquele ideal. O fator social preponderante que se fez refletir no modo constitutivo do funcionamento das instituições norte-americanas estava no poder que os proprietários impuseram sobre as esferas política e religiosa, pois decididos a não mais tolerar interferências na fruição de suas propriedades, inclusive sobre os escravos (LOSURDO, 2006, p. 109). Essa articulação envolvia o uso da lei para punir abolicionistas e a circulação de ideias que pudessem ameaçar a instituição fundamental da escravidão4.

Como afirma Tully (2000, p. 35), as restrições à ampliação da participação das camadas mais pobres da população nas respectivas assembleias locais, inclusive mediante o controle dos mecanismos eleitorais, já havia sido a principal característica da estabilização política e da unificação das elites coloniais, e converteu-se, num segundo momento, na conjugação de esforços independentistas daquelas mesmas elites.

A composição dos membros da convenção da Filadélfia5, que antecedeu o texto de 1787, caracterizou-se pela presença de grandes proprietários de terra e escravos, comerciantes e banqueiros, que tinham objetivos razoavelmente claros ao estabelecer um governo central: ajustar dívidas e cláusulas de comércio entre as treze ex-colônias; proteger o comércio ultramarino e as relações diplomáticas; propagar os interesses comerciais e financeiros de uma burguesia em formação, e proteger a riqueza acumulada das exigências distributivas das demais classes sociais.

Observadas as distinções em relação à Revolução francesa, que entre seus objetivos incluía a destruição do antigo regime que se sustentava em dois fatores excludentes - a estratificação social e uma economia dirigida segundo interesses corporativos, apresentam-se mais claros os distintos usos do direito feito na experiência norte-americana. Como destaca Fioravanti (1995, p. 78ss; 1999, p. 102), se no modelo francês a universalidade da lei e dos direitos era essencialmente uma afirmação contra o passado de um sistema político opressor, entre os revolucionários norte-americanos a valorização do Common Law inglês significava o resgate de um passado remoto de preservação das liberdades de comércio contra o poder fiscal identificado como tirania. Uma pretensão que se expressava na antiga fórmula do direito britânico: no taxation without representation, que lhes era negada do outro lado do Atlântico.

Desse modo, a compreensão do desenho das instituições criadas na fundação do constitucionalismo norte-americano demandou do direito a articulação de uma linguagem formulada a partir de questões fiscais que se contrapunham à intervenção estatal. Assim, a concepção da Constituição, no sentido da tradição britânica, que incorporasse num texto escrito a vontade do poder soberano e que pudesse ser oposta à vontade do governante, servindo-lhe de parâmetro para o exercício da autoridade, consolidou-se como modelo de organização entre os norte-americanos. Concepção que não estava propriamente dirigida à constituição de uma cidadania ativa de base popular (FIORAVANTI, 2009, p. 59), mas que atribuiu a limitação do poder estatal à garantia dos direitos individuais modelados de acordo com a interpretação judicial (FIORAVANTI, 1995, p. 98).

A centralidade do papel do direito e dos juristas6 na concepção de soberania entre os norte-americanos, cujo papel mediador entre poder central e dos estados, assim como entre Estado e uma sociedade civil em formação, seria o fator primordial da distinção entre as funções do público e do privado que possibilitou ao constitucionalismo norte-americano o uso do conceito de soberania para limitar o poder estatal. No plano da organização política, essa mediação se orientou pela crítica da onipotência do legislador, expressa no significado atribuído à supremacia e rigidez da Constituição, e que, por sua vez, ativou a noção inglesa de independência dos juízes construída no século XVII, durante a Revolução Gloriosa, reconhecida como instituto fundamental do constitucionalismo britânico no Act of Establishment de 1701, do qual resultaram efeitos benéficos para a economia britânica (KLERMAN; MAHONEY, 2005).

Uma aproximação adequada à formação constitucional norte-americana exige a observação da situação dos Estados, considerado o maior grau de autonomia da organização local, caracterizada pela plural orientação religiosa dos colonos (PAIXÃO; BIGLIAZZI, 2008, p. 133). Essa pluralidade que também impactou nas distintas formas de adaptação do Common Law inglês às particularidades locais das treze colônias, especialmente em matéria de direitos de herança e sobre a propriedade de escravos (POLE, 2000, pp. 452-457), o que se refletiu após a independência na forma como os juízes estabeleceriam os limites de sua autonomia e a competência de sua jurisdição.

O exercício da autoridade judicial nas antigas colônias inglesas foi inicialmente estabelecido na Carta da Virgínia, de 1606, lei orgânica da Virginia Company. Um conselho local, supervisionado desde Londres pela coroa, reunia todas as funções de governo e era competente para julgar todos os tipos de conflito, exceto os religiosos, a lealdade ao rei e os cometidos contra cidadãos de outras nações (GERBER, 2011, p. 42). Em virtude do atraso nos julgamentos e os casos de corrupção envolvendo disputas judiciais, em 1662 o governador William Berkeley sugeriu que a administração de justiça fosse reassumida pela coroa. A indicação de pessoas versadas no direito inglês, que receberiam um salário adequado pela atividade judicial, passou a ser adotada na administração judicial das colônias. Um modelo que vigorou entre 1670 e a declaração de independência.

Sobre a discussão da configuração do poder judiciário durante a Convenção da Filadélfia, o ensaio escrito em 1776 por John Adams, Thoughts on Government, exerceu especial influência, inclusive na redação do artigo III da Constituição. Excluída a parte que previa a participação do executivo no processo de impeachment dos juízes, o texto contemplou todas as propostas de Adams:

“The judicial Power of the United States, shall be vested in one supreme Court, and in such inferior Courts as the Congress may from time to time ordain and establish. Th e Judges, both of the supreme and inferior Courts, shall hold their Offices during good Behaviour, and shall, at stated Times, receive for their Services, a Compensation, which shall not be diminished during their Continuance in Office. Constituição dos Estados Unidos, art. III, sec. 1”.

A teoria política desenvolvida por Adams sobre a necessidade de profissionalização da magistratura inspirava-se na obra de William Blackstone, e já havia sido exposto em outros sete ensaios escritos em 1773, na controvérsia com o General William Bratle. Adams sugeriu que a sujeição dos salários dos juízes de Massachusetts ao controle da coroa era uma ameaça à independência judicial7. O objetivo era mostrar que a inovação inglesa de um judiciário independente não era extensível às colônias e que a independência dos juízes era um ponto fundamental para assegurar a proteção dos direitos individuais contra a sobreposição do processo político8.

Muitas das disposições acolhidas no desenho constitucional adotado em 1787 foram propostas em Thoughts on Government, como o governo republicano, separação de poderes, as eleições periódicas, o bicameralismo, o poder de veto do chefe do executivo, além da independência do judiciário. No texto, a finalidade política do governo é relacionada à felicidade da sociedade e a sua função articulada nos termos da virtude do cálculo da promoção do bem-estar (ADAMS, 2000, p. 242-248). Virtude que encontra no modelo republicano o ambiente mais adequado entre os demais, pois nele vigora “o império da lei e não dos homens”, arranjo que contribui com a imparcial e segura execução das leis.

A questão estava em como formar uma representação que espelhasse o ideal republicano. Então, Adams apresenta suas ideias sobre a representação no legislativo: se unicamenral se sujeitará a todos os vícios e parcialidades, logo precisa de algum controle; por ser formada em torno de interesses egoístas pode se converter contra os seus constituintes; por ambição, os representantes podem criar mecanismos para se perpetuarem no poder contra a vontade popular; deve ser composta por um quadro muito bem qualificado, mas inábil para as tarefas do executivo; não deve ter competência para julgar casos, pois sua composição é numerosa e pouco hábil no manejo do direito e, por último, que uma representação onipotente “legislaria arbitrariamente em seu próprio interesse, executaria todas as leis arbitrariamente em seu próprio interesse e julgaria todas as controvérsias em seu próprio favor9. Ao lado dessa concepção, a administração da justiça era descrita em termos morais e associada à dignidade e estabilidade do governo, o que justificava a sua independência frente ao demais poderes. Para Adams:

“The dignity and stability of government in all its branches, the morals of the people, and every blessing of society depend so much upon an upright and skillful administration of justice, that the judicial power ought to be distinct from both the legislative and executive, and independent upon both, that so it may be a check upon both, as both should be checks upon that. The judges, therefore, should be always men of learning and experience in the laws, of exemplary morals, great patience, calmness, coolness, and attention. Their minds should not be distracted with jarring interests; they should not be dependent upon any man, or body of men. To these ends, they should hold estates for life in their offices; or, in other words, their commissions should be during good behavior, and their salaries ascertained and established by law.” (ADAMS, 2000, p. 245).

Dividir o legislativo em duas câmaras e atribuir a aplicação das leis ao executivo, era visto como o modo de evitar a usurpação de funções entre ambos, o que tornaria qualquer deles forte o suficiente para se opor à mediação do judiciário em caso de conflito. Essa concepção se refletiu na vertente madisoniana presente nos artigos federalistas (HAMILTON et al, 2006, p. 346 ss) que excluiu a identidade da representação legislativa com a soberania – vislumbrada a tirania da maioria, e da construção da imagem das cortes como intermediárias entre o povo e o legislativo. Uma imagem fundada na suposição de que não seria adequado deixar aos congressistas a condição de “juízes constitucionais de seus próprios poderes”.

As ideias de Adams assemelham-se igualmente aos argumentos de Hamilton no artigo federalista n. 78, que remetia às cortes o papel de resolver o conflito entre os demais poderes. Considerada a natureza da atividade judicial de identificar o direito aplicável conforme técnicas interpretativas próprias, além da compreensão de que sendo o mais fraco entre os poderes por não dispor nem da bolsa nem da espada, as únicas garantias de que os juízes poderiam dispor seriam a independência e a inamovibilidade. Essa foi a configuração que posteriormente ajustou-se a moldar o exercício da jurisdição constitucional pela Suprema Corte como um típico de poder moderador10.

3 A Carta de Jefferson e a no-advisory-opinion doctrine

Um rico exemplo marcante dessa experiência é o episódio da “Carta de Jefferson”. Observá-lo com atenção demonstra como o entrelaçamento paradoxal entre política e direito refletido na autocompreensão da Suprema Corte passava a integrar um arranjo que se estabilizou na história constitucional norte-americana.

Ainda antes da célebre decisão do juiz Marshall no caso Marbury v. Madison11, um fenômeno da organização dos poderes nos Estados Unidos ocorreu. Em 18 de julho de 1793, o então Secretário de Estado do governo de George Washington, Thomas Jefferson, escreveu uma carta12 dirigida aos juízes da Suprema Corte solicitando orientação jurídica sobre questões (27 perguntas) relacionadas às obrigações assumidas pela nação no Tratado de Amizade e Comércio, e o Tratado de Aliança militar, celebrados com a França, e quais a implicações dos tratados diante da posição neutra tomada pelos Estados Unidos em relação à Guerra entre ingleses e franceses.

Na carta, Jefferson revelou a preocupação da Presidência com a utilização dos portos norte-americanos por navios da marinha francesa, além de embarcações particulares, autorizados segundo o tratado, mas que poderiam pôr em risco a paz firmada com os ingleses, logo após a guerra de independência. A consulta13 enviada à Corte ainda envolvia o tema das relações comerciais com a França enquanto durasse o conflito com os ingleses. Dizia a carta que, mesmo diante a ausência de litígios sobre tais questões, o Presidente “would be much relieved if he found himself free of this description to the opinions of the Supreme Court of the United States, whose kwonlegde of the subject would secure us against errors dangerous to the peace”14. No mesmo dia, Jefferson escreveu aos ministros francês e britânico informando a decisão de consultar a Suprema Corte.

A resposta, entretanto, foi uma surpresa. Durante todo o século XVIII, no período colonial, os juízes britânicos ofereciam pareceres sobre questões jurídicas a pedido da Coroa e suas colônias, e mesmo após a independência, a prática permaneceu nas cortes norte-americanas15. Porém, John Jay e os demais juízes da Suprema Corte se negaram a oferecer orientação jurídica ao Presidente George Washington, sob a justificativa de que os contornos da separação de poderes no texto da Constituição restringia o direcionamento do aconselhamento solicitado às chefias do próprio Poder Executivo:

“The Lines of Separation drawn by the Constitution between the three Departments of Government—their being in certain respects checks on each other—and our being Judges of a court in the last Resort—are Considerations which afford strong arguments against the Propriety of our extrajudicially deciding the questions alluded to; especially as the Power given by the Constitution to the President of calling on the Heads of Departments for opinions, seems to have been purposely as well as expressly limited to executive Departments”16

O conteúdo da resposta dos Justices foi bastante sucinto. A composição da Suprema Corte à época era formada eminentemente por políticos que temporariamente não exerciam mandato, de modo que todos tinham a dimensão do quão representativa era a questão naquele contexto político e como a resposta poderia atrair um indesejável problema para os integrantes do Tribunal. O primeiro motivo indicado para a rejeição do aconselhamento ao Governo foi uma referência geral à teoria da separação dos poderes. Essa referência refletia a concepção do próprio John Jay sobre a função de check and balances no regime constitucional, cujo papel seria “to guard against abuse and fluctuation, & preserve the Constitution from Encroachments.”

O segundo argumento foi o de que, como Tribunal competente para o ‘último recurso’, a Suprema Corte não poderia adiantar seu entendimento sobre questões de direito por meio de opiniões. Para William Casto, nesse ponto, foi relevante o alerta do justice James Iredell que um ano antes havia escrito carta17 a George Washington revelando sua preocupação com prévias manifestações dos juízes em casos que poderiam transformar-se em litígios apreciados pelos mesmos posteriormente. Concebendo a especial importância da Corte como última instância judicial, o receio era de que tal manifestação prévia prejudicasse a função da Corte em dizer o direito, numa referência analógica ao papel da House of Lords (Corte da última instância judicial britânica), que também não proferia advisory opinions18.

Por fim, a recusa foi motivada por uma interpretação da intenção original presente nos debates da Convenção de 1787. Três dos juízes (Wilson, Blair e Paterson) haviam sido delegados na Convenção, e recordaram a rejeição da proposta que atribuía à Presidência a competência de solicitar orientação à Suprema Corte. Tal fator teria sido considerado na conclusão da resposta a Washington, no sentido de que ele apenas poderia contar com o aconselhamento dos departamentos do Poder Executivo, segundo o article II, section 2, da Constituição.

A delicada questão diplomática envolvida foi, então, politicamente resolvida com a mobilização da opinião pública contra a ‘ameaça’ da marinha francesa. Após a recusa da Corte, Jay e o Senador federalista Rufus King publicaram artigo num jornal de Nova Iorque sobre as agressivas declarações de Charles Genet, o embaixador francês. Em seguida, o gabinete da Presidência resolveu intervir junto ao governo da França para convocar o embaixador (CASTO, 2002, p. 200), restaurando as relações entre os dois países e preservando a posição de neutralidade dos norte-americanos no conflito entre franceses e ingleses.

Ao contrário do que se pode supor em relação à altivez da corte em negar orientação jurídica ao Presidente, quando a prática até então era aceita, a descrição dos detalhes da resposta à carta de Jefferson pode mostrar como ela foi uma alternativa construída para contornar uma possível crise política. Naquele contexto, havia sentido para a Suprema Corte negociar a sua ‘auto-restrição’ como forma de não envolver seus juízes numa arriscada questão político-diplomática, ao tempo em que lhe permitia definir que carecia ao Presidente a competência para consultar o Tribunal. Por outro lado, em termos de capital político, talvez parecesse a Washington mais vantajoso contar com o apoio de Jay apenas nos bastidores, enquanto reforçava a sua imagem perante a opinião pública. Essas considerações permitem visualizar os processos de tomada de decisão não como uma deliberação resultante da interpretação daquilo que é a Constituição, mas como a própria atuação independente dos juízes e da Suprema Corte estava sujeita a contingências que demandaram uma atuação coordenada das diversas funções de poder do Estado.

4 Reforçando a imagem dos juízes independentes

É preciso, entretanto, estar atento ao risco de projetar uma visão normativa que temos hoje sobre as relações entre os poderes sobre fatos ocorridos há mais de duzentos anos. À época da formulação da doutrina contrária a advisory opinion construída a partir da resposta dos juízes à carta de Jefferson, a crença generalizada acerca do papel dos juízes estava fundada no direito natural, fortemente enraizada do Common Law. Não se discutia se os magistrados criavam o direito ao interpretar os estatutos e a Constituição, apenas se repetia o dogma de que ao juiz cabia identificar e aplicar o direito pré-existente (CASTO, 2002, p. 205), produto da atividade do legislador ou dos founding fathers. Logo, fazia pouco sentido atribuir à Suprema Corte, com sua naturalizada imagem de órgão imparcial a serviço da revelação do direito, o papel de artífice da gestão de uma crise política do governo.

Uma das formas de reforçar a imagem da independência judicial como virtude passiva a que se referiu Bickel (1986) é apresentá-la como auto-disciplina diante de questões controversas e que exigem uma evidente manifestação da vontade do julgador. Essa dimensão do problema ganha relevância quando a suposta vontade contraria as expectativas da maioria dos destinatários da decisão o que redireciona o debate público sobre o papel do juiz no campo da política, que passa a questionar os vieses ideológicos, as relações partidárias, as preferências e até as inclinações doutrinárias do magistrado. Nesse ponto, cabe questionar se as alegações de em defesa do autogoverno dos juízes dispensam a considerações sobre as relações pessoais dos julgadores com integrantes do Executivo ou Legislativo, além da remissão à disciplina interna dos procedimentos judiciais e das prerrogativas dos membros da magistratura, como a inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, que invariavelmente integram o conceito de independência judicial.

Porém, no caso das Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais, em que temas políticos motivam a sua própria existência e fazem parte do cotidiano dos juízes, o entrelaçamento entre independência judicial e imparcialidade dos juízes precisa reforçar a imagem de que o resultado dos julgamentos deriva da interpretação do direito e não de fatores externos ao ordenamento. Como destacam John Farejohn e Larry Kramer (2002, p. 968), se no quadro institucional legado pela vertente madisoniana do constitucionalismo a Corte representa o principal órgão que vela pelos pré-compromissos substantivos tomados pelo povo em relação a si mesmo no passado, os seus juízes precisam apresentar-se como imunes à ‘compulsão ou induzimento’ dos interesses de curto prazo.

Manter um arranjo como esse torna-se mais complexo quando se observa o progressivo ingresso dos diferentes tipos de argumentação no processo, que podem variar das questões econômicas às relações de família, tecnologia à meio-ambiente, entre tantas outras. Tal característica, além de evidenciar a sobrecarga com que tem de lidar o direito, confronta-o com a dificuldade de que “os realistas estavam certos sobre como os juízes de fato decidem” (FAREJOHN; KRAMER, 2002, p. 970), ou seja, com uma semântica normativa cada vez mais precária para lidar com a ideia de imparcialidade dos julgamentos. O consenso de que juízes devem guardar independência em relação à influência direta dos demais poderes e corporações não elimina a ambiguidade do conceito próprio conceito de “independência”. Na linha do que observa Owen Fiss (1993, p. 58), juízes devem de fato ser independentes, mas de quem?

Configurado um quadro como esse, em que juízes se encontram pressionados por vários agentes (como políticos e a imprensa), mostra-se como eles precisam negociar as condições de exercício do próprio poder. Isso envolveria ponderar as relações entre independência judicial e prestação de contas (accountability) – criando um espaço de proteção, por exemplo, para a autonomia orçamentária e prerrogativas dos magistrados contra ameaças vindas do Congresso ou do Executivo. E, por outro lado, exigindo uma auto-restrição sobre o comportamento dos juízes, cujo interesse estaria em preservar o seu capital político que, publicamente, manifesta-se através de atributos intelectuais e de reputação (FAREJOHN; KRAMER, 2002, p. 977).

Nesse sentido, uma das formas de observar a relação entre a construção da imparcialidade e a auto-restrição do Judiciário é considerar quais os temas em que as Cortes decidem não decidir. Ou seja, no caso norte-americano – mas não só nele, observar qual a seletividade presente no uso da chamada doutrina das questões políticas. Como vimos, a noção de imparcialidade no constitucionalismo norte-americano agrega a noção de destinar a última palavra sobre a Constituição aos juízes, entretanto, resulta claro na prática constitucional daquele país que, ao tempo em que a função do conceito de imparcialidade empodera os juízes para a adjudicação de questões políticas, ela introduz claras tensões com o princípio da separação de poderes.

Isso se reflete na atuação da Suprema Corte e, por outro lado, é indicativo da disposição dos juízes em disciplinar as suas próprias relações com os integrantes das outras esferas do governo. Como demonstram Farejohn e Kramer (2002, p. 1034), os poderes relativos à guerra; a validade de tratados ou de atos decorrentes de relações exteriores, além das questões tributárias e relativas à despesa pública, são temas que historicamente a Corte tem deixado à ilimitada discrição do Executivo e do Congresso. Também no desempenho dessa função de árbitro da separação de poderes, a Suprema Corte tem atuado em circunstâncias de evidente ofensa e de modo bastante restrito, como na hipótese em que o Congresso ampliou seus próprios poderes sobre o impeachment do Presidente19.

E mesmo no domínio da proteção dos direitos fundamentais onde, em tese, poderia a Corte ser tachada de ativista, é possível notar uma distinção clara entre a proteção às cláusulas relativas à privacidade, propriedade e devido processo legal20, e a garantia da igualdade que tem sido mais enfática nas discussões sobre raça e gênero (FAREJOHN & KRAMER, 2002, p. 1036). Da mesma forma se observa um peso maior de questões sobre as liberdades de expressão e religião do que outras partes importantes do Bill of Rights, como as emendas Segunda e Nona, quase ignoradas na jurisprudência da Corte.

Isso sugere não só a distinta a força do apelo com que os argumentos são recebidos pela Corte, mas como a atuação independente dos juízes pode ser medida em termos de auto-restrição em casos põem em risco as relações entre o Judiciário e os demais poderes21. E se considerada sua posição no vértice da organização judicial, o que lhe reserva a função de representar todo o Poder Judiciário, não é exagero afirmar que a Suprema Corte desempenha um papel central no conservadorismo institucional norte-americano projetando sua própria auto-restrição para todos os demais órgãos judiciais.

5 Considerações finais

Dentre os significados políticos e jurídicos que a Revolução norte-americana legou ao constitucionalismo, a reformulação da noção de independência judicial na articulação de checks and balances talvez tenha sido a que mais se destacou como modelo para outras experiências constitucionais no Ocidente. A expansão da ideia de que o poder soberano do povo não encontra representatividade tão-somente no parlamento, mas depende do funcionamento articulado de mecanismos de proteção dos direitos individuais acabou por se tornar o fundamento teórico-político da construção de um Poder Judiciário independente em todas as nações que adotaram constituições escritas sob a inspiração liberal que ressoou do pensamento constitucional estadunidense.

Contudo, dificilmente as tradicionais narrativas conceituais sobre a independência judicial apresentam aproximações que incluam entre as contingências históricas do fortalecimento da autoridade judicial questões relacionadas à distinção sociopolítica de funcionamento do poder entre metrópoles e colônias; a manutenção da escravidão; o regime de propriedade e as disputas contratuais, e os diversos usos do direito e da autonomia dos juízes enquanto instrumentos de legitimação de práticas que aprofundam desigualdades em contraposição ao discurso liberal. Para tanto, o recurso à historiografia das instituições jurídicas e judiciais pode oferecer uma rica contribuição ao expor o caráter problemático de determinadas apropriações institucionais irrefletidas, mas, especialmente, indicando os limites práticos que alguns dos discursos sobre a função dos juízes e das constituições desempenha na sociedade mundial.

Mais do que elementos dogmáticos da prática constitucional norte-americana, os eventos históricos e as variáveis do comportamento dos juízes no nascedouro das instituições judiciais descritas nesse trabalho são fatores importantes a serem considerados na avaliação do discurso sobre a independência dos juízes nos Estados Unidos, mas também nas experiências constitucionais que adotam mecanismos que reforçam o papel dos juízes, como a brasileira. Isso porque enquanto o foco dos juristas permanece quase que exclusivamente na afirmação da defesa da independência judicial contra as pressões externas, seja dos outros poderes do Estado ou de outras esferas do sistema social (como a economia e a política), uma perspectiva que leve em conta os usos aos quais a noção de independência judicial, a partir da (re)construção dos critérios internos de decisão e seus resultados, pode revelar como a atuação dos juízes constitucionais depende de uma articulação construída fora do âmbito judicial, e a partir de uma interação entre diferentes atores políticos na defesa de interesses os mais diversos.

Referências

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1 O termo deriva do título de um livro publicado em 1927 por Howard McBrain “The Living constitution, a consideration of the realities and legends of our fundamental law” e foi incorporado no repertório linguístico do debate norte-americano sobre o judicial review.

2 Sobre a influência do individualismo do liberalismo lockeano no contexto das ideias políticas pré-revolucionárias: KRAMNICK, 2000, p. 88-93.

3 Sobre o desenvolvimento das colônias e o maior grau de autonomia alcançado pelas instituições locais, além do crescimento da resistência à Coroa e do apoio aos líderes políticos em torno da mobilização independentista dos norte-americanos após a Revolução Gloriosa: TULLY, 2000, p. 29-38.

4 Além da exclusão do acesso à alfabetização, garantido pela punição àqueles que ensinassem negros a ler e escrever, vários estados aprovaram leis proibindo relações sexuais inter-raciais e escravizando desde o nascimento os filhos dessas relações, além da autorização legal para restringir a liberdade de reunião, expressão e imprensa de indivíduos brancos abolicionistas. Como destaca Losurdo (2006, p. 115 ss), até a guerra de Secessão à divisão social em três castas correspondiam três espécies de legislação que asseguravam a restrição de direitos civis e políticos aos índios e negros, configurando o que Losurdo designa como “democracia dos senhores”, que celebra a igualdade entre aristocratas ao excluir os demais.

5 O autor destaca que na época, em doze das treze ex-colônias, apenas homens brancos e proprietários tinham direito ao voto (o que não chegava a 10% da população), logo estavam excluídos os negros, mulheres, índios, trabalhadores rurais e homens brancos despossuídos. Para uma biografia dos 55 delegados da Convenção: http://goo.gl/KEoSyV.

6 Como lembra Brunkhorst, os juristas desempenham, com frequência, um papel fundamental nos movimentos revolucionários, a exemplo de Jefferson, Madison, John Adams, John Jay e Hamilton no caso norte-americano. (BRUNKHORST, 2014, p. 84). Destacando o papel de Adams na reformulação da noção de separação de poderes em Montesquieu e sua repercussão no arranjo institucional de um judiciário independente entre os norte-americanos: GERBER, 2007.

7 Os textos foram escritos após o anúncio feito no verão de 1771 pelo governador de Massachusetts, Thomas Hutchinson, de que o pagamento dos salários dos juízes seria suspenso e reassumido pela coroa. Reprodução integral em ADAMS, 2000, pp. 67-101.

8 Nesse sentido, os precedentes anteriores a Marbury v Madison, citados por Gerber, (2007) nos casos Holmes v. WaltonCommonwealth v. Caton. Gerber destaca deste último o voto do juiz Wythe, ex-professor de Marshall, que afirmou: “[I]f the whole legislature, an event to be deprecated, should attempt to overleap the bounds, prescribed to them by the people, I, in administering the public justice of the country, will meet the united powers, at my seat in this tribunal; and, pointing to the constitution, will say, to them, here is the limit of your authority; and, hither, shall you go, but no further”.

9 Cf. ADAMS, 2000, p. 245. Concepção, em parte, formada a partir da breve e fracassada experiência da soberania parlamentar sob os artigos da Confederação, de 1781. Cf. GRIMM, 2015, p. 36.

10 Nesse sentido, explorando como as falhas do exercício da função moderadora pelo Senado levaram ao ‘triunfo do controle normativo sobre o político’. Cf. LYNCH, 2010. A própria Suprema Corte já reconhecia sua jurisdição sobre conflitos federativos: Chisholm v. Georgia, 2 US 419 (1793).

11 Sobre os contornos do caso: WOOD, 1999, pp. 787-809.

12 Versão integral da carta e da resposta enviada por John Jay, Chief Justice da Suprema Corte, em 8 de agosto de 1793 podem ser lidas aqui: http://goo.gl/ZreOz2. Acesso em: 25 abr. 2015.

13 Definida em reunião no gabinete de Jefferson, a carta foi vista como uma forma de sanar questões jurídicas na interpretação dos tratados, mas também como um meio de prover um valioso suporte político para a decisão de Washington. Cf. CASTO, 2002, p. 180.

14 Cf. Letter from Thomas Jefferson to the Justices of the Supreme Court (July 18, 1793).

15 A adequação de tal prática era amplamente compartilhada entre os juristas norte-americanos à época, e certamente refletiu-se na decisão da Presidência em enviar a Carta. Além disso, o próprio John Jay, em 1790, orientou Washington sobre direito internacional no iminente conflito entre ingleses e espanhóis em disputa territorial envolvendo a Gulf Coast, no Canadá. Cf. CASTO, 2002, p. 188 e 192.

16 Letter from the Justices of the Supreme Court to George Washington (Aug. 8, 1793).

17 Assinada em conjunto com o juiz John Sitgreaves, a carta dizia: “because we well know how liable the best [m]inds are, notwithstanding their utmost care, to a bias which may arise from a preconceived opinion, even unguardedly, much more deliberately given.” apud CASTO, 2002, p. 187.

18 Essa é uma questão controvertida, mas já John Fortescue, Chief Justice do King’s Bench, negou responder consulta da House of Commons sobre a prisão de um de seus membros, no Thorpe’s Case, em 1454. Cf. GERBER, 2011, p. 16.

19 Cf. Bowsher v. Synar, 478 U.S. 714 (1986).

20 Previstas na Décima Quarta emenda: “a state shall not violate a citizen’s privileges or immunities; shall not deprive any person of life, liberty, or property without due process of law; and must guarantee all persons equal protection of the laws”.

21 Nesse sentido, Farejohn e Kramer fazem um paralelo à afirmação de Hamilton: “The weakeast branch is weak only if and for so long as its political vulnerability is real, and every once in a while, a reminder may be needed.” Idem, p. 1037.



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