MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS TRABALHISTAS E A PREVALÊNCIA DA VONTADE DOS SUJEITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO: COMPREENDENDO A DICOTOMIA ENTRE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA E INDISPONIBILIDADE RELATIVA DE DIREITOS TRABALHISTAS
ADEQUATE FORMS OF RESOLVING LABOR CONFLICTS AND THE PREVALENCE OF THE WILL OF THE PARTIES OF THE EMPLOYMENT RELATIONSHIP: UNDERSTANDING THE DICHOTOMY BETWEEN ABSOLUTE INDISPONIBILITY AND RELATIVE INDISPONIBILITY OF LABOR RIGHTS
Sergio Torres TeixeiraI
Delmiro Borges CabralII
I Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: sergiotteixeira@uol.com.br
II Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil. E-mail: delmiro@borgescabral.adv.br
DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i34.2939
Recebido em: 17.01.2019
Aceito em: 09.07.2019
Sumário: 1 Contextualização. 2 Direitos sociais indisponíveis. 3 Direitos sociais disponíveis. 4 Crise do Judiciário e vias adequadas de solução de conflitos. 5 Conclusão. 6 Referências.
Resumo: Com as recentes alterações promovidas na legislação trabalhista pela Lei 13.467 de 2017 (Reforma Trabalhista), o legislador procurou incentivar o uso de outros meios de solução de conflitos fora do processo judicial contencioso da Justiça do Trabalho, como a arbitragem privada e a negociação extrajudicial direta entre empregado e empregador. O estímulo à ideia de um modelo multiportas de acesso à justiça, entretanto, tem enfrentando uma certa resistência por parte de magistrados e advogados já ambientados no sistema adversarial de embate beligerante entre os litigantes. E dentre as dificuldades levantadas pelos refratores, se encontra o dogma da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, por meio do qual se nega a possibilidade do empregado de se despojar de um direito trabalhista assegurado em uma norma de ordem pública, considerando que o trabalhador é a parte hipossuficiente na relação empregatícia e como tal o destinatário de uma tutela jurídica especial. O presente texto almeja proceder a uma análise crítica de tal dogma, mediante uma incursão no ambiente da dicotomia envolvendo a indisponibilidade absoluta e a indisponibilidade relativa de direitos trabalhistas, examinando como a conscientização acerca de tal bifurcação pode contribuir para viabilizar a proposta legislativa, assegurando a prevalência da vontade das partes sem ferir as normas que norteiam o ordenamento jurídico trabalhista pátrio. Utilizando o método dedutivo por meio de uma pesquisa qualitativa da literatura especializada, o objetivo será conduzir um exame técnico dos novos instrumentos introduzidos pelo legislador de 2017 à luz de uma visão sem preconceitos acerca da autonomia da vontade das partes dentro dos filtros tipificados de um modelo normativo trabalhista brasileiro que se encontra em evidente evolução.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Modelo Multiportas de Acesso à Justiça. Meios Adequados de Solução de Conflitos. Disponibilidade Absoluta. Disponibilidade Relativa. Prevalência da Vontade das Partes.
Abstract: With the recent changes promoted in Brazilian labor legislation by Law 13467 of 2017 (Labor Reform), the legislator sought to encourage the use of other fórmulas of resolving conflicts outside the judicial process of the Labor Courts of Brazil, such as private arbitration and direct extrajudicial negotiation between employee and employer. The stimulus to the idea of a multiport model of access to justice, however, has faced some resistance from judges and lawyers already set in the adversarial system of belligerent conflict among litigants. And among the difficulties raised by these refractors is the dogma of the indisponibility of labor rights, by which it is denied the possibility of the employee to dispose of a labor right secured in a norm of public order, considering that the worker is the party employment relationship and, as such, the recipient of special legal protection. The present article aims to make a critical analysis of this dogma through a foray into the environment of the dichotomy involving the absolute indisponibility and relative indisponibility of labor rights, examining how awareness of such a bifurcation can contribute to the viability of the legislative proposal, prevalence of the will of the parties without violating the norms that guide the labor legal order of the country. Using the deductive method through a qualitative research of the specialized literature, the objective will be to conduct a technical examination of the new instruments introduced by the legislator of 2017 in the light of a unbiased view about the autonomy of the parties’ will within the typified filters of a model labor legislation that is in evident evolution.
Keywords: Labor Reform. Multiport Access to Justice Model. Appropriate Means of Conflict Resolution. Absolute Indisponibility. Relative Indisponibility. Prevalence of the Will of the Parties.
1 Contextualização
Na literatura especializada, é praticamente unânime a ideia de que o ideal de acesso à justiça no plano constitucional repousa no direito fundamental assegurado no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Política de 1988, que garante ao cidadão que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Pelo texto do legislador constituinte de 1988, repetindo uma garantia prevista em sede constitucional desde a Carta de 1946 (artigo 141, §4º), qualquer cidadão tem assegurado o direito de acionar o Judiciário toda vez que se sentir em risco de sofrer um dano ou já se considerar lesado.
A ideia de acesso à justiça, nesse contexto, é resumida à ideia de acesso ao Judiciário.
O alcance de tal garantia constitucional do processo, por sua vez, sofreu uma “leve ampliação” como o legislador ordinário de 2015, que ao aprovar o atual Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015), estipulou no artigo 3º do respectivo diploma processual que “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
O exame dos respectivos textos normativos deixa em clarividência a evolução.
Apreciação do “Poder Judiciário” (artigo 5º, inciso XXXV, da CR/88).
Apreciação “jurisdicional” (artigo 3º do CPC/2015).
Evidente a diferença de alcance das respectivas expressões.
A expressão “apreciação jurisdicional” abrange outras fórmulas “adequadas” de solução de conflitos (a expressão “adequada” aqui sendo utilizando para evitar a expressão “alternativa”, usualmente considerada como de status inferior a uma via “primária”), próprias de um modelo multiportas de acesso à justiça, incluindo fórmulas como a arbitragem, a mediação e a conciliação.
E o legislador de 2015 deixou claro nos parágrafos do artigo 3º do CPC/2015 tal quadro, ao fixar no §2º que é dever do Estado promover, sempre que possível a solução consensual do conflito, e, ainda, estabelecer no §3º que é um dever dos principais agentes processuais (o juiz, o advogado, o defensor público e o ministério público) estimular a conciliação, a mediação e outros meios consensuais de solução de conflitos.
Nada mais natural em um Estado Democrático cuja Constituição tem em seu preâmbulo a expressa previsão de sociedade fraterna comprometida com a solução pacífica das controvérsias.
O debate sobre a serventia de caminhos adequados, distintos da jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, sempre foi caracterizado por polêmicas e questionamentos de lado a lado. Especialmente considerando a postura refratária de uma parte considerável de juízes e de advogados, contrários a qualquer forma de solução de conflitos individuais trabalhistas que não envolvem diretamente a presença de um magistrado trabalhista.
Inúmeros argumentos são apresentados por essa corrente contrária a fórmulas como a arbitragem privada e a mediação extrajudicial, mas sistematicamente com um uma ideia fixa: apenas o Judiciário do Trabalho revela condições de solucionar lides individuais entre empregados e empregadores.
O presente texto busca provocar tal posição, examinando os graus de indisponibilidade que afetam aos direitos do trabalhador para aferir a licitude e legitimidade do acesso a essas fórmulas adequadas. E desde já deve ser enfatizado que não será uma defesa incondicional, pois é evidente que exigências mínimas deverão ser definidas para assegurar a lisura desses novos caminhos.
Nessa busca, serão apontadas algumas considerações de doutrinadores e, ocasionalmente, serão utilizados posicionamentos extraídos da jurisprudência dos tribunais do trabalho para melhor ilustrar uma linha de argumentação. Na maior parte do estudo, entretanto, a fonte primária será a simples observação da realidade que cerca o Judiciário do Trabalho. Serão extraídos do cotidiano da Justiça do Trabalho fragmentos da realidade contemporânea da prática forense vivenciada pelos próprios profissionais do trabalho para procurar construir uma fundamentação adequada para essa justificativa almejada.
Agora ... ao debate.
2 Direitos sociais indisponíveis
Para qualquer acadêmico de curso de graduação em direito, o estudo do Direito do Trabalho começa com a lição de que as normas trabalhistas surgiram como forma de disciplinar uma relação entre desiguais mediante a previsão de regras de proteção aos empregados hipossuficientes, de modo a promover alguma forma de equilíbrio por meio dessa proteção jurídica. Os direitos assegurados aos trabalhadores, assim, seriam irrenunciáveis, tendo em vista que são salvaguardados por normas de ordem pública.
Na legislação laboral atual, a indisponibilidade dos direitos trabalhistas por parte do empregado pode ser verificada em três principais dispositivos legais na própria CLT: os artigos 9º; 444 caput e 468 caput.
“Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
Será inválido qualquer ato praticado com a finalidade de evitar a incidência das regras protecionistas ou de materializar uma fraude. Como regra geral, o conteúdo do contrato de emprego pode ser pactuado livremente, desde que não violada as normas protecionistas. E uma alteração contratual somente terá validade se, além de ser consensual, não tenha provocado qualquer lesão ao empregado. N´outras palavras, os sujeitos do contrato de emprego não podem dispor livremente do seu conteúdo ou alterar este. Tudo orbita ao redor da necessidade de assegurar uma tutela imediata ao trabalhador hipossuficiente.
Um sistema nitidamente rígido e protecionista, é esta a tradução do modelo tradicional oriundo da legislação brasileira de 1943.
Neste momento, convém esclarecer o significado de indisponibilidade. De acordo com Teixeira (2017, p.7), “indisponibilidade é uma forma que o trabalhador tem de dispor ou não de um direito seu assegurado por lei”.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 7),
“Indisponibilidade, enquanto característica de um direito, abrange tanto a intransmissibilidade (impossibilidade de modificação subjetiva, gratuita ou onerosa – inalienabilidade) quanto à irrenunciabilidade (impossibilidade de reconhecimento jurídico da manifestação volitiva de abandono de um direito)”.
Na mesma linha de raciocínio, Rodrigues (2002, p. 142) assim descreve sobre a possiblidade de um trabalhador dispor ou não de um direito trabalhista:
“Por isso cremos que a noção de irrenunciabilidade pode ser expressa em termos muito mais gerais na forma seguinte: A impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio.
A renúncia equivale a um ato voluntário pelo qual uma pessoa se desliga de um direito reconhecido a seu favor e o abandona”.
Rodrigues (2002), por sua vez, também chama atenção para o fato de que, em que pese as normas trabalhistas tenham um caráter de normas de ordem pública, isso não quer dizer necessariamente que as normas de ordem pública integram o direito público. Assim, ele faz a distinção entre as duas espécies de normas: Isso porque, para o autor uma coisa é a distinção entre o direito público e o privado, bem como a vinculação do direito trabalhista dentro dessa subdivisão, e outra muito diferente é se afirmar que as normas trabalhistas possuem caráter de ordem pública.
Afirmar que as normas trabalhistas possuem um caráter de ordem pública quer dizer que o Estado considera ser mais difícil que as partes possam acordar por sua vontade própria a regulamentação de sua conduta, sem a intervenção do Estado, de maneira diversa da que foi estabelecida pelo legislador. Entretanto, a norma de ordem pública tanto pode pertencer ao direito público ou ao direito privado.
Um bom exemplo são as normas sobre o direito de família, que fazem parte do direito civil, ramo integrante do direito privado, mas que a matéria tratada nesse ramo do direito, por sua própria natureza, são normas de ordem pública, razão pela qual não poderá as partes dispor sobre elas livremente, tendo que observar obrigatoriamente o que foi determinado pelo Estado.
E, portanto, da mesma forma que o autor acima indicado exemplificou com o direito de família, da mesma forma ocorre com o direito do trabalho. As normas que regem esse ramo do direito também são normas de ordem pública, de forma que as partes não podem dispor diferente daquilo que foi determinado pelo legislador.
E conclui Rodrigues (2002, p. 152), sobre o assunto:
“A noção de ordem pública foi muito bem definida pelos autores brasileiros. Segundo Clóvis Beviláqua “leis de ordem pública são aquelas que, em um Estado, estabelece os princípios, cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos do direito. Evaristo de Moraes Filho também afirma: “Ordem pública significa o que não pode ser derrogado, renunciado, por simples manifestação de vontade dos particulares. É o que o Estado julga imprescindível e essencial para a sobrevivência da própria sociedade, o bem comum, o interesse geral.”
Assim, conclui-se que as normas de ordem pública, em que pese sejam normas que não façam parte do direito público necessariamente, são um conjunto de normas que objetivam garantir condições fundamentais da vida social, instituídas em uma comunidade jurídica, as quais, por afetarem no âmago a organização desta, não podem ser alteradas pela vontade dos indivíduos nem, se for o caso, pela aplicação de normas estrangeiras.
O artigo 9º da CLT, conforme acima descrito, estipula a nulidade “de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. O legislador de 1943 estabeleceu que qualquer ato de vontade que ofenda o estatuto mínimo de proteção ao trabalhador, inclusive quando for resultado de acordo de vontade entre as duas partes da relação de emprego, será inválido. essas cláusulas são nulas de pleno direito, e essas cláusulas declaradas nulas serão automaticamente substituídas por outras consideradas válidas dentro do ordenamento jurídico.
As normas que regulamentam as relações de trabalho, portanto, não podem ser modificadas unilateralmente pelo empregador, já que não se tratam de normas dispositivas, mas sim de normas de ordem pública. E vários autores inferem se referem ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, fazendo uma correlação dele com a questão dos Direitos Trabalhistas serem dispostos através de normas de ordem pública.
Contudo, a indisponibilidade inerente aos direitos oriundos da ordem justrabalhista não tem, contudo, a mesma exata rigidez e extensão. Pode-se, tecnicamente, distinguir entre direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado de direitos imantados por uma indisponibilidade relativa.
Nesse sentido, a lição de Delgado (2018, p. 251):
“Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre, como já apontado, ilustrativamente, com o direito à assinatura de CTPS, ao salário mínimo, a incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador”.
Para Delgado (2018), ainda, as normas de direito individual do trabalho são absolutamente indisponíveis quando o enfoque do direito estiver protegido por norma de interesse abstrato de uma determinada categoria. Nessa hipótese, a noção de indisponibilidade atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias, o Direito Individual do Trabalho. Desse modo, parcelas que no contexto do Direito Coletivo do Trabalho poderiam ser objeto de transação, no Direito Individual do Trabalho não podem ser modificadas, portanto. Assim, a área de indisponibilidade absoluta do Direito Individual do Trabalho é maior que a do Direito Coletivo do Trabalho.
E, continua Delgado (2018), seguindo a sua classificação entre direitos absolutamente indisponíveis, e direitos relativamente disponíveis, em relação ao Direito Individual do Trabalho, que a indisponibilidade dos direitos trabalhistas também poderá ser relativa, quando o direito enfocado traduz interesse individual ou bilateral simples, que não traduz um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passa, por exemplo, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável por exemplo): Essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração não produza prejuízo efetivo ao trabalhador.
As parcelas de indisponibilidade relativa podem ser objeto de transação (não de renúncia, obviamente), desde que a transação não resulte em efetivo prejuízo ao empregado (art. 468 CLT). O ônus da prova do prejuízo, entretanto, caberá a quem alegue sua ocorrência, insto é, ao trabalhador, já que não há prova sobre fato negativo.
Outro ponto a ser abordado é que, a partir do momento em que um trabalhador pode dispor de um direito seu, a definição acerca de qual a fórmula por meio do qual tal despojamento deve ser materializado: a renúncia e a transação. De acordo com Delgado (2018), a renúncia é um ato unilateral da parte, através do qual ela se despoja de um direito de que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiária pela renúncia. Já a transação é um ato bilateral ou plurilateral, pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mas dessa vez mediante concessões recíprocas, ou seja, há um despojamento de direitos recíproco de ambas as partes, envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas (a chamada res dúbia).
Ao lado dessas duas formas de disposição de direitos, existem fórmulas variadas de solucionar conflitos. Dentre os métodos consensuais, devem ser destacadas a composição e a conciliação. Ainda de acordo com DELGADO (2018), a composição é um ato bilateral ou plurilateral, através do qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante o reconhecimento da respectiva titularidade de tais direitos e obrigações pelas partes. Reconhece-se a titularidade de um direito, assumindo-se a respectiva obrigação, ao passo que na transação é diferente, pois produzem-se concessões recíprocas sobre situações fático-jurídicas duvidosas, com o objetivo de se conferir solução à divergência.
Por fim, Delgado (2018) afirma que a conciliação é um ato judicial através do qual as partes que já se encontram em litígio num processo, ajustam solução transacionada sobre matéria objeto do processo judicial, mas sob interveniência de uma autoridade jurisdicional. Assim, a conciliação se distingue das três figuras acima mencionadas pelo fato de ser feita perante uma autoridade jurisdicional, necessariamente no corpo de um processo judicial, e, por fim, a conciliação poderá abarcar direitos trabalhistas não transacionáveis na esfera estritamente privada.
E, no âmbito do direito individual do trabalho, os requisitos jurídico-formais para que um trabalhador possa se despojar de seu direito são os mesmos requisitos clássicos constantes do direito civil, já que esses institutos têm origem no direito privado: agente capaz, higidez da manifestação do agente, objeto válido e forma prescrita ou não proibida por lei.
Porém, mesmo estando presentes os requisitos acima, para que o trabalhador possa se despojar de seu direito através da renúncia e da transação, há, como já foi mencionado, uma parcela de direitos que são absolutamente indisponíveis, e que o trabalhador não pode abrir mão em hipótese alguma. Tratam-se de direitos que garantem um patamar civilizatório mínimo, que foram conquistados ao longo dos anos, bem como normas que protegem a saúde física e mental do trabalhador.
Para ser indisponível, um direito deve ser imune a qualquer pretensão de alteração de sua titularidade. Mesmo a vontade de seu titular não pode ensejar a respectiva transferência subjetiva, levando à completa vedação à sua alienação a qualquer título. De igual forma, para ser caracterizado pela indisponibilidade, o direito não pode ser despojado pelo seu titular, que não poderá abdicar do mesmo. Exemplos de direitos indisponíveis são os direitos da personalidade, previstos expressamente como intransmissíveis e irrenunciáveis no artigo 11 do Código Civil Brasileiro.
Em relação aos direitos do trabalhador, são absolutamente indisponíveis, naturalmente, os direitos do trabalhador que também se enquadram como direitos da personalidade, como os relativos à integridade física, à integridade psíquica e à integridade moral. Não será admissível, assim, a alienação ou a abdicação do direito do trabalhador a um ambiente de trabalho seguro e saudável, nos termos estabelecidos pela legislação laboral específica e em sintonia com as Normas Regulamentares do Ministério do Trabalho que disciplinam a matéria. São igualmente alcançadas pela indisponibilidade absoluta direitos como o relativo à anotação do contrato de emprego na carteira profissional, não apenas por se tratar de algo que atrai diretamente o interesse público em virtude das consequências previdenciárias e tributárias, mas também por estar diretamente vinculado a sua dignidade enquanto pessoa humana.
Então, resta claro que existem parcelas de direitos trabalhistas que são completamente indisponíveis. Por exemplo, não existe relação de emprego sem que haja pagamento de salário em troca. Porém, o que pode ocorrer é a flexibilização dessa forma de pagamento de salário. Isto é, o salário que era fixo poderá ser acordado para ser apenas salário por comissão, mas isso desde que não cause nenhum prejuízo ao trabalhador. Da mesma forma o trabalhador que faz um empréstimo, ele pode destinar determinada parcela de seu salário para que seja descontada em folha, diretamente pelo seu empregador e passar para a instituição financeira da qual pegou o empréstimo. Assim, o que não pode o trabalhador é abrir mão de seu salário, trabalhar sem receber salário. Isso não é permitido pela lei, pois o salário é uma questão de indisponibilidade absoluta, não existe trabalho sem a correspondente contraprestação financeira que é o salário.
Então são direitos absolutamente indisponíveis os direitos do trabalhador que se relacionam com a sua personalidade, bem como aqueles direitos que se relacionam com a integridade física, psíquica e moral de um trabalhador, uma vez que todo trabalhador tem direito a um meio ambiente saudável de trabalho, sem nenhuma espécie de perseguição.
Também são indisponíveis todos os direitos que se relacionam com a proteção da saúde do trabalhador, já que todos tem direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável, nos termos estabelecidos na legislação trabalhista específica sobre o assunto e que está em sintonia com as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho que disciplinam a matéria.
Também é indisponível o direito do empregado ter o contrato de trabalho anotado na CTPS, pois atrai diretamente o interesse público em virtude das consequências previdenciárias e tributárias, como também está diretamente ligado à dignidade humana do trabalhador.
3 Direitos sociais disponíveis
Como já visto, não são todos os direitos trabalhistas que são indisponíveis. Boa parte dos direitos do trabalhador são disponíveis, principalmente quando se tratam de direitos patrimoniais, e que envolvem tão somente questões financeiras.
Ainda há outros direitos que são também indisponíveis, mas já pode se verificar uma diferença em relação aos direitos acima citados. Por exemplo, não existe contrato de trabalho sem o pagamento da prestação do salário. Porém, o direito de receber um qualitativo de salário por parte do trabalhador, pode ser objeto de transmissão. Então, abrir mão do pagamento do salário não é possível, mas ceder parte do salário, retendo na própria folha, para pagamento de um empréstimo, isso é possível, dentro dos limites estabelecido na lei, pois não é possível um trabalhador ceder seu salário de forma integral.
Há uma outra gama de direitos do trabalhador que são direitos patrimoniais, e que eles ainda podem de alguma forma ser despojados por parte do trabalhador: São os direitos quando existe uma incerteza subjetiva, ou seja, quando existe a res dúbia. É importante diferenciar em cada caso concreto aqueles direitos patrimoniais que, inequivocamente, são de titularidade do trabalhador de um lado, e, de outro, aqueles direitos reinvidicados por imprescindível distinguir quando existe a res dúbia (coisa duvidosa). Nessa hipótese existe incerteza subjetiva quanto à existência ou não de um direito patrimonial. Quando há tal dúvida dentro de um quadro conflituoso ainda não solucionado, envolvendo sujeitos capazes, e agindo de boa-fé, há disponibilidade sobre os direitos patrimoniais objeto do conflito, pois a incerteza subjetiva enseja a mitigação de eventuais restrições oponíveis apenas diante da certeza da existência de um direito.
Dessa forma, já é possível se chegar à conclusão que existem direitos trabalhistas que são disponíveis por parte do trabalhador, ou seja, que nem todos os direitos são indisponíveis, e principalmente aqueles direitos de caráter apenas patrimonial. E, ao se observar a evolução da legislação, como também outros aspectos, restará comprovado que na prática, a famosa indisponibilidade dos direitos trabalhistas é efetivamente mitigada em ainda maiores dimensões.
O primeiro ponto a ser considerado, e que corrobora com a ideia de que a indisponibilidade dos direitos trabalhistas não é absoluta, está inserida na própria lei: é a prescrição. Como poderá se observar, apenas o direito à anotação da Carteira Profissional é um direito imprescritível. Todos os outros direitos patrimoniais podem ser perfeitamente fulminados pelo instituto da prescrição, insculpido no texto constitucional.
Como leciona Rodrigues (2002, p. 206-207):
“Embora cada sujeito seja livre para decidir quando irá exercê-los, essa liberdade não é ilimitada. Ou, melhor dizendo, a oportunidade em que se exercita cada direito nem sempre é indiferente, sob o pondo de vista da eficácia do próprio direito.
Nesse sentido cabe recordar, com Gottschalk, três institutos que podem ser afetados pela virtualidade de um direito como consequência de seu não exercício no tempo: a prescrição, a decadência e a preclusão.
A primeira consiste na perda da ação emergente de um direito, como consequência do transcurso de certo prazo, durante o qual aquele direito não foi exercido.
Disso decorre que a prescrição que interessa em matéria trabalhista é a extintiva ou liberatória.”
Ou seja, a partir do momento que um trabalhador não utiliza o seu direito de ação garantido por lei, esse direito será fulminado pelo instituto da prescrição, de forma que ele não poderá mais se valer da ação para vir a cobrar seus créditos em juízo. Desse modo, a inércia do trabalhador, ao não manusear a ação judicial dentro do respectivo lapso temporal, leva à perda do direito de movimentar a máquina judiciária para buscar a tutela estatal do seu direito.
E, levando-se em consideração que apenas o direito à anotação do contrato de trabalho do empregado em sua carteira profissional não é atingida pelo instituto da prescrição, nos termos do artigo 11, §1º da CLT, e todos os demais direitos patrimoniais do trabalhador estão sim sujeitos à prescrição extintiva, já fica clara e evidente uma relativização à tese da indisponibilidade.
Outro prova que a própria lei disponibilizou um outro direito trabalhista foi quando houve alteração na Consolidação das Leis do Trabalho extinguindo-se o antigo sistema da estabilidade decenal, onde vigorava o princípio de que os contratos de trabalho eram por prazo indeterminado, e o empregado só poderia ser demitido se houvesse uma justa causa para isso; havendo a alteração desse sistema para o sistema do FGTS, e que o empregador passou a poder demitir o empregado sem justa causa, sem nenhuma justificativa, desde que pagasse a rescisão do trabalhador com as novas regras.
Mesmo os tribunais do trabalho vêm admitindo que boa parte dos direitos trabalhistas são imantados com a disponibilidade relativa, principalmente os direitos patrimoniais. Até o Tribunal Superior do Trabalho consolidou o entendimento acerca da disponibilidade (ao menos em parte) dos créditos do trabalhador.
Nesse sentido, as letras da Súmula nº 54 da respectiva alta corte laboral brasileira, ao admitir como lícito o acordo entre um empregador e o seu empregado portador da antiga estabilidade decenal do artigo 492 da CLT, definindo a cessação consensual do contrato de emprego mediante o pagamento de um montante correspondente a pelo menos 60% da indenização por tempo de serviço em dobro:
“Rescindindo por acordo seu contrato de trabalho, o empregado estável optante tem direito ao mínimo de 60% (Sessenta por cento) do total da indenização em dobro, calculada sobre o maior salário percebido no emprego. Se houver recebido menos do que esse total, qualquer que tenha sido a forma de transação, assegura-se-lhe a complementação até aquele limite.”
Outro ponto a considerar que comprova que os direitos trabalhistas não são absolutamente indisponíveis, diz respeito às férias do trabalhador. Da mesma forma que o salário, que já foi mencionado acima, o trabalhador não pode dispor, não pode renunciar de forma integral ao salário, porém poderá abrir mão de parte de seu recebimento, em algumas situações e dentro do limite da Lei, acontece assim também com as férias.
O instituto das férias é norma de proteção à saúde do trabalhador, pois trata de proteger o descanso anual, adquirindo o direito ao seu gozo depois de um ano de trabalho. O trabalhador não poderá abrir mão de seu direito de férias, e a regra geral nos contratos de trabalho por prazo indeterminado é que o empregado tem direito a gozar 30 dias de férias, a não ser que tenha que descontar faltas injustificadas, de acordo com a própria Consolidação do Trabalho.
Porém, antes mesmo do advento da Lei da Reforma Trabalhista, em que pese o trabalhador não pudesse abrir mão de seu direito de férias, a CLT já possibilitou que o trabalhador vendesse parte de suas férias, tendo criado o chamado “abono de férias”, através do Decreto-Lei nº 1535/1977. A partir da existência desse Decreto-Lei, passou a existir a possibilidade de o empregado requerer ao seu empregador a conversão em dinheiro de 1/3 de suas férias anuais, o que equivaleria a 10 dias, considerando-se as férias padrão de 30 dias.
E a figura do abono de férias, criada por um Decreto-Lei, foi trazida para a CLT. Vejamos a opinião de Delgado (2018, p. 1182):
“A figura ora em análise caracteriza-se como parcela indenizatória resultante da conversão pecuniária do valor correspondente a um terço do valor do período de férias (art. 143, CLT). É interessante perceber que esse abono celetista de férias é calculado sobre o valor global das férias: Logo, considera, inclusive, o terço constitucional das férias. A equação assim se expões: Abono pecuniário de férias (Art. 143 da CLT) (Férias + 1/3): 3
Tem o abono celetista de férias também natureza jurídica indenizatória, por reparar o obreiro pelo não gozo da parcela de férias (ideia de ressarcimento). Embora esse caráter já seja claro da estrutura e dinâmica do instituto, a própria Lei teve o cuidado de enfatizar a natureza não salarial da parcela (Art. 144 da CLT). “
Dessa forma, antes mesmo da Lei da Reforma Trabalhista entrar em vigor, já existia a possibilidade de o trabalhador “flexibilizar” o seu direito de gozo de 30 dias de férias, a partir do momento que a lei introduziu o abono de férias, vendendo um terço das férias.
E, a partir do momento que a Lei nº 13.467/2017 entrou em vigor, o gozo das férias pôde ser fracionados em 3 vezes, o que não era admitido antes. O artigo 134 da CLT agora permite que o empregado possa parcelar o gozo das férias em até 3 períodos. Mas isso desde que o empregado concorde com o empregador nesse ponto.
Entretanto, essa modificação na legislação trabalhista já era uma posição que o Brasil adotava, a partir do momento em que o País ratificou a Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1970. Essa convenção, se tornou tratado, e o que ele exige é que o empregado não possa ter menos de 14 dias consecutivos de férias em cada período.
Dessa forma, percebe-se de forma clara e evidente que as inovações trazidas pela Lei nº 13.467/2017 mais uma vez corroboram acerca da ideia de que os direitos trabalhistas patrimoniais são sim relativamente disponíveis por parte do empregado, dentre do limite autorizado pela própria lei, como nos exemplos acima citados.
Diariamente na Justiça do Trabalho é possível se verificar as partes conciliarem nos processos, nas audiências, perante o magistrado trabalhista, seja na fase de conhecimento, na primeira ou segunda instância, como também na fase de execução.
Dentro de tal quadro de transmissibilidade e alienabilidade (mesmo daquilo que ainda é certo), há espaço para falar em indisponibilidade absoluta de direitos patrimoniais trabalhistas?
Se tal convite a uma reflexão não é suficiente para derrubar o dogma em questão, então é necessário enfrentar a seguinte realidade: diariamente, milhares e milhares de empregados celebram conciliações judiciais nas quais, com grande frequência, há renúncia explícita a direitos trabalhistas patrimoniais.
Para chegar a um valor que a empresa tenha condições de assumir ou para assegurar que haverá o pagamento de pelo menos uma parcela do valor devido por uma empresa em dificuldades financeiras, são incontáveis os motivos que o juiz do trabalho, com as melhores das intenções e como resultado do seu esforço hercúleo para cumprir a missão constitucional de pacificar com justiça, apresentada para justificar uma homologação de termo de conciliação judicial que, quando tem as suas cláusulas lidas à luz de todos os elementos do processo, refletem uma inequívoca constatação: o empregado teve de abdicar de algo para obter a anuência do empregador e celebrar o acordo judicial.
Uma conciliação judicial celebrada na fase de execução do julgado, por exemplo, quase sempre implica em alguma forma de renúncia do empregado, pois, via de regra, com tal acordo o respectivo credor abdica de receber 100% daquilo que constava como imutável dentro do respectivo título executivo judicial.
Dessa forma, diante do que foi acima lecionado, podemos concluir que diariamente, ao se conciliar, nos processos judiciais, perante um juiz do trabalho, um trabalhador está renunciando a um direito trabalhista seu, principalmente quando esse processo já transitou em julgado e se encontra na fase de execução, pois nesse caso já tem 100% de certeza de seu direito, e mesmo assim é possível celebrar acordos no processo, fica evidente a mitigação da tese da intransmissibilidade e irrenunciabilidade dos créditos trabalhistas, principalmente em se tratando dos direitos patrimoniais.
Dessa forma, já não restam dúvidas de que não se enquadra mais na atual realidade do país o chamado mito de que todos os direitos trabalhistas são absolutamente indisponíveis.
4 Crise do Judiciário e vias adequadas de solução de conflitos
O atual cenário do Poder Judiciário Trabalhista do Brasil, diante de tudo que foi anteriormente mencionado, se encontra num momento bastante crítico. Ao menos, este foi um dos motivos apresentados pelos legisladores a reforma trabalhista que teve o condão de tentar amenizar essa situação.
A Justiça do Trabalho, por maior que sejam os esforços de seus integrantes, enfrenta sérias dificuldades para superar esses obstáculos quantitativos e cumprir a sua missão jurisdicional de entregar uma resolução judicial adequada, entregando aos jurisdicionados que a procuram a devida prestação para solucionar os conflitos oriundos das relações de trabalho.
São demandas em números excessivos para julgadores (e servidores) em números insuficientes e tal realidade estrutural representa um desafio à garantia constitucional do direito do cidadão a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Política de 1988).
E, em linhas gerais, a grande preocupação do quadro acima narrado é que a grandeza de uma justiça não é medida pela quantidade de processos que ela recebe por ano. O fato de a Justiça do Trabalho receber um número milionário de processos, não significa dizer que ela é uma justiça que atua de forma legítima em responder aos anseios dos jurisdicionados, bem como da sociedade.
E sua perda de legitimidade ocorre justamente no momento em que atua com demora excessiva ao responder aos litígios, não apenas para solucionar os conflitos trabalhistas na fase de conhecimento, como também na fase de execução, em que efetivamente entrega ao jurisdicionado a prestação jurisdicional.
E vários podem ser os exemplos que podem ser utilizados para indicar o caos que está instalado na Justiça do Trabalho, como as longas pautas de audiências, sentenças atrasadas, recursos lentos e estagnados e execuções sem fim. Nessa linha de pensamento, fórmulas precisam ser encontradas urgentemente para desafogar a Justiça do Trabalho, antes mesmo que se chegue a um colapso total. Mas já se pode dizer que existe esperança através de formas alternativas para a solução de conflitos de direito individual do trabalho, que não seja através da Justiça do Trabalho, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, ao implantar métodos extrajudiciais de solução de conflitos, e que devem ser encaradas como vias parceiras do Poder Judiciário, e não como vias concorrentes.
Como poderá se verificar em Didier Júnior (2017, p. 305), o doutrinador afirma que Institui-se, no Brasil, a política pública de tratamento adequado dos conflitos jurídicos, com claro estímulo à solução por autocomprosição (Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça; art. 3º, §§2º e 3º do CPC). Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento de cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder – no caso, o poder de solução de litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático. O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultural – da cultura da sentença para a cultura da paz.
A cultura da paz, manifestada inclusive no Preâmbulo da Constituição da República de 1988 ao enfatizar que o Brasil é “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, resta manifestada de forma ainda mais clara na evolução legislativa relacionada ao ideal de inafastabilidade do controle jurisdicional.
No texto da Carta Política de 1988, o legislador constituinte assegurou como direito fundamental do cidadão no artigo 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, enfatizando a posição do Estado-Juiz como administrador da justiça.
O legislador de 2015, por sua vez, consagrou no texto da Lei nº 13.105 (o Código de Processo Civil contemporâneo) uma visão mais abrangente do alcance do respectivo princípio, conforme retratado no texto do caput do seu artigo 3º: “art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
Na nova visão, o Poder Judiciário não é o único administrador da atividade jurisdicional. Tanto que o §1º do mesmo artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC) expõe que os litigantes podem optar pela arbitragem, dentro das diretrizes da Lei nº 9.307 de 1996 (É permitida a arbitragem, na forma da lei).
Ainda mais relevante, entretanto, foram as disposições nos dois parágrafos subsequentes do mesmo artigo 3º do CPC.
«§ ٢o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ ٣o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”
O §2º expõe que é dever do Estado incentivar fórmulas consensuais de solução de conflitos judiciais, sempre que tal caminho seja possível. O próprio Estado-Juiz, destarte, deverá estimular litigantes a buscarem preferencialmente meios de resolução nos quais se sobrepõe a consensualidade entre os sujeitos em disputa.
O entendimento gerando a paz. A negociação pacífica, pois, superando o embate típico das disputas judiciais.
O §3º, por seu turno, estabelece o que dever de incentivar os meios consensuais não apenas do Estado, mas igualmente dos profissionais do direito que habitualmente assumem o protagonismo nesses embates: juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público.
O legislador de 2015, por conseguinte, não se limitou a atribuir abstratamente ao Poder Público o dever de estimular fórmulas consensuais de pacificação. Estabeleceu tal incumbência também para os magistrados, os advogados públicos e privados (inclusive os da defensoria pública) e os integrantes do parquet. Mesmo as figuras usualmente associadas à disputa judicial e à ideia do embate, portanto, assumem a função de buscar promover os meios de solução como a mediação e a conciliação, nos quais prevalece a consensualidade como o caminho de proporcionar a paz social.
Nesse sentido, Didier Júnior (2017, p. 306):
“Pode-se, inclusive, defender atualmente a existência de um princípio do estímulo da solução por autocomposição – obviamente para os casos em que ela é recomendável. Trata-se de um princípio que orienta toda a atividade estatal na solução dos conflitos jurídicos.”
Observe-se também que as formas consensuais de solução de conflito não são meros meios auxiliares, secundários ou mesmo alternativos. São fórmulas equivalentes à via judicial contenciosa enquanto meios aptos à produção de uma solução satisfatória do conflito. O legislador de 2015, entretanto, expressamente estipulou a preferência pelos métodos de solução consensual.
Por sua vez, o Poder Legislativo tem reiteradamente incentivado a prática da autocomposição, com edição de diversas Leis neste sentido. O CPC ratifica e reforça esse tendência: a) dedica um capítulo inteiro para regular a mediação e a conciliação (arts. 165-175); b) estrutura o procedimento de modo a pôr a tentativa de autocomposição como ato anterior ao oferecimento da defesa pelo réu (arts. 334 e 695); c) permite a homologação judicial de acordo com extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III; art. 725, VIII); d) permite que, no acordo judicial, seja incluída matéria estranha ao objeto litigioso do processo (art. 515, §2º); e) permite acordos processuais (sobre o processo, não sobre o objeto do litígio) atípicos (art. 190). A Lei nº 13.140/2015 disciplina exaustivamente a mediação, em geral, e a autocomposição perante o Poder Público, em particular.
Dessa forma, é possível concluir que o Código de Processo Civil trouxe inovações que romperam com antigos padrões culturais e sociais, de forma que atualmente o sistema processual brasileiro incentiva bastante a autocomposição dos conflitos. Ou seja, incentiva que as próprias partes solucionem o seu conflito em vez de buscarem o Estado-juiz, e este decidir o conflito dos jurisdicionados através de uma sentença.
Importante salientar que desde o sistema absolutista, em que o Estado muito intervinha na vida particular, era uma característica da qual o Brasil comungava. E essa cultura se propagou aqui no Brasil até os dias atuais, de forma que, em função do artigo 5º, inciso XXXV da CF/88 as partes tem ampla e total liberdade para acionar o Poder Judiciário, para busca de solução de qualquer conflito de interesse, inclusive ameaça de lesão a Direito. E assim a sociedade se acostumou, em ter um Poder Judiciário como um grande pai protetor, que sempre resolvia seus problemas, principalmente levando-se em consideração o cenário atual brasileiro, em que os outros dois poderes da República, o Executivo e o Legislativo encontram-se passando por uma crise sem precedentes.
Porém, as inovações do CPC/2015 permitem que todas as formas de soluções alternativas de conflitos sejam estimuladas pelos Órgãos do Estado, bem como pelos advogados. Tanto que como defende Didier Júnior (2017, p. 306):
“Pode-se, inclusive, defender atualmente a existência de um princípio do estímulo da solução por autocomposição – obviamente para os casos em que ela é recomendável. Trata-se de um princípio que orienta toda a atividade estatal na solução dos conflitos jurídicos.”
Esse novo caminho de preferência pelos métodos consensuais e estímulo às respectivas fórmulas por parte do próprio Estado e dos protagonistas das carreiras jurídicas tradicionais têm múltiplas causas. O caminho trilhado pelo legislador de 2015, assim, decorreu do reconhecimento da dificuldade do Poder Judiciário em enfrentar, mesmo com a sua moderna estrutura e o empenho e dedicação dos seus integrantes, os números estarrecedores provocados pela incessante litigiosidade da sociedade brasileira. De igual forma, o novo ordenamento reconhece implicitamente a maior satisfatividade produzida pelas fórmulas consensuais em virtude da natural aceitação aos termos construídos conjuntamente em uma solução negociada (em comparação com uma resolução imposta pelo Estado-Juiz por meio de sentença de força vinculante sobre os litigantes).
A preferência pelos meios consensuais manifestada pelo legislador de 2015, por outro lado, também decorre das características atrativas das respectivas fórmulas, como a confidencialidade, a celeridade e a economia. Nesse sentido, a duração menor do procedimento e os custos reduzidos, quando comparado a um processo judicial contencioso, são fatores que tornam mais atraente a mediação e a conciliação. E a vantagem de evitar a publicidade típica da demanda judicial, permitindo que as peculiaridades do litígio permanecem apenas entre os diretamente envolvidos na busca pela sua solução, é igualmente desejável para aqueles que não revelam interesse em compartilhar questões que julgam privadas e íntimas.
A opção do legislador infraconstitucional pelo caminho da paz encontra amparo em vários elementos da Carta Política de 1988. Observe-se além do anteriormente destacado trecho do seu preâmbulo, por exemplo, o seu artigo 1º, inciso III, no qual a Carta Magna apresenta como um de princípios fundamentais da nação brasileira a dignidade da pessoa humana. Ainda, no seu artigo 3º, no qual são traçados os objetivos da República, há expressão menção à meta de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
O recente prestígio outorgado aos métodos consensuais, na realidade, traduz uma tendência internacional, conforme destaca Vasconcelos (2018, p. 71):
“A ideia de uma corte de múltiplas portas (multidoor courthouse), qual seja, um Tribunal comprometido em apoiar e induzir a adoção de métodos mais adequados de resolução de disputas, tais como a mediação, a conciliação, a negociação, a avaliação neutra, a arbitragem e outros, é atribuída ao prof. Frank Sander, de Harvard, em palestra de 1976. Tal conceito e práticas, tiveram, inicialmente, maior difusão entre os países da Common Law e vêm paulatinamente ganhando expressiva dimensão em outros sistemas de justiça.”
Além do texto do artigo 3º do CPC, o legislador de 2015 promoveu outras alterações refletidas nas letras do respectivo diploma processual que ratificam e reforçam esse tendência: a) dedica um capítulo inteiro para regular a mediação e a conciliação (artigos 165 a 175); b) estrutura o procedimento de modo a pôr a tentativa de autocomposição como ato anterior ao oferecimento da defesa pelo réu (artigos 334 e 695); c) permite a homologação judicial de acordo com extrajudicial de qualquer natureza (artigo 515, III; artigo 725, VIII); d) permite que, no acordo judicial, seja incluída matéria estranha ao objeto litigioso do processo (artigo 515, §2º); e) permite acordos processuais (sobre o processo, não sobre o objeto do litígio) atípicos (art. 190). A Lei nº 13.140 de 2015, por seu turno, disciplina de forma pormenorizada a mediação, em geral, e a autocomposição perante o Poder Público, em particular.
Considerando os impactos da nova tendência no âmbito da Justiça do Trabalho, observa-se que a Lei nº 13.467 de 2017 também trouxe inovações envolvendo os métodos de solução de conflitos laborais. Ao introduzir um novo capítulo na CLT, o Capítulo III-A, o legislador que promoveu a denominada Reforma Trabalhista disciplinou o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho.
Tradicionalmente, sempre existiu uma resistência muito forte à admissibilidade de soluções extrajudiciais de conflitos individuais trabalhistas, usualmente sendo invocados o dogma da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, uma vez que estariam protegidos por normas de ordem pública. A Reforma Trabalhista, entretanto, prosseguiu na onda renovadora iniciada com o CPC de 2015 e quebrou um mito ao introduzir o citado capítulo na CLT.
Como leciona Teixeira Filho (2017, p. 63):
“A justificativa do Projeto de Lei foi baseada em “reduzir a litigiosidade das relações trabalhistas, e a forma pela qual estamos buscando implementar esse intento é o estímulo à conciliação extrajudicial. Se houver uma composição prévia entre as partes, reduz-se sensivelmente o ingresso de ações na Justiça do Trabalho.”
O legislador de 2017, para evitar discussões envolvendo o âmbito da competência da Justiça do Trabalho para atuar na homologação de acordo judiciais, promoveu duas mudanças no artigo 652 da CLT. Primeiro, substituiu a expressão “Junta de Conciliação e Julgamento” por “Varas do Trabalho” no caput do artigo. A intenção foi modernizar o texto, adaptando a CLT à realidade dos órgãos monocráticos de primeiro grau que sucederam aos órgãos colegiados extintos juntos com o fim da representação classista em 1999. Ocorreu, entretanto, um evidente erro terminológica, uma vez que a Vara do Trabalho é um mero órgão administrativo e não um órgão jurisdicional. Nos moldes do artigo 111 da Constituição da República de 1988, portanto, o legislador deveria ter utilizado a expressão “Juízes do Trabalho”.
Além da alteração no caput, foi acrescentada ao artigo 652 consolidado a sua atual alínea “F”: “f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho”.
O respectivo dispositivo atribui competência ao juiz do trabalho para decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial, em matéria de competência da Justiça do Trabalho. O legislador de 2017, pois, optou por explicitar a competência do juiz do trabalho para o instituto novo criado pela Reforma Trabalhista, evitando polêmicas que poderiam surgir diante da resistência tradicional a meios extrajudiciais de solução de conflitos.
Nos artigos 855-B a 855-E, o legislador de 2017 introduziu na CLT as regras procedimentais envolvendo o processo de jurisdição voluntária de homologação de acordos extrajudiciais, apresentando exigências como a apresentação de uma petição comum das partes, mas com cada interessado sendo representado por seu próprio advogado, vedando a representação conjunta. O novo modelo de rito, de igual modo, estabeleceu que o juiz do trabalho, caso entenda necessário para esclarecer algo relativo à forma ou ao conteúdo do negócio jurídico apresentado para chancela judicial, poderá designar uma audiência na qual poderá tratar de tais questões diretamente com o empregado e o empregador que celebraram o acordo.
Outra modificação legislativa de grande relevância promovida pela Reforma Trabalhista foi a inclusão na CLT do artigo 507-A. O respectivo dispositivo estipula a possibilidade de celebração de cláusula compromissória de arbitragem, em contratos envolvendo “hipersuficientes” ou “altos empregados” cuja remuneração ultrapassa duas vezes o teto máximo de benefícios previdenciários. Desde que haja iniciativa ou ao menos anuência do empregado e sejam observadas as prescrições da Lei nº 9.307 de 1996, as partes podem incluir no contrato de emprego uma cláusula estipulando a opção pela via arbitral caso venha a surgir um conflito entre os mesmos.
Dessa forma, ao introduzir na CLT dispositivos destinados a disciplinar outras formas de solução de conflitos trabalhistas além da jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, o legislador de 2017 assumiu uma postura em sintonia com o legislador de 2015, moldando o modelo trabalhista ao modelo processual civil de estímulo aos meios adequados de pacificação de lides.
E mais. O ordenamento jurídico pátrio passou a reconhecer a importância da primazia da vontade das partes na solução de seus conflitos. Como aliás, revela a presente ementa, oriunda de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região:
“RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. REFORMA TRABALHISTA (Lei 13.467 de 2017). INCENTIVO A FORMAS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS, ALTERNATIVAS À JURISDIÇÃO CONTENCIOSA. PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO GERAL DE DIREITOS ORIUNDOS DO CONTRATO, COM RESSALVA APENAS DE DIREITOS EXTRACONTRATUAIS E DE EVENTUAL “FUTURO” DIREITO, AINDA NÃO MATERIALIZADO QUANDO DA CELEBRAÇÃO DO ACORDO, COMO O DIREITO DECORRENTE DE PROBLEMA DE SAÚDE QUE PORVENTURA VENHA A SURGIR POSTERIORMENTE E COM CONEXÃO AO TRABALHO DESENVOLVIDO NA EMPRESA. ACORDO CELEBRADO SEM QUALQUER DEFEITO FORMAL OU MATERIAL. VALIDADE. EXISTÊNCIA DE CONTRAPARTIDAS RECÍPROCAS. LIVRE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DOS INTERESSADOS EM TRANSACIONAR. DEVER DO ESTADO EM PROMOVER, SEMPRE QUE POSSÍVEL, A SOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS E DEVER DO JUIZ DE ESTIMULAR MÉTODOS DE SOLUÇÃO CONSENSUAL DE LIDES (ART. 3º, §§2º e 3º, do CPC de 2015). SINTONIA COM O PERFIL DE UMA SOCIEDADE FRATERNA COMPROMETIDA COM A SOLUÇÃO PACÍFICA DAS CONTROVÉRSIAS (PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). RECURSO PROVIDO PARA HOMOLOGAR O ACORDO EXTRAJUDICIAL. O processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, previsto nos artigos 855-B a 855-E da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), estabelece o seguinte protocolo: 1) distribuída a petição, que deverá conter o instrumento do acordo cuja homologação é pretendida e ser apresentada por todos os respectivos interessados, cada qual com o seu próprio advogado, em seguida, o magistrado exercerá um juízo de admissibilidade sobre a ação e, sendo a mesma admitida, procederá a um exame acerca do conteúdo do respectivo pacto extrajudicial; 2) analisado o instrumento, o magistrado passa a ter três opções: a) poderá proferir, desde logo, sentença indeferindo o pedido de homologação, caso entenda que haja motivo para a rejeição, devendo fundamentar de modo claro e preciso a sua decisão; b) poderá proferir sentença homologando o acordo, caso entenda que todos os requisitos de validade do negócio jurídico foram atendidos; e c) poderá designar uma audiência para esclarecimentos e eventual instrução, caso entenda necessária diligências de tal natureza para melhor aclarar a matéria objeto do acordo, e, em seguida, proferir uma sentença nos moldes de uma das letras anteriores. Destarte, com a edição da Lei nº 13.467/17, passou a ser possível, na Justiça do Trabalho, em sede de jurisdição voluntária, a homologação de acordo extrajudicial, por meio do qual as partes, acompanhadas de seus respectivos patronos, manifestam livremente as parcelas que estão sendo objeto da transação, bem como a sua extensão da respectiva quitação. A via dos métodos consensuais de solução de conflitos, como caminho alternativo à jurisdição contenciosa, não apenas está em plena sintonia com a ideia de acesso à justiça dentro de um modelo multiportas, mas a promoção de soluções consensuais sempre que possível corresponde a um dever do Estado (artigo 3º, §2º, do CPC/2015) e o seu estímulo dentro e fora do processo judicial um dever do próprio juiz (artigo 3º, §3º, do CPC/2015). A opção pelos métodos consensuais de solução de conflitos corresponde, na realidade, à concretização do perfil definido no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil como a de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Quanto à possibilidade de constar, no acordo extrajudicial, cláusula expressa no sentido de que as partes se comprometem a não mais reclamar acerca da relação de trabalho objeto do acordo, entende este Relator que não há qualquer óbice na sua validação quando demonstrada a livre manifestação de vontade dos interessados e a existência de contrapartidas recíprocas no negócio jurídico celebrado sem qualquer vício, principalmente quando se leva em consideração que, na hipótese, as partes expressamente destacaram, em audiência, que a quitação geral pretendida não atinge eventual direito que no futuro porventura venha a surgir em virtude de problema de saúde ora imprevisto e posteriormente vinculado ao trabalho desenvolvido pelo obreiro na empresa. Recurso a que se dá provimento, para reformar a decisão de 1º grau e homologar o acordo extrajudicial apresentado pelas partes interessadas. (Processo 0000619-72.2018.5.06.0141. 1ª Turma do TRT6. Relator Desembargador Sergio Torres Teixeira. Publicado no DEJT em 19.12.2018)”
É óbvio que, para a legitimidade dessas fórmulas adequadas como a arbitragem e a mediação extrajudicial, é imprescindível um alto padrão ético dos sujeitos que estarão envolvidas nessas atividades, como mediadores, árbitros, e até mesmo as próprias partes. Tal eticidade qualificada deve ser sempre exigida como pressuposto básico da legitimidade e validade dos meios adequados.
E a ética terá que ser observada e cobrada mais que nunca, pois a chave para um bom funcionamento das vias alternativas será a cobrança por um alto padrão ético para todos os envolvidos, mesmo que isso não esteja cobrado na letra fria da Lei.
Desse modo, as modificações na lei já foram feitas, as ferramentas já existem, tanto na lei processual civil como na lei trabalhista, de forma que o que se precisa é apenas que venham ser implantadas e aplicadas. A sociedade também precisa compreender esse modelo multiportas de acesso à justiça, entender as novas fórmulas existentes, de forma que tenha o conhecimento e a confiança que o caminho das fórmulas adequadas no cenário atual é efetivamente um percurso mais célere para a solução de conflitos.
5 Conclusão
Ao final dessas constatações, observa-se que o objetivo originalmente traçado foi alcançado, tendo em vista que fora exposta uma diferenciação em relação aos tipos de direitos trabalhistas disponíveis e indisponíveis, iniciando o estudo a partir da diferenciação do que seriam direitos absolutamente e relativamente indisponíveis, bem como a diferença entre renúncia e transação, que são institutos do Direito Civil mas são formas de disposição de direito.
Restou evidenciado que nem todos os direitos trabalhistas são absolutamente indisponíveis, e que principalmente os direitos patrimoniais são direitos relativamente disponíveis, dentro dos limites permitidos e autorizados por lei. Ou seja, o próprio trabalhador pode dispor, independentemente de serem direitos de ordem pública, como já exaustivamente mencionado nesse artigo.
Entretanto, diante dos números que foram apontados para o Judiciário Trabalhista atualmente, o qual no cenário atual não consegue responder aos anseios da sociedade, respondendo de forma célere, eficaz, justa, e até mesmo útil às suas decisões judiciais, e diante das inovações trazidas pelo CPC de 2015 e pela Lei da Reforma Trabalhista, é importante salientar que as formas alternativas de soluções de conflitos não são concorrentes do Poder Judiciário, mas devem ser encaradas como formas alternativas, porém no sentido de auxiliar, ajudar.
A Justiça do Trabalho começa a perder a sua credibilidade a partir do momento em que não consegue dar conta da quantidade de processos que recebe por ano para julgar. E, neste cenário onde a Justiça do Trabalho está passando por um momento bastante delicado, é de extrema importância a conscientização por parte de seus membros acerca da utilização adequada e com parceria das formas alternativas de solução de conflitos podem ser um meio de melhorar a qualidade da Justiça do Trabalho. Então, as exigências existentes precisam ser quebradas. A consciência precisa ser modificada.
Por sua vez, a sociedade brasileira também precisa modificar a sua forma de pensar, e deixar de ver o juiz como um grande pai que resolve tudo. Hoje é claro e evidente que, no atual cenário que o Brasil atravessa, o Poder Executivo e o Poder Legislativo brasileiro são vistos como dois poderes desacreditados, de forma que tudo é jogado em cima do judiciário, razão pela qual esse Poder se encontra completamente assoberbado, não só na esfera trabalhista mas em todas as esferas. Tanto que, o Judiciário muitas vezes se vê obrigado a legislar o que o legislativo não legislou, ou mesmo executar o que o executivo deixou de fazê-lo. E assim, com o crescente aumento de demanda, não tem dado conta de corresponder aos anseios da sociedade, razão pela qual se as alternativas, ferramentas, que já foram criadas e trazidas para lei não forem utilizadas, a Justiça do Trabalho também poderá entrar num momento de colapso. Assim, essas vias adequada devem ser utilizadas como fórmulas parceiras, caminhando junto com o Poder Judiciário, e não representando uma concorrência à jurisdição contenciosa do Estado.
As fórmulas de mediação e de arbitragem estão à disposição dos interessados. O dogma da indisponibilidade absoluta dos direitos trabalhistas se revelou superável. Agora, incumbe aos protagonistas da Justiça do Trabalho, de juízes a advogados, cumprir o seu dever de estimular os protagonistas da relação de emprego, empregado e empregado, a buscar as formas adequadas à solução de conflitos, numa atuação harmoniosa e em plena sintonia com o maior objetivo de todos: a pacificação social.
É este o caminho a percorrer.
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ISSN: 2178-2466