Revista_Direito_e_Justi_a_-_n._34-_Novo_Indesign

O DEVER DE INFORMAR E O DEVER DE SE INFORMAR NOS CONTRATOS DE SEGURO DE SAÚDE – A INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO EMANCIPATÓRIO E VOLITIVO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE SAÚDE PRIVADA

THE DUTY OF REPORTING AND DUTY TO BE INFORMED IN HEALTH INSURANCE CONTRACTS - INFORMATION AS AN EMANCIPATORY AND VOLUME ELEMENT AND ITS IMPACT ON CONTRACTUAL PRIVATE HEALTH RELATIONS

Angelica Lucia CarliniI

I Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), Santos, SP, Brasil. Doutora em Direito Político e Econômico e em Educação. E-mail: angelicacarlini@carliniadvogados.com.br

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i34.3000

Recebido em: 02.03.2019

Aceito em: 12.08.2019

Sumário: 1 Introdução. 2 Fundamentos técnico e jurídicos dos contratos de seguro saúde. 3 Informação para os consumidores – dever unilateral? 4 O dever de informar das operadoras de saúde suplementar e o dever de se informar do consumidores de saúde suplementar – instrumentos de aprimoramento das relações de consumo. 5 Conclusão. 6 Referências.

Resumo: Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, o Brasil possui hoje 47.408.479 usuários de saúde suplementar espalhados por 760 operadoras ativas em todo o país. Esse número expressivo de brasileiros utiliza os serviços de saúde privada das diversas operadoras do setor e, o setor dá sinais evidentes de necessidade de aprimoramento quando se analisa a quantidade de demandas judiciais que afetam as relações entre consumidores e operadoras. Existem poucos estudos sobre os números da judicialização na saúde privada, mas os dados existentes apontam que 46% das demandas judiciais se destina a discutir as coberturas dos contratos e do rol de procedimentos fixado pela ANS. O dever de informação é essencial na relação consumidor-operadora. Este trabalho pretende refletir sobre o que se pode compreender como cumprimento do dever de informação por parte das operadoras de saúde a partir do pressuposto teórico da racionalidade e do caráter emancipatório do Direito. A reflexão se assenta no fundamento teórico do contrato cativo como contrato de cooperação entre as partes, para que os melhores resultados sejam concretizados.

Palavras-chave: Saúde. Contratos. Dever de informar.

Abstract: According to data from the National Agency of Supplementary Health - ANS, Brazil today has 47,408,479 supplementary health users spread over 760 active operators across the country. This significant number of Brazilians use the private health services of the various operators in the sector and, the sector gives clear signs of need for improvement when analyzing the amount of lawsuits that affect the relationships between consumers and operators. There are few studies on the numbers of judicialization in private health, but the existing data indicate that 46% of the lawsuits intended to discuss the coverage of contracts and the set of procedures set by the ANS. The duty of information is essential in the consumer-operator relationship. This paper aims to reflect on what understood as compliance with the duty of information by health operators from the theoretical assumption of rationality and the emancipatory character of law. The reflection based on the theoretical foundation of the captive contract as a cooperation agreement between the parties, so that the best results achieved.

Keywords: Health. Contracts. Duty to inform.

1 INTRODUÇÃO

O número de demandas judiciais na área da saúde suplementar tem crescido muito nos últimos vinte anos. Pesquisa realizada pelo Observatório de Judicialização da Saúde Suplementar do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo, coordenada pelo Prof. Dr. Mário Scheffer, analisou dados do portal e-SAJ do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no período de 2011 a 2017 e apontou que 43,73% das decisões judiciais no Estado de São Paulo, referentes a contratos de saúde suplementar,m por objetivo rever a negativa de cobertura de procedimento determinada pela operadora de saúde.1

Esse índice aponta que existem problemas concretos no cumprimento do dever de informação que cabe às operadoras de saúde suplementar seja pelo fato de se tratar de contrato de adesão, seja pelo fato de se tratar de contrato regido pela Lei 8.078, de 1990, que em seu artigo 6° prevê que informação é direito básico do consumidor.

Não há dúvida que no ordenamento jurídico brasileiro a obrigação de informar compete aos fornecedores de serviços, no caso específico, às operadoras de saúde e demais envolvidos na cadeia de distribuição do serviço para o mercado, o que inclui os corretores e agentes de seguros que atuam nesse setor.

Ao mesmo tempo, é preciso refletir sobre o dever de cada consumidor se informar em especial, nos contratos que se sustentam em mutualidade. Existe um dever de se informar quando os recursos que utilizados para pagamento de procedimentos se originam de fundo mutual, organizado a partir da contribuição de todos os contratantes?

Por fim, é preciso refletir sobre o dever de se informar em contratos de colaboração como são os contratos de saúde suplementar, seja a colaboração decorrente da longa duração que se pretende que eles tenham, seja a colaboração decorrente da assimetria de informações que é característica desses contratos de massa. Em ambas as situações a colaboração entre as partes contratantes é decorrente da boa-fé objetiva e, portanto, elemento essencial para a formação e execução do contrato e, também, para a fase pós-contratual.

Assim, a inquietação fundamental que incentiva o presente estudo está resumida em refletir sobre a hipótese de o dever de informar do fornecedor de saúde suplementar ser cumprido sem a contrapartida do dever de se informar por parte do consumidor. E, ainda, na hipótese de o fornecedor não conseguir cumprir sua obrigação de informar porque o consumidor não deseja ser informado e, acredita que a ausência de informação poderá beneficiá-lo para obtenção de direitos não contemplados na lei ou no contrato, mas, que se tornam direitos na medida que o consumidor de serviço de saúde suplementar não foi informado adequadamente. Não se informar pode ser estratégia eficiente para garantir o que não era devido pela lei ou pelo contrato, mas se torna devido pela falta de informação?

Essas questões compõem o objeto de reflexão deste trabalho, que utilizou como metodologia a pesquisa bibliográfica e os julgados dos tribunais brasileiros, em especial do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Também foram pesquisados dados do Observatório de Judicialização da Saúde Suplementar do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo e, do Fórum da Saúde do Conselho Nacional de Justiça.

O objetivo é compreender se em contratos de colaboração mutuais em que ocorra assimetria de informação, as partes devem agir decisiva e voluntariamente para a reciprocidade de informar e se informar para efetivarem os melhores resultados na proteção da mutualidade e, na concretização de seus direitos.

2 FUNDAMENTOS TÉCNICO E JURÍDICOS DOS CONTRATOS DE SEGURO SAÚDE

A atividade de saúde suplementar no Brasil é autorizada pelo artigo 199 da Constituição Federal que determina que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. No tocante a atividade econômica privada a Constituição Federal determina que a livre iniciativa tem valor social e, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil conforme disposto no artigo primeiro, inciso IV, do texto constitucional.

Em 1998, dez anos após a entrada em vigor da Constituição Federal, foi aprovada a Lei n.º 9.656, que organizou o setor de saúde suplementar no Brasil. Aprovada como lei ordinária federal e no dia subsequente substituída por medida provisória que foi publicada por dezenas de vezes até tornar-se lei por força de emenda constitucional, a lei de regulação dos planos e seguros saúde já nasceu com sérios problemas de compreensão e aplicação.

Os contratos de saúde suplementar firmados antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.656, de 1998, teriam um tempo para migrar para o comando da nova lei e, se não ocorresse a migração esses contratos seriam regidos exclusivamente por suas cláusulas. Teve início, então, acirrada discussão sobre a incidência do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor na proteção hipervulneráveis e dos vulneráveis, usuários de contratos de planos ou seguros saúde contratados antes da Lei n. 9.565, de 1998, e, que não migraram seus contratos para a nova lei.

As operadoras de saúde suplementar e a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar -ANS, criada em 2000, fizeram esforços no sentido de que os usuários de planos ou contratos de saúde mais antigos migrassem para o novo modelo, de forma a utilizarem contratos adaptados e que estariam sob a proteção da nova lei. Muitos usuários migraram, porém, ainda existem no país milhões de pessoas que não migraram e nem adaptaram seus planos de saúde à nova lei e, por isso, se encontram fora da proteção da Agência Nacional de Saúde Suplementar e da Lei n.º 9.656, de 1998.

Essa é a primeira dificuldade para a proteção dos usuários e para o correto cumprimento do dever de informar por parte das operadoras de saúde, porque existem regras distintas para aqueles que migraram ou, adaptaram seus planos anteriores à lei e, para aqueles que contrataram depois de 1999; e, regras diferentes para aqueles cujos planos são anteriores a 1999 e não fizeram a migração ou, adaptação à nova lei. Duas categorias distintas de cidadãos que, no entanto, utilizam os mesmos serviços: saúde suplementar e não raro, contratam com a mesma operadora mas, que se encontram submetidos a regramento legal diferente.

A Lei n.º 9.656, de 1998, regulou a atividade de planos e seguros privados de assistência à saúde e, autorizou que a atividade fosse exercida por modalidades específicas de empresas: empresas de medicina de grupo; seguradoras especializadas em saúde; cooperativas médicas; filantropias; autogestões; odontologias de grupo; cooperativas odontológicas e, mais tarde, foram incluídas administradoras de benefício.

As empresas de medicina e odontologia de grupo distribuem planos de saúde para pessoas físicas ou jurídicas e atendem os contratantes por meio de estrutura própria ou, por intermédio de serviços contratados de terceiros. Assim, as empresas de medicina de grupo (saúde ou odonto) podem utilizar seus próprios recursos médico-hospitalares e laboratoriais ou, de terceiros contratados para essa finalidade. A medicina de grupo permite melhor gestão de custos porque as operadoras administram seus próprios equipamentos médico-hospitalares e laboratoriais.

As empresas de seguro saúde, por força de lei, não podem manter rede própria de atendimento. Elas referenciam rede de prestadores médico-hospitalares e laboratoriais que pode ser utilizada pelo contratante e, ainda, são obrigadas a permitir a liberdade de escolha do contratante para serviços médicos, hospitalares e de laboratórios mediante o pagamento por reembolso, cujos percentuais e limites devem estar expressamente previstos no contrato firmado entre as partes.

As cooperativas médicas e cooperativas odontológicas atuam por meio de rede própria ou, mediante a contratação de serviços de terceiros e, devem se organizar em conformidade com a Lei n.º 5.764/71, a Lei das Cooperativas.

As empresas de autogestão são pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade de lucro e que atuam na área de saúde suplementar com objetivo de assegurar serviços de saúde a empregados, ex-empregados, gestores, associados, dependentes de grupo familiar de empresas ou associações. Somente pessoas físicas vinculadas a entidade organizadora da autogestão podem contratar planos de saúde operados por ela.

Filantropias são entidades hospitalares sem fins lucrativos e que tenham obtido o certificado de entidade beneficente de assistência social emitido por órgão de governo, além da declaração de entidade de utilizada pública. É o caso específico das Santas Casas de Misericórdia, bem como dos hospitais ligados a associações, fundações, congregações ou sociedades beneficentes, quase sempre de caráter religioso.

Por fim, as administradoras de benefício são pessoas jurídicas que atuam na contratação de planos coletivos de saúde na condição de estipulantes ou, que prestam serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos. Atuam especificamente nos aspectos técnicos e operacionais, especialmente, negociação de reajustes, aplicação dos mecanismos de regulação, substituição de rede assistencial, emissão de boletos, relacionamento com usuários, entre outros.

Essa divisão de possibilidades de atuação na área de saúde suplementar demonstra o grau de complexidade da atividade. A referência a uma operadora de saúde não explicita em que modalidade ela atua e consequentemente, pode ser informação insuficiente quando se trata de avaliar de que forma a lei deve ser aplicada ou, que informações deverão ser prestadas ao usuário/consumidor.

Determina a Lei n.º 9.656, de 1998, no artigo 10, que as operadoras de saúde são obrigadas a fornecer um plano-referência de assistência à saúde com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva ou similar, quando necessária a internação hospitalar, para todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 da referida lei.

E, determina que ficam excluídos da obrigação de atendimento os tratamentos clínicos ou cirúrgicos experimentais; os procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim; inseminação artificial; tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética; fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados; fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar ressalvados os casos previstos nas normas da ANS; fornecimento de próteses, órteses e acessórios não vinculados ao ato cirúrgico; tratamentos ilícitos ou antiéticos assim definidos sob o aspecto médico ou, não reconhecidos pelas autoridades competentes; e, os casos de cataclismo, guerras, comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS foi criada pela Lei n° 9.961, de 2000, e, em 18 anos de atividade criou grande número de normas. Segundo dados obtidos na Coletânea Legislativa da Unimed Brasil2 até 2016, ano de publicação da última coletânea de legislação, haviam sido publicadas 23 Resoluções do Conselho Nacional de Saúde – CONSU; 95 Resoluções da Diretoria Colegiada da ANS; 408 Resoluções Normativas da Diretoria Colegiada; 29 Súmulas Normativas; e, 177 Instruções Normativas das diferentes diretorias que compõem a ANS.

Essa grande quantidade de normas reguladoras é benéfica para o setor de saúde suplementar? Especificamente para os usuários essa regulamentação isso representou qualidade e eficiência?

Em 2011 Rachel Torres Salvatori e Carla A. Arena Ventura afirmaram

“Em janeiro de 2011, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) completou onze anos. Durante esse período, cerca de 260 resoluções normativas e mais de 47 instruções de serviço foram publicadas. É por meio desses atos normativos que a ANS regula o sistema de saúde suplementar. Entretanto, a despeito do quantitativo elevado de normas, cabe refletir sobre o desempenho da ANS, uma vez que o excesso da regulamentação editada pode não ter se traduzido em equilíbrio do mercado”.

A quantidade de regulamentação se mantém alta e, consequentemente, a pergunta ainda é atual. A atuação normativa da ANS tem sido um fator de equilíbrio do mercado ou, ainda existem inúmeras situações que não estão claras para as operadoras, para os usuários e para os prestadores de serviços e que demandam mais normas administrativas para serem solucionadas? Ou, ainda, a atividade normativa é excessiva ou, pouco eficiente e isso explicaria a tensão que resulta em demandas judiciais especialmente para obtenção de coberturas assistenciais?

A cada dois anos a Agência Nacional de Saúde Suplementar atualiza o rol de procedimentos obrigatórios - consultas, exames e tratamentos -, que todas as operadoras de saúde precisam fornecer para seus usuários. Tem direito aos procedimentos do rol todos os beneficiários dos chamados planos novos, ou seja, aqueles que foram contratados a partir de janeiro de 1999 ou, foram adaptados à nova legislação embora contratados anteriormente a ela. O rol mais recente é da Resolução Normativa n. 428, de 07 de novembro de 2017, que entrou em vigor em janeiro de 2018.

As mensalidades pagas pelos usuários dos planos e seguros saúde são reajustadas anualmente e seguem diretrizes específicas e diferenciadas para os planos individuais e coletivos. Alguns aspectos são essenciais para compreender o regime de aumento dos valores de mensalidades dos planos de saúde.

O primeiro aspecto é a variação dos preços pagos por consultas e honorários médicos e, de outros profissionais da saúde, diárias, serviços, materiais e medicamentos hospitalares; e, o segundo aspecto é a quantidade de utilização dos serviços e materiais médico-hospitalares por cada usuário. Um terceiro fator que a cada dia tem mais peso na variação dos preços é a incorporação de novas tecnologias compreendidas não apenas como procedimentos, mas, também, como medicamentos, em especial os de alto custo destinados a tratamentos oncológicos ou de alta complexidade.

Esses fatores recebem o nome de sinistralidade e são definidos, tecnicamente, como a diferença entre as despesas com assistência à saúde e as receitas provenientes do pagamento das mensalidades pelos usuários. As despesas com assistência à saúde incluem o pagamento de consultas para os profissionais de saúde (médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, entre outros), hospitais, clínicas, laboratórios, materiais e medicamentos. E as receitas são os valores pagos por cada consumidor, mensalmente, durante o período de vigência dos contratos.

Nos planos individuais o reajuste anual é calculado pela média ponderada dos reajustes efetivamente aplicados aos planos coletivos com mais de ٣٠ beneficiários e, os preços negociados no mercado. Esse percentual só poderá ser aplicado após autorização prévia da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Se o plano for contratado antes de 1999 e não tiver sido adaptado ou migrado para o regime da Lei n.º 9.656, de 1998, prevalecerá a regra de reajuste prevista no contrato. Quando, por algum motivo, os contratos antigos não contiverem previsão clara sobre os índices de reajuste a serem aplicados, o reajuste será feito com base no índice máximo fixado pela ANS para planos novos individuais. Caso a operadora de saúde tenha firmado um Termo de Ajustamento de Conduta com a ANS os índices de reajuste serão fixados e autorizados pela ANS; e, finalmente, se os contratos antigos fixarem de forma clara que o reajuste será feito com base em fatores como variação de INPC, IPC, IGP-M ou IGP, serão aplicados esses índices.

A Resolução Normativa n.º 251 de 2011, determina que os usuários poderão adaptar seus planos antigos a qualquer momento. Para isso, haverá um reajuste na mensalidade limitado a 20,59% do valor vigente no momento da adaptação, porém, a partir da adaptação os planos serão regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e os usuários terão direito a todos os procedimentos previstos no rol organizado pela agência.

Para os planos de saúde coletivos prevalece a livre negociação entre a operadora e a entidade contratante, seja ela empresarial ou associativa. A lógica que norteia essa previsão é de que a relação se dá entre pessoas jurídicas que possuem poder de negociação equilibrado e que, por se tratarem de planos coletivos, há maior influência da concorrência para estabilizar índices de reajuste.

Os contratos coletivos estabelecem um índice denominado de sinistralidade-alvo que tem por objetivo garantir o equilíbrio técnico e financeiro do contrato. Esse índice estimula os contratantes para a importância da utilização racional dos procedimentos de saúde e, por outro lado, motiva os usuários para o uso consciente e sustentável. Essas medidas poderão impactar os valores de sinistralidade (riscos materializados previstos no contrato) para cima ou para baixo e, consequentemente, incidirão nos índices de aumento das mensalidades.

Os índices de inflação também incidem no aumento das mensalidades de planos de saúde e seguros no Brasil, porém, há intenso debate sobre qual o índice de inflação dever ser utilizado pelas operadoras de planos e seguros saúde. Os usuários e órgãos de proteção do consumidor querem a aplicação de índices de inflação divulgados pelo governo federal no IPCA, por exemplo; e, as operadoras de saúde suplementar querem a aplicação do índice de variação de custos médico-hospitalares. Há discrepância entre esses valores? Sem dúvida existe discrepância e de alto índice de variação.

O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar - IESS3 explica

“O índice de Variação do Custo Médico-Hospitalar do IESS – VCMH/IESS– expressa a variação do custo médico hospitalar per capita das operadoras de planos de saúde entre dois períodos consecutivos de 12 meses cada. A amostra utilizada para o cálculo do índice VCMH representa aproximadamente 10% do total de beneficiários de planos individuais (antigos e novos) distribuídos em todas as regiões do país.

Essa metodologia é reconhecida internacionalmente e aplicada na construção de índices de variação de custo em saúde, como o S&P Healthcare Economic Composite e Milliman Medical Index. Além disso, o índice VCMH/IESS considera uma ponderação por padrão de plano (básico, intermediário, superior e executivo), o que possibilita a mensuração mais exata da variação do custo médico hospitalar. Ou seja, se as vendas de um determinado padrão de plano crescerem muito mais do que as de outro padrão, isso pode resultar, no cálculo agregado, em VCMH maior ou menor do que o real, o que subestimaria ou superestimaria a VCMH”.

O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS se define como entidade que atua na defesa dos aspectos conceituais e técnicos do setor de saúde suplementar, com objetivo de contribuir para enfrentamento dos desafios de financiamento da saúde. E ressalta que

“Diferentemente de índices que acompanham a variação do nível de preços, como o IPCA, a análise do custo médico-hospitalar é resultado de uma combinação de dois fatores: frequência de utilização e preço dos serviços de saúde.” (Disponível em http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/5u00531ds03ogln0.pdf. Acesso em 31 de maio de 2018, p. 2 -12)

Em dezembro de 2016, estudo divulgado pelo IESS sobre os índices de VCMH apontou que o aumento foi de 20,4%. No mesmo ano de 2016 a inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi calculada em 6,29%, ficando abaixo da meta fixada pelo governo federal para aquele período.4 É muito difícil para o usuário e para pessoas que não estejam tecnicamente preparadas compreenderem porque em um período de inflação oficial de 6,29%, a mensalidade do plano ou seguro saúde sofreu, em média, aumento anual de mais de 10%.

Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em 2017 os índices de reajuste para contratos coletivos variaram entre 4,65% aplicado por uma empresa com 21 usuários até 49% aplicado por uma empresa com 391 usuários. As empresas com maior número de usuários – entre 22.000 e 850 mil usuários -, aplicaram reajustes anuais entre 17,31% e 21,12%, segundo dados divulgados pela ANS.5 A inflação de 2017 foi de 2,95%, abaixo da meta fixada pelo governo federal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.6

O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS -, fornece duas informações relevantes para a compreensão dos índices de preço.

A variação do custo médico-hospitalar leva em conta dois fatores: o preço dos serviços de saúde (valor das consultas, exames, internação em hospital, internação em UTI, utilização de ambulatório, procedimentos, medicamentos, materiais utilizados em cirurgia, entre outros) e, a frequência de utilização dos usuários. Nesse aspecto, também há diferença entre o VCMH e os índices de preços do IPC, por exemplo, que não medem frequência de utilização. Destaca ainda o instituto que também em países como os Estados Unidos da América do Norte esse dado se repete, ou seja, a inflação tem índices inferiores ao VCHM.

Cumpre, analisar, ainda, o aspecto técnico da formação dos fundos mutuais que sustentam o custeio da saúde suplementar no Brasil.

Os fundos mutuais são compostos pela contribuição em valores monetários de todos os usuários e, utilizados para pagamento de todos os procedimentos que os usuários utilizam. Para que seja possível uma ideia aproximada da utilização dos procedimentos, a ANS7 informa que no período de 2015/2016 o setor de saúde suplementar realizou um bilhão e trezentos milhões de procedimentos; setecentos e noventa e sete milhões de exames; duzentos e setenta e três milhões de consultas; cento e quarenta e um milhões de atendimentos ambulatoriais; e, oito milhões de internações. Esses serviços foram prestados para um total de quarenta e sete milhões e trezentos mil usuários.

Os números são superlativos. Basta que se faça uma divisão simples e teremos mais de cinco consultas e mais de dezesseis exames por usuário ao longo de um ano. São números que expressam utilização efetiva por parte dos usuários. Não traduzem eficiência ou qualidade mas, representam efetividade de acesso.

Os valores das mensalidades devem ser suficientes para custear todos os procedimentos utilizados pelos usuários. Esses valores constituem o fundo mutual ou a mutualidade que sustenta as operações de seguro. E saúde suplementar é seguro.

Explica Sandro Leal Alves

“[...] as regras estatísticas e atuariais que permitem a existência de um plano de saúde são as mesmas do seguro. O fato de terem regulações diferentes não muda um aspecto essencial de sua natureza: o risco. O elemento de agregação dos riscos é exatamente o mesmo, independentemente se o seguro é realizado para proteção do patrimônio, de um automóvel ou de riscos associados ao adoecimento. A diferença aqui, evidentemente, é que no caso da saúde não se pode repor a saúde como se faz no caso de um bem, mas é possível oferecer indenização ou acesso aos serviços de saúde como forma de tratamento ou mitigação dos danos aos indivíduos».

O que se segura não é a saúde em si, pois não é possível, mas a diagnose e o tratamento, que frequentemente geram despesas médicas, laboratoriais e hospitalares que poderiam ser proibitivamente elevadas ou levar uma família a situações financeiras bastante desconfortáveis por pagamento direto. (ALVES, 2015, p. 42-43)

A sustentabilidade dos fundos mutuais é responsabilidade das operadoras de saúde, porém, é inviável que seja garantida sem contribuição decisiva do órgão regulador, dos prestadores de serviços e dos próprios usuários. Sem isso não há como garantir que os valores arrecadados sejam suficientes para custear todos os procedimentos. No entanto, não há nenhum tipo de regulação para permitir que as operadoras gerenciem a utilização realizada pelos usuários, ou seja, não é permitido estabelecer limites ou restrições a utilização de consultas médicas ou, exames clínicos, por exemplo; e, a regulação da ANS também não se aplica a médicos, hospitais, laboratórios e nem fornecedores de insumos para a área de saúde. Todos os prestadores de serviços ou fornecedores de produtos de saúde, têm liberdade ampla para precificarem trabalho, equipamentos, material de saúde e medicamentos a partir de seus próprios critérios, sem qualquer regulação do Estado.

Na análise do caso concreto e de suas peculiaridades, o poder judiciário não tem dúvida de decidir em favor do consumidor das operadoras de saúde, sem avaliar as consequências para o fundo mutual quando, por exemplo, o procedimento deferido não era previsto no rol de procedimentos da ANS, ou se tratava de um procedimento ou medicamento em fase experimental.

Nesse sentido, Sarlet pondera

“[...] mesmo assumindo como constitucionalmente adequada a posição aqui sustentada, é de fato possível constatar que, notadamente (mas não exclusivamente) em virtude da insuficiente consideração das estruturas argumentativas e dos métodos e princípios de interpretação mais adequados ao direito constitucional positivo, especialmente no que diz com o correto manejo dos critérios da proporcionalidade e das diretrizes que presidem a solução das colisões entre direitos fundamentais de um modo geral, seguidamente ocorrerem certos abusos também na seara da assim designada constitucionalização do direito privado, com particular ênfase na aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. Não é sem razão, portanto, que mesmo adeptos insuspeitos de uma eficácia dos direitos fundamentais também na esfera das relações privadas têm pugnado por uma postura mais cautelosa, destacando, por exemplo, que um dos efeitos colaterais indesejáveis decorrentes de uma hipertrofia da constitucionalização da ordem jurídica acaba por ser uma por vezes excessiva e problemática judicialização das relações sociais”. (SARLET, 2017, p. 185)

A cautela recomendada por Sarlet se aplica perfeitamente a um setor marcado por forte impacto regulatório aplicado a delicada estrutura técnica que envolve riscos sensíveis, como são todos aqueles aos quais a saúde do indivíduo está sujeita. Diante da complexidade desse setor privado como garantir que a informação seja objetiva, eficiente e, em especial, contribua para o desenvolvimento da consciência da importância da sustentabilidade do fundo mutual e, consequentemente, do próprio sistema?

3 INFORMAÇÃO PARA OS CONSUMIDORES – DEVER UNILATERAL?

A Lei n.º 8.078, de 1990, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, determina no artigo 6°, inciso III, que o consumidor tem direito a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta sobre tudo o que se refira às características e riscos que representem.

O dever de informar é direito básico decorrente da vulnerabilidade que caracteriza a condição de consumidor. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem assinalam

“A vulnerabilidade não é, pois, o fundamento das regras de proteção do sujeito mais fraco, é apenas a “explicação” destas regas ou da atuação do legislador, é a técnica para as aplicar bem, é a noção instrumental que guia e ilumina a aplicação destas normas protetivas e reequilibradoras, à procura do fundamento da igualdade e da justiça equitativa”. (MARQUES; MIRAGEM. 2012, p. 117).

Informar de forma adequada, objetiva, satisfatória e eficiente é um instrumento de mitigação da vulnerabilidade e, em consequência, viabiliza ao consumidor o melhor exercício de suas opções e escolhas porque, mais informado e menos vulnerável, o consumidor estará em condições objetivas mais seguras para decidir contratar ou, comprar serviços ou produtos.

Para que a informação seja, efetivamente, um instrumento prático para mitigar a vulnerabilidade é preciso que tenha qualidade; que seja em quantidade e forma adequados para investir o consumidor de condições possíveis para ter conhecimento dos aspectos relevantes e decisivos para o exercício da escolha e da utilização corretas do produto ou serviço.

Não é preciso informação em quantidade excessiva ou hiperinformação; não se trata de sequência de elogios ao produto ou ao serviço ou, demonstração de vantagens; nem pode ser informação seletiva para informar apenas o que o fornecedor considera relevante. A informação a ser prestada ao consumidor com objetivo de mitigar a vulnerabilidade tem que ser completa, detalhada, didática, de forma a capacitar o consumidor para exercer a opção correta e, para utilizar da melhor forma possível o produto ou serviço escolhido.

Nesse sentido, Miragem afirma

“O conteúdo do direito à informação não é determinado a priori. Necessário que se verifique nos contratos e relações jurídicas de consumo respectivas, quais as informações substanciais cuja efetiva transmissão ao consumidor constitui dever intransferível do fornecedor. Isto porque, não basta para atendimento do dever de informar pelo fornecedor que as informações consideradas sobre o produto ou o serviço, sejam transmitidas ao consumidor. É necessário que essa informação seja transmitida de modo adequado, eficiente, ou seja, de modo que seja percebida ou pelo menos perceptível ao consumidor. A eficácia do direito à informação do consumidor não se satisfaz com o cumprimento formal do dever de indicar dados e demais elementos informativos, sem o cuidado ou a preocupação de que estejam sendo devidamente entendidos pelos destinatários destas informações.

[...]

A desigualdade entre consumidores e fornecedores, que é uma desigualdade de meios, uma desigualdade econômica, também é no mercado de consumo hipercomplexo de hoje, uma desigualdade informacional. Daí a necessidade de equilíbrio de relação pretendida pela legislação protetiva do consumidor e, sobretudo, pelo CDC, alcançar o que a doutrina alemã vem denominando atualmente de equidade informacional (Informationsgerectigkeit)”. (MIRAGEM, 2016, p. 215)

O consumidor não tem direito a qualquer informação. Tem direito a uma informação que seja em quantidade e modo adequados à complexidade do produto ou do serviço escolhido, para que se cumpra o dever fundamental de propiciar ao consumidor fruição com segurança e possibilidade de sua escolha devidamente informada.

No caso de serviços como a saúde suplementar a informação deverá ser modulada a partir do grau de complexidade que o instrumento ou a atividade possuem. Há, evidentemente, diferença de informação entre a complexidade de um serviço de utilização de um hotel para estadia familiar e um contrato de saúde suplementar e, o cumprimento do dever de informar deverá ser modulado à luz da complexidade que o contrato oferece.

O prestador de serviços deve estar comprometido com o cumprimento do dever de informar porque o consumidor tem direito de compreender como e quando utilizar o serviço contratado, mas, também, tem o direito de usufruir plenamente com o máximo possível de possibilidades que contemplem suas necessidades.

O pressuposto decisivo para o cumprimento do dever de informar é a necessidade do consumidor e não a vontade do fornecedor. A pergunta a ser respondida pelo fornecedor é: o que o consumidor precisa saber? Não cabe ao fornecedor responder à pergunta: o que eu quero informar? Essa pergunta não tem relevância para a efetiva proteção do consumidor.

É dever do fornecedor garantir que o consumidor qualquer que seja sua capacitação intelectual ou experiência de vida, seja capaz de compreender claramente o que contratou, o que deve fazer para utilizar os serviços contratados e, como deve agir para solicitar informações complementares quando necessitar.

Cumpre observar, ainda, que o dever de informar só será efetivamente cumprido se o fornecedor organizar as informações de forma coerente, didática, que conduza o consumidor a compreensão de forma simples, facilitada pela redação e apresentação. Esses cuidados são fundamentais e, na atualidade, já existem profissionais em condições de assessorar fornecedores de diferentes áreas para que cumpram esse dever com cuidados técnicos de qualidade, para garantir os melhores resultados.

Parece correto afirmar, ainda, que é parte do cumprimento do dever de informar que o fornecedor esclareça os direitos do consumidor, mas, também, seja claro sobre aquilo que o consumidor não tem direito e sobre seus deveres. Só assim o consumidor estará amplamente informado e, em condições de construir análises e escolhas adequadas para dar ao objeto do contrato a destinação que deseja ou, necessita.

Não é incomum que as informações prestadas em contratos de prestação de serviços deixem de especificar cláusulas restritivas de direito; ou, ainda, que deixem de apontar os deveres que o consumidor tem que cumprir para que os melhores resultados sejam alcançados.

E esses aspectos – o que o consumidor não tem direito e quais seus deveres -, são tão relevantes quanto os direitos que o consumidor possui. O direito de informação não se concretiza com informações referentes somente aos direitos do consumidor, mas, também, com informações sobre o que ele não tem direito de esperar daquele determinado contrato e, os deveres que terá que cumprir para que seus direitos sejam efetivamente garantidos.

Informar é um dever do fornecedor que só se concretiza plenamente a partir das especificidades do serviço contratado e, com a apresentação de um conjunto de informações que identifique direitos, deveres e impossibilidades técnicas ou jurídicas (serviços não contratados, por exemplo) na utilização dos serviços contratados.

Essa conclusão parece estar em consonância com o disposto no artigo 4°, inciso IV, da Lei n.º 8.078, de 1990, que explicita a Política Nacional das Relações de Consumo e determina que deverão ser atendidos vários princípios, entre eles, a educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.

A respeito dessa determinação legal ressalta José Geraldo Brito Filomeno que se trata de tarefa a ser realizada por todos “Estado, empresas, órgãos públicos e entidades privadas de defesa ou proteção do consumidor. ”(FILOMENO, 2011, p.86)

A determinação legal do artigo 4°, inciso IV, conduz a uma indagação perfeitamente cabível no caso específico dos contratos de saúde suplementar: é possível afirmar a existência de um dever do consumidor de se informar?

De fato, se considerada a quantidade de informações disponibilizada, a capacidade intelectual e a experiência do consumidor em cada caso concreto é possível afirmar que, muitas vezes, o consumidor dispõe de informações necessárias para não pleitear a prestação de serviço que não está previsto no contrato de seguro.

Se acrescentarmos as possibilidades de acesso a informações disponibilizadas na rede mundial de computadores e na mídia -impressa ou televisiva, por exemplo-, sempre levando em conta a comprovada capacidade instrucional e a experiência de consumidor concretamente individualizado, é possível sustentar que o consumidor tem o dever de se informar para utilizar corretamente os serviços contratados.

Vulnerabilidade não é um conceito que possa ser confundido com impossibilidade ou, inviabilidade de se informar. Ao contrário, a vulnerabilidade é uma situação fática que afeta todos os consumidores, mas, pode ser matizada a partir da condição específica de cada consumidor, de seu grau de formação intelectual, de sua experiência de vida, de sua habitualidade no consumo de determinados serviços ou produto. Essa graduação é que vai indicar o maior ou menor grau de dever de informação que compete ao consumidor. Todos os consumidores são vulneráveis e todos tem direito a informação; porém, todos têm dever de se informar de forma compatível com seu grau de intelectualidade e de experiência de vida.

O dever de se informar é uma decorrência natural do direito como elemento emancipatório de uma sociedade organizada. Sociedade organizada está compreendido aqui como aquela eficiente para atribuir direitos, garantir que sejam cumpridos, punir aquele que pretender impedir que os direitos sejam usufruídos e, capaz de incentivar que os detentores de direitos tenham condições objetivas para exercê-los e, para cobrar efetividade e proteção.

Esse é o principal papel do direito nas sociedades contemporâneas e hipercomplexas, oferecer a cada indivíduo a dimensão do que podem exigir que lhes seja garantido, ou, em outras palavras, viabilizar que cada indivíduo tenha poder de compreender o que lhe é devido e, como agir para garantir que haja efetividade de seu direito.

O risco de tratar a vulnerabilidade como um conceito imutável que signifique sempre que o consumidor não possui condições necessárias para tomar decisões em segurança é, confundir com a hipótese de que o consumidor não possui condições de progredir no conhecimento sobre produtos e serviços que escolhe habitualmente para consumir. E essa hipótese não tem sustentação. A própria realidade comprova isso porque os consumidores habituados a consumir habitualmente determinados produtos e serviços se tornaram mais exigentes, mais informados sobre suas opções, interessados em informações adicionais àquelas que lhe são fornecidas e, em especial, aprenderam com a experiência de consumo e se tornaram mais autodeterminados em suas escolhas e decisões.

Na sociedade de informação em que vivemos é razoável supor que o consumidor, desde que possua instrução formal mínima e comprovada experiência de consumo de um determinado produto ou serviço, em especial nos contratos cativos de longa duração, tem condições objetivas de cumprir o dever de se informar. Não é razoável aceitar que após anos de contratação sucessiva de um determinado serviço, por exemplo, o consumidor afirme ignorar aspectos essenciais da dinâmica do contrato, ou, aspectos corriqueiros da relação de consumo estabelecida com o fornecedor.

Contratos complexos como os de saúde suplementar são um exemplo importante em que o consumidor precisa cumprir o dever de se informar, sob pena de não se tornar agente ativo de efetividade da proteção do direito como é desejável. O direito à informação aliado ao dever de se informar, de modo compatível com o grau de intelectualidade e de experiência de consumo, são elementos essenciais para a melhoria das relações de consumo sempre com o objetivo de proteger os direitos e a confiança do consumidor.

4 O DEVER DE INFORMAR DAS OPERADORAS DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O DEVER DE SE INFORMAR DO CONSUMIDORES DE SAÚDE SUPLEMENTAR – INSTRUMENTOS DE APRIMORAMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Os contratos de saúde suplementar são bastante complexos, conforme já demonstrado. O consumidor precisa saber em que ano contratou e que modalidade de seguro possui para poder entender qual a lei que incide sobre o contrato; e, para saber quais os serviços que tem direito de utilizar e quais não lhe serão prestados por falta de previsão legal ou contratual. Também precisa saber se contratou plano individual ou coletivo (empresarial ou por adesão), para poder entender de que forma incidirá o aumento anual de mensalidades e, ainda, o que pode fazer para que as mensalidades não sejam majoradas em índices mais altos, em decorrência da utilização racional dos serviços prestados.

Os contratos de saúde suplementar são em parte redigidos pelas operadoras e, em parte atendem a determinação legal emanada da Lei n.º 9.656, de 1998, e de algumas centenas de atos regulatórios produzidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Não são contratos de leitura fácil e nem contribuem para a completa compreensão. As operadoras têm feito esforços no sentido de facilitar a compreensão dos contratos de saúde suplementar, seja com a elaboração de cartilhas, manuais do segurado e documentos similares publicados por meio impresso ou, viabilizados por meio eletrônico. Os órgãos de defesa do consumidor têm atuado fortemente no esclarecimento dos consumidores e, sem dúvida, contribuem para a divulgação dos aspectos mais relevantes desses contratos.

É direito do consumidor que as informações sejam prestadas pela operadora com regularidade, mas, é essencial que os consumidores tenham acesso a informações sempre que necessitarem, em especial por meio de ligações telefônicas gratuitas que lhes permitam buscar informações sobre a modalidade de plano, mês de aniversário do contrato para reajuste anual, rede referenciada, entre outras informações essenciais. A conduta dos consumidores na solicitação de informações é parte do cumprimento do dever de se informar e, certamente contribuirá para que angariem maior autonomia no exercício de seus direitos, para exigir o que lhes é devido em decorrência da lei e do contrato.

No âmbito das coberturas disponibilizadas em cada contrato também há evidente complexidade. Se forem contratos anteriores a 1999 e que não tenham sido adaptados ou migrados para a nova lei, os procedimentos a que o consumidor tem direito são aqueles fixados no contrato e não os que integram o rol de procedimentos divulgado bianualmente pela ANS. Se forem contratos migrados ou adaptados à nova lei ou, ainda, contratos formalizados após 1999, já estarão sob a égide da Lei n.º 9.656, de 1998, e, nesse caso, os consumidores terão direito a todos os procedimentos descritos no rol divulgado pela ANS, além de outros que eventualmente, tenham sido contratados.

Para que o consumidor seja corretamente informado sobre o que contém o rol da ANS é necessário que governo e iniciativa privada atuem, diretamente, na divulgação dos procedimentos incorporados ao rol e o que, eventualmente, tenha sido retirado. É preciso, também, que médicos, hospitais, serviços de atendimento a clientes, departamentos de recursos humanos de empresas que contratam planos ou seguros saúde e, associações de proteção e defesa de consumidores ou de pacientes, se empenhem em divulgar informações para garantir que o consumidor utilize tudo o que tem direito; para que o consumidor não exija aquilo que não tem direito de forma a não prejudicar o fundo mutual; e, para não criar privilégios com a obtenção de sentenças judiciais que atribuem ao consumidor um direito que não está previsto na lei e nem no contrato e, para o qual, evidentemente, não foram recolhidos valores para compor o fundo mutual organizado com a contribuição de todos os contratantes.

O consumidor que obtém por sentença judicial a possibilidade de utilizar procedimento que não está previsto no rol da ANS ou, procedimento não previsto no contrato firmado com a operadora de saúde, não tem um direito garantido. Na verdade, recebe do judiciário um privilégio e isso é negativo para toda a sociedade. Se uma pessoa utiliza o que não está previsto na lei ou no contrato, esse é procedimento médico-hospitalar ou acesso a medicamento que não tinha previsão de recursos calculada atuarialmente para compor o fundo mutual. Toda a mutualidade vai custear o procedimento ou medicamento deferido pela justiça, porém sem que tenha sido realizado cálculo prévio de custeio e, sem que tenham sido angariados os recursos necessários para o custeio. Isso resultará em impacto no valor das mensalidades no ano seguinte, porque implicará em impacto na sinistralidade e, nos resultados econômicos do fundo mutual.

Os recursos do fundo mutual não pertencem às operadoras de planos ou seguros saúde, pertencem aos usuários, aos consumidores. Cada vez que esses fundos são atingidos por decisões judiciais que determinam o custeio de procedimentos não previstos na lei ou no contrato, os fundos dispendem valores para os quais não havia previsibilidade atuarial. Em outras palavras, dispendem valores que deveriam ser utilizados para o custeio de outros procedimentos.

Essas práticas não prejudicam os resultados econômicos das operadoras de saúde suplementar, prejudicam apenas os fundos mutuais que pertencem aos próprios usuários consumidores.

A abordagem é polêmica porque a sociedade brasileira consolidou desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o entendimento de que os direitos fundamentais e os sociais prestacionais, devem ser garantidos a cada cidadão independentemente da reserva do possível e, até mesmo, independentemente de previsão legal ou contratual porque do contrário estaria agredida a dignidade da pessoa humana e, com ela, toda a estrutura de proteção aos direitos fundamentais individuais e coletivos.

O direito derivado do contrato firmado entre o consumidor e a operadora de saúde suplementar não é direito à saúde, nem tão pouco a proteção da vida. É direito de acesso a meios médico e hospitalares que poderão viabilizar o tratamento necessário à morbidade de que se encontra acometido o indivíduo. Nenhum contrato de saúde suplementar pode garantir saúde, apenas acesso a tratamentos e medicamentos aprovados por lei e, praticados por entidades de saúde devidamente autorizadas a realizar tais procedimentos.

Assim, é fundamental que o consumidor tenha informações sobre o que contratou e, busque se informar adequadamente para poder utilizar tudo o que tiver direito, mas, também, que se exima de requerer o que não tem direito nos termos do disposto no contrato ou, na legislação.

É importante ponderar, ainda, que ser informado é ato que depende da vontade de cada indivíduo. Nenhuma pessoa receberá qualquer informação se não desejar, mesmo as mais simples e desprovidas de complexidade. Ninguém pode ser obrigado a absorver informações e processá-las em conformidade com sua capacidade intelectual se não desejar fazê-lo. Só se informa quem realmente tem vontade de saber. Se não tem vontade de saber o indivíduo é capaz de ignorar as informações recebidas e, não absorver nada que lhe seja transmitido. Sem interesse em conhecer um determinado assunto, ninguém se informará de modo a conseguir compreender amplamente seus direitos e, o potencial de utilização do produto ou do serviço.

E como garantir que o consumidor exerça sua vontade para se informar? Como garantir que o consumidor manifeste interesse pelas informações que estão sendo disponibilizadas e, se concentre para processar as informações e compreender amplamente o assunto que está sendo tratado? Como o fornecedor pode assegurar que a atitude do consumidor será colaborativa, com objetivo de obter informações e agir de forma a entende-las em sua amplitude?

Nenhum fornecedor de produtos ou serviços pode garantir que o consumidor contribuirá com sua vontade para compreender corretamente as informações prestadas ou, para identificar informações insuficientes e que necessitam ser complementadas.

No caso específico dos contratos de saúde suplementar cujas informações são em grande quantidade, com alta dose de complexidade e quase sempre de caráter técnico, como, por exemplo, as especificações de procedimentos contidas no rol ou no próprio contrato, é evidente que a compreensão das informações depende de aspectos operacionais de quem informa (objetividade, concisão, forma didática de apresentação, organização de informações por ordem de relevância, entre outras), porém, também depende dos esforços que o consumidor fará para compreender as informações transmitidas e sua aplicação prática.

É importante considerar que em muitas situações a vontade do consumidor poderá ser no sentido de não se informar, de não conhecer as informações enviadas pelo fornecedor, de ignorar as informações a ele encaminhadas, de não exercer seu dever de se informar quanto a seus direitos, exatamente porque ele acredita não ter essa obrigação.

Nos contratos de saúde suplementar a decisão individual de não se informar pode impactar fortemente o fundo mutual que sustenta o pagamento de procedimentos.

Um consumidor que não se informe sobre procedimentos não incluídos em seu contrato poderá receber de forma irresignada a negativa de pagamento do procedimento e, reagir acionando o judiciário para utilizar o procedimento negado sob alegação de que não foi informado adequadamente. Ao acionar o judiciário para essa finalidade e alegar seu desconhecimento sobre o assunto em razão da ausência de informação, o consumidor causará impacto econômico no fundo mutual, que será obrigado a pagar os custos do procedimento para o qual não foi feito cálculo atuarial e nem arrecadado valores. Em outras palavras, o fundo mutual não dispõe de recursos para isso porque não havia previsão legal ou contratual para esse procedimento médico-hospitalar. Um caso individualizado pode não causar maior impacto mas, casos sucessivos poderão baixar o poder de custeio do fundo mutual e, causar insolvência.

A solução para essa situação não é simples e, passa necessariamente por reconhecer que as operadoras nos contratos de prestação de serviços de saúde devem informar de maneira detalhada e objetiva; porém, precisam contar com a colaboração de seus usuários para que estes exerçam o dever de se informar, inclusive para exigir da operadora que melhore a qualidade e/ou, quantidade de informações disponibilizadas.

Nem todos os usuários terão condições ou experiência de vida para se informar, mas, se aqueles que possuírem condições cumprirem com seu dever, será possível mitigar o número de conflitos entre consumidores e fornecedores.

A perspectiva de engenharia contratual a partir do equilíbrio entre direitos e deveres das partes contratantes encontra respaldo nas lições de Claudia Lima Marques

“[...] para muitos, essa noção de procura de equilíbrio e equidade contratual está inserida no princípio da boa-fé ou no princípio formulador máximo, o da confiança. A boa-fé objetiva valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar, e assim o direito passa a valorizar, igualmente e de forma renovada, o nexo entre as prestações, sua interdependência, isto é, o sinalagma contratual (nexum). Da mesma forma, ao visualizar, sob influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por consequência, o equilíbrio intrínseco da relação em sua totalidade e define-se o que é razoável em matéria de concessões do contratante ao mais fraco (Zumutbarkeit). O desequilíbrio significativo dos direitos e deveres, em detrimento do consumidor, na relação contratual vista como um todo passa a ser indício de abuso, a chamar a ação reequilibradora de novo direito contratual em sua visão social”. (MARQUES, 2016, p. 291).

O novo direito contratual protege a confiança do consumidor e exige práticas de boa-fé objetiva das partes contratantes. Da parte do fornecedor de serviços de saúde suplementar, a melhor expressão de boa-fé objetiva é informar de forma qualificada e adequada o consumidor. Da parte do consumidor a prática de boa-fé objetiva consiste em se informar sobre o contrato, respeitados seus atributos individuais de intelectualidade e experiência de vida.

Nessa maneira de compreensão das práticas de boa-fé a serem executadas pelas partes, os contratos de saúde suplementar poderão ser tratados como verdadeiros contratos cooperação no sentido utilizado por Luciana Antonini Ribeiro

“O antagonismo antes visualizado como elemento central no direito dos contratos é revisto e substituído pela cooperação entre os contratantes. Entende-se que, em verdade, existe um affectio contractus, restando os contratantes caracterizados como “parceiros”, atuando de forma coordenada para que os melhores resultados possam ser obtidos. Desta forma, estes parceiros “pretendem ter, um com o outro, uma relação equilibrada e igualitária, tendo em vista uma maior fraternidade e justiça”.

“Há, pois, uma evolução na qual, após termos abandonado a conceituação do contrato como manifestação ilimitada da liberdade individual damos a ele uma nova conceituação em que prepondera, ou deve preponderar, sobre a vontade individual de cada um dos contratantes, o consenso que entre eles se formou, sem que seja lícito a qualquer um deles tirar uma vantagem maior do que a racionalmente aceitável, no momento tanto da celebração do contrato como da sua execução.”

Maria Celina Bodin de Morais [...] caracteriza esse novo momento da teoria contratual a partir da alteração de seu “centro valorativo”, ou seja, não mais ressalta em importância o indivíduo e sua vontade, mas sim a pessoa humana, sua dignidade e socialidade. No dizer da jurista carioca, “em lugar da liberdade contratual, a solidariedade social”. (RIBEIRO, 2007, p. 435).

E a lição de Ronaldo Porto de Macedo Júnior é lapidar quando ensina

“[...] Durkheim, que ao definir as relações de solidariedade orgânica aplicadas às relações contratuais, afirma que o elemento de cooperação é o que mantém a relação de troca estável. Para ele, os contratos de modo geral caracterizam-se pela existência de obrigações recíprocas e correlacionadas. “A reciprocidade apenas é possível onde existe cooperação e isto, em contrapartida, não ocorre sem a divisão social do trabalho. Cooperar é, de fato, dividir com outro uma tarefa comum. Para Durkheim, a solidariedade é o elemento de coesão social (de natureza moral) que permite aos homens estabelecerem relações de cooperação, como por exemplo firmarem contratos, fenômeno somente imaginável em função da divisão social do trabalho e da diferenciação social. [...] solidariedade é definida como elemento moral pressuposto nas relações de relações de cooperação, entendidas como divisão com outrem de uma tarefa comum.

[...]

A definição que proponho é a de que cooperar é associar-se com outro para benefício mútuo ou para divisão mútua dos ônus. Nesta segunda definição encontramos o elemento mutualidade que era inexistente na primeira definição. Note-se que a mutualidade se reporta ao benefício e não apenas à existência de uma contrapartida formal na relação contratual. A mutualidade de benefícios reporta-se ao elemento material e substantivo objeto das transações e, neste sentido, define-se a partir da ideia de equilíbrio substancial nas trocas. [...]

[...]

[...] Já os contratos de seguro, em particular os contratos de seguro de consumo, como por exemplo os planos de saúde, apresentam tanto um aspecto cooperativo (por exemplo viabilizar economicamente a criação de uma proteção contra risco não equacionável sem o envolvimento de vários agentes e interessados), como também um aspecto solidarístico, enquanto pautado pela ideia reguladora de que deve haver, há uma justiça social implícita, na socialização dos prejuízos que atingem os menos afortunados.” (MACEDO JÚNIOR. 1998, p. 171-178)

O conceito de mutualismo ou mutualidade remete à ideia de colaboração e solidariedade social. Somente aqueles que temem o mesmo tipo de risco como, por exemplo, algum tipo de dano à saúde, se motivam a organizar recursos em fundo mutual que tenha suporte atuarial para fazer frente ao custeio dos procedimentos necessários para a manutenção da saúde. Esse fundo mutual tem sua organização e administração sob encargo de pessoa jurídica de direito privado, as operadoras de saúde, a quem competirá utilizar os recursos somente para situações previamente definidas pela lei e/ou o contrato, para que não sejam utilizados indevidamente os recursos que pertencem a todos e não às operadoras.

A colaboração entre as partes contratantes se dá desde o primeiro momento, na apresentação da proposta, quando o contratante deverá responder de boa-fé às perguntas formuladas no questionário de avaliação de risco. A contratada, operadora de saúde, por sua vez, somente poderá formular perguntas que tenham estrita pertinência com os cálculos que serão realizados sem jamais invadir a esfera da privacidade do contratante. Firmado o contrato a conduta das partes deve continuar sendo pautada pela boa-fé e colaboração, em especial, no que tange ao dever de informar e de se informar, que permitirá às partes agirem em consonância para alcançar os melhores propósitos individualmente e para a coletividade que sustenta o fundo mutual.

O dever de informar é primordial para as relações de cooperação no contrato de saúde suplementar, obrigação fundamental das operadoras de saúde. Mas, o dever de se informar em conformidade com sua capacidade intelectual e com sua experiência de vida é obrigação do consumidor, a ser cumprida durante todo o período de duração do contrato inclusive, para exigir maiores e melhores informações do fornecedor sempre que isso se mostre necessário.

5 CONCLUSÃO

O segmento econômico de saúde suplementar tem enfrentado problemas reais de sustentabilidade que fez com que algumas operadoras encerrassem suas atividades e, em consequência, deixassem seus usuários em total insegurança. De forma sistemática tem havido redução no número de operadoras de saúde em atuação conforme dados obtidos na Sala de Situação8 do sítio da ANS na rede mundial de computadores. Eram 1969 operadoras de saúde em atividade em 1999 e, na atualidade, são 920 operadoras de saúde.

Essa retração, associada à crescente judicialização das relações na saúde suplementar, sinaliza que existem problemas graves que precisam ser identificados e solucionados para que o setor possa atender com qualidade seus usuários porque, quando se trata de procedimentos de saúde não pode existir solução provisória ou, sem qualidade técnica.

Um dos problemas mais persistentes na relação entre operadoras de saúde e usuários é a dificuldade de informação, seja pelo grande volume de dados que precisam ser informados (tipo da operadora, modelo do contrato, data de incidência de aumento da mensalidade, mudanças de rol de procedimentos da ANS etc), seja pela quantidade de termos técnicos que precisam ser empregados e, as dificuldades inerentes à compreensão (diferença entre urgência e emergência, por exemplo). Existem dificuldades, ainda, pelo fato de que os contratos de saúde suplementar reproduzem em grande parte as normas regulatórias emanadas da ANS e estas, nem sempre são redigidas de forma clara e objetiva para permitir a correta compreensão.

Informação adequada é parte importante da solução do problema. Resta indagar quem são os atores que podem ser também parte da solução e não do problema. Nesse sentido, a reflexão procurou demonstrar que existem elementos legais e sociais para propor que o usuário – consumidor -, cumpra seu dever de se informar sobre os contratos que pactua, em especial quando esse contrato tem notória relevância como tem o contrato de saúde suplementar.

A nova ordem contratual instaurada com a Constituição Federal de 1988, com o Código de Defesa do Consumidor em 1990 e, finalmente, com o Código Civil de 2002, impõe aos contratantes boa-fé objetiva e caráter de colaboração, para que os melhores resultados sejam obtidos nos contratos. A supremacia do interesse de uma parte sobre a outra, a busca de vantagem exagerada a partir de cláusulas mal redigidas ou intencionalmente mal colocadas, tudo isso é, felizmente, parte do passado e impensável na sociedade brasileira contemporânea, que vive sob a égide de novas concepções nas práticas contratuais.

O objetivo constitucional perpassa a legislação ordinária e aponta a solidariedade social como ponto de partida para o qual devem convergir os melhores esforços de todos, consumidores e fornecedores, cada qual efetivando no âmbito de suas possibilidades concretas as medidas necessárias para relações harmônicas.

No âmbito da saúde suplementar a solidariedade é objetivo anterior ao texto constitucional. Remonta ao surgimento dos contratos de seguro nos tempos mais antigos, quando a genialidade humana detectou a mutualidade como técnica suficiente para fazer frente aos resultados de diferentes tipos de risco que o homem enfrenta desde seu aparecimento no planeta. A mutualidade a serviço de todos os que tiverem contribuído para a formação do fundo, de onde sairão recursos econômicos para custear a recomposição após a ocorrência do risco predeterminado. Assim funcionam os seguros desde sempre: o esforço de todos para o custeio dos danos que afetam alguns, sempre com cuidado para que os valores do fundo sejam utilizados de forma racional, em conformidade com os cálculos atuariais que estabeleceram os valores necessários para a reserva técnica.

Não há fórmula matemática que consiga criar um contrato de saúde suplementar que possa custear todos os riscos que a saúde de um indivíduo pode sofrer ou, que permita a utilização de todos os recursos médico-hospitalares criados ou, em vias de serem aprovados para utilização técnica.

O que garante a sustentabilidade dos fundos mutuais é o cálculo atuarial construído a partir dos estudos dos riscos predeterminados, das estatísticas de manifestação desses riscos e, das probabilidades de ocorrência desses riscos ao longo de um determinado período de tempo. Quando se impõe ao fundo mutual o pagamento de valores que não haviam sido previamente tratados como estatisticamente prováveis o fundo sofre perda significativa, que poderá impactar futuras necessidades. Em outras palavras, quando se utiliza recursos do fundo mutual para pagamento de procedimentos que não haviam sido considerados no cálculo inicial, é possível que faltem recursos para pagamento de procedimentos previstos no contrato, porém, agora, sem recursos em razão de custeio indevido realizado anteriormente.

Os fundos mutuais organizados na saúde suplementar devem custear procedimentos previamente identificados no contrato e na lei. Para que isso aconteça com tranquilidade e segurança é preciso que operadoras, usurários, prestadores de serviços, corretores de seguro, poder judiciário, entidades de defesa do consumidor e todos os que atuam no setor conheçam os riscos cobertos e os riscos não-cobertos nos contratos de saúde suplementar, para que somente os riscos cobertos sejam fornecidos e custeados.

No âmbito dos contratos de saúde suplementar a reserva do possível está caracterizada no fundo mutual constituído com o pagamento das mensalidades de todos os usuários e que a eles pertence, embora seja administrado mediante remuneração por uma operadora de saúde - medicinas de grupo e seguradoras - ou, sem remuneração - autogestão e filantropia. Independentemente de haver ou não remuneração há uma reserva mutual que contém valores destinados a custear os procedimentos de saúde. Obrigar a reserva técnica a custear procedimentos que não haviam sido calculados quando de sua formação é, onerar em demasia o fundo e incorrer no risco da insolvência.

Decorre dessa arquitetura técnica que envolve riscos (procedimentos), contribuições (mensalidades) e probabilidades (hipóteses de utilização dos recursos do fundo mutual) que a informação é preceito essencial da relação contratual entre consumidores (usuários) e, fornecedores de saúde suplementar. É dever das operadoras prestar informação qualificada, objetiva, simples, concisa e regularmente sobre direitos dos usuários, sobre procedimentos que poderão ser custeados, sobre os documentos que necessários para liberação de recursos e tratamento, sobre percentuais de reajuste e forma de cálculo do reajuste anual, entre outros aspectos essenciais para a proteção do consumidor.

De outro lado, é preciso que o consumidor (usuário) tenha disposição volitiva para se informar em conformidade com sua possibilidade intelectual e, com sua experiência de vida, mas, com manifesta vontade de conhecer os dados essenciais do contrato de saúde suplementar. A participação do usuário de saúde suplementar é fundamental para melhorar a qualidade da informação, para corrigir distorções, para apontar a necessidade de simplificação ou, de aumento ou redução do volume de informações para aprimorar e criar canais permanentes de diálogo entre os principais atores desses contratos.

O fundamento constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana aliado aos direitos fundamentais e aos sociais prestacionais, deve garantir que o cidadão se torne mais autodeterminado, com maior autonomia para decidir e para atuar na melhoria das relações econômicas e sociais.

6 REFERÊNCIAS

ALVES, Sandro Leal. Fundamentos, regulação e desafio da saúde suplementar no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Superior Nacional de Seguros. 2015.

FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro, 2011.

MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto de. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1988.

MARQUES, Cláudia Lima. MIRAGEM, Bruno. O Novo Direito Privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

RIBEIRO, Luciana Antonini. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.) A nova crise do contrato. Estudos Sobre a Nova Teoria Contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Regulamentação dos Planos de Saúde. Coletânea legislativa. 4. ed. São Paulo: Confederação Nacional das Cooperativas Médicas, 2016.

SARLET, Ingo W. A influência dos Direitos fundamentais no Direito privado: algumas notas sobre a evolução no Brasil. In: PINTO, Hélio Pinheiro et al. Constituição, Direitos fundamentais e política: estudos em homenagem ao professor José Joaquim Gomes Canotilho. Belo Horizonte: Fórum, 2017.




Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

                 

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

ISSN: 2178-2466