Direitos Culturais - Artigo 6

PACHA MAMA: LA MADRE TIERRA E A RESSIGNI-FICAÇÃO DA TUTELA DA DIGNIDADE HUMANA EM FACE DO NOVO CONSTITUCIONALISMO DA AMÉRICA LATINA

PACHA MAMA: THE MOTHER EARTH AND THE RESSIGNIFICATION OF THE PROTECTION OF HUMAN DIGNITY IN THE FACE OF THE NEW CONSTITUTIONALISM OF LATIN AMERICA

 

Claudio José Amaral BahiaI

Claudia Mansani Queda de ToledoII

Flávio Euphrásio Carvalho de ToledoII

I Centro Universitário de Bauru (CEUB), Programa de Pós-Graduação em Direito, Bauru, SP, Brasil. Doutor em Direito. claudio_amaralbahia@hotmail.com

II Centro Universitário de Bauru (CEUB), Programa de Pós-Graduação, Bauru, SP, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: mclaudia@univali.br

III Centro Universitário de Bauru (CEUB), Bauru, SP, Brasil. Mestre em Direito. E-mail: flavio@ite.edu.br

 

Resumo: A indiferença pelo outro tomou conta, em nível mundial, da sociedade, estando esta esmagada pela necessidade de consumo e realização, momento em que os direitos fundamentais passaram a ser negligenciados com mais intensidade, aviltando-se a dignidade ínsita e indissociável do ser humano. Em um momento em que os regimes de força, perigosamente ascendendo sob um viés democrático, são apontados como possível solução das crises que permeiam o dia a dia, o novo constitucionalismo da América Latina, materializado na sua copérnica visão da Pachamama, pode ser o instrumento decisivo de retomada, por parte do Brasil, dos ideais que levaram e desaguaram na Constituição Cidadã de 1988. Nesse contexto, o presente trabalho teve por escopo demonstrar que o desenvolvimento do constitucionalismo na América Latina pode se converter em valiosa ferramenta à necessária ressignificação da tutela da dignidade humana, demonstrando que uma vida qualificada, para seu atingimento, evolve um mínimo existencial ecológico, isto é, uma verdadeira e inseparável interação entre todos os elementos que compõem a Mãe Terra. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo e de pesquisa bibliográfica, o artigo foi estruturado em duas partes principais: novo constitucionalismo e Estado de Bem Viver e, em sua decorrência, a revalorização da diversidade e a ressignificação da dignidade humana, por meio do conceito de Pachamama.

Abstract: The indifference towards the other has taken over society on a global scale, being overwhelmed by the need for consumption and realization, at a time when fundamental rights have been neglected more intensely, degrading the human being’s inherent and inseparable dignity. At a time when regimes of force, dangerously rising under a democratic bias, are pointed out as a possible solution to the crises that permeate everyday life, the new constitutionalism of Latin America, embodied in its coined Pachamama vision, can be the instrument decisive for the resumption by Brazil of the ideals that led to and flowed into the Citizen Constitution of 1988. In this context, the present work had the purpose of demonstrating that the development of constitutionalism in Latin America can become a valuable tool for the necessary re-signification of the guardianship of human dignity, demonstrating that a qualified life, for its attainment, evolves an existential ecological minimum, that is, a true and inseparable interaction between all the elements that make up the Earth Mother. Using the hypothetical-deductive method and bibliographical research, the article was structured in two main parts: new constitutionalism and welfare state and, as a result, the revaluation of diversity and the re-signification of human dignity, through the concept of Pachamama. Palavras-chave: América Latina. Novo constitucionalismo. Dignidade humana. Pachamama.

Keywords: Latin America. New constitutionalism. Human dignity. Pachamama.

Sumário: Introdução. 1 Breves considerações acerca do novo Constitucionalismo Latino-americano e seu elemento inclusivo diferenciador: Estado de Bem Viver. 2 Pachamama: a valorização da diversidade e a ressignificação da vida digna. Conclusões. Referências.

Introdução

Levando-se em consideração o inusitado e preocupante cenário brasileiro da atualidade, remarcado pelo insistente retrocesso sobre a discussão de pautas que, aparentemente e em se tratando de direitos fundamentais, já haviam, de há muito sido superadas, necessário se faz uma profunda análise sobre os ensinamentos que são passados pela América Latina: muitos países coirmãos, recém superados os profundos traumas de violência e opressão, ressignificaram e continuam ressignificando, conceitos indeléveis para o respeito da diversidade étnica e cultural e para a democracia, em especial no que diz respeito a concretização de uma vida digna.

Importante deixar assente que a profundidade e amplitude que a discussão merece, por evidência, não é a pretensão deste singelo artigo, mas sim, o de fomentar a pesquisa acerca do novo movimento constitucional deflagrado na América Latina e a viabilidade de utiliza-lo como instrumento de recuperação dos ideais constitucionais de 1988, os quais, infelizmente, se encontram hodiernamente escanteados, ou, num cenário mais generoso, em pleno processo de sucateamento de sua substância.

Ora, pois.

A luta pela inserção, ressignificação e proteção do ser humano1, confunde-se, de certa medida, com a evolução dos movimentos constitucionais, principalmente quando estes são entendidos como técnicas de liberdade.

Utilizando-se como marco referencial teórico e temporal as revoluções americana (1776) e francesa (1789), impôs-se a necessidade de adoção de constituições escritas, que viessem a contemplar a organização e a estrutura estatais, a separação das funções do poder e um rol mínimo de direitos fundamentais, visando a derrocada dos regimes absolutistas vigentes e a instalação de um novo modelo, de caráter democrático.

Entretanto, com o passar do tempo, referido ideal sofreu com as intempéries do desatino humano, culminando com as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, obrigando que os Estados ressuscitassem o conceito e o valor de seus documentos constitucionais, reforçando sua supremacia hierárquica em relação as demais espécies normativas existentes, bem como, elegessem a proteção da dignidade humana como início e fim de sua razão de existir.

Diante da dificuldade inerente a conceituação do que viria a ser dignidade humana, mas entendendo que sua supressão não poderia acontecer ou ficar relegada a segundo plano, os países aliados houveram por bem em realizar um ‘pacto de não definição’, possibilitando-se, assim, que a esmagadora maiores dos textos fundamentais (aqui a redundância se faz necessária) positivassem sua tutela, em topografia normativa privilegiada, exceção feita aos Estados Unidos da América que até a presente data não traz expressamente referida tutela na Carta de 1787 e nem em suas emendas posteriores.

Todavia, é preciso deixar assente que, muito embora não se tenha a positivação do vetor em questão na constituição estadunidense, seu conceito não é infenso a seu mundo jurídico, tendo sido trabalhado pela Suprema Corte, em especial no que diz respeito à aplicação e cumprimento de penas por condenados da justiça criminal.

Seguindo-se a marcha do tempo, e já em meados do século XX, necessário se faz enfatizar a inquietude que tomou conta da sociedade parisiense em 1968, inquietude essa que acabou por espraiar seus efeitos mundo afora, surgindo, então, o que se convencionou nominar de pós-modernidade2, movimento que, ao enaltecer a necessidade de reconhecimento das diferentes inerentes a essência humana3, deu voz as minorias sociais, permitindo que a humanidade se veja efetivamente como ela é: com suas virtudes e com seus vícios!

Isso não deixa dúvida de que somos seres em constante e ininterrupta construção ou, nas palavras do gênio simples de Paulo Freire, seres em estado de transição, cuja incompletude somente pode ser amainada com a apreensão da diversidade do outro; eis a maior grandeza e virtude da humanidade: ser diferente!

O mais conhecido dos filósofos existencialistas, Jean Paul Sartre4, dentro do contexto acima alinhavado, trabalhou a questão do paradoxo da liberdade, descrevendo a pessoa humana como uma “ser em situação”5: ora, se é bem verdade o fato de que obstáculos são colocados no caminho de nosso desenvolvimento sem que tal tenha se dado por ato de nossa vontade, não menos verdade é que pela livre escolha se pode dar a devida destinação digna aos acontecimentos.

Entretanto, não se pode desconsiderar o fato de que a livre escolha quanto a tomada de decisões e prática de atos exige, necessariamente, que sejam colocadas, validamente, opções para serem analisadas e consideradas.

Quando se tem apenas um caminho, a sua adoção não é mais voluntária, mas sim, compulsória, compulsoriedade essa que também se torna visível quando, a despeito de existirem opções, tem-se que as informações sobre cada uma delas são desprovidas de fundamento e creditada: a chamada pós-verdade.

Infelizmente, ainda se encontra espaço para situações que nos remetem ao Mito Platônico da Caverna, preferindo-se as sombras da ilusão às luzes da realidade: ao invés de se construir, se destrói, se separa, se desune, afastando-se, de forma abissal, dos fundamentos republicanos estampados no art. 3.º da CF/88, afetando-se, sobremaneira, a autodeterminação e o respeito que devem proteger o núcleo bioético que forma o Estado brasileiro.

O Brasil, a despeito de suas disposições constitucionais amplamente voltadas a defesa da dignidade humana e dos direitos fundamentais e sociais dela decorrentes necessita, urgentemente, beber da mesma fonte de movimentos basilares iniciados na América onde vive, participando, intensamente, do processo que Marcelo Neves denominou de transconstitucionalismo, ou seja, preconizando o diálogo entre as diversas ordens jurídicas, mormente quando o assunto é a defesa dos direitos humanos (no plano internacional) e dos direitos fundamentais (no plano interno).

Discursos de ódio, disseminados em progressão geométrica pelas redes sociais, passaram a fazer parte do quotidiano, deixando sobressair declarações assustadoras, recebendo perigosos aplausos da sociedade: é o retrato da fluidez decantada por Bauman6, materializada na baixa noção acerca dos direitos fundamentais que têm os cidadãos.

A dificuldade que vem sendo imposta nas pessoas, em especial as menos favorecidas, acaba por criar um efeito anestésico social, isto é, diante da busca incessante da (minha) felicidade7, o outro perde valor, importância e dignidade8, e, com o passar do tempo, torna-se o inimigo a ser combatido, permitindo, o renascimento de regimes totalitários, capitaneados por novos (pseudos) messias9.

Confrontando essa nefasta perspectiva, adentra-se ao constitucionalismo da diversidade apregoado na América Latina como importante e decisivo instrumento de reconecção do Estado brasileiro aos ideais proclamados em 05 de outubro de 1988.

Com isso, aproveita-se para entender a imperatividade de migração do Estado de bem-estar, para o Estado de bem viver, com a devida harmonização do homem com o meio ambiente em que se desenvolve, afastando-se de um antropocentrismo irracional ou despótico10 que, tal qual o mito de Narciso, fará com que este o afogue em sua própria imagem refletida nas profundas e mortais águas da intolerância e da indiferença.

Em tempos sombrios como os atuais, nunca será demais rememorar que o ser humano deve ser o início e o fim de todo e qualquer sistema, a fim de que sejam definitivamente fechados os espaços para um triste retorno dos regimes de força.

1 Breves considerações acerca do constitucionalismo latino-americano e seu elemento inclusivo diferenciador: estado de bem viver

O Direito, em face as inúmeras, ininterruptas e inesgotáveis transformações sociais, necessariamente torna-se permeável as novas demandas, buscando adaptar-se, adequadamente, aos novos atores sociais e, em especial, a concretização dos direitos que lhe pertencem em face sua dignidade11, respeitando, assim, à superdiversity globalmente reconhecida12: há o intangível direito de ser e de continuar sendo diferente, invocando-se a profícua lição do sociólogo luso Boaventura de Sousa Santos13.

Não se pode perder de vista, com supedâneo em Ulrich Beck14, que depois da Revolução Industrial, eclode, com mais intensidade, uma sociedade de risco, haja vista que, na mesma medida em que se verificam incontáveis desdobramentos econômicos e tecnológicos, assumem-se, concomitantemente, incontáveis e imprevisíveis situações de prejudicialidade.

Parece ser incontroversa a assertiva de que o Direito, enquanto meio regulamentador do comportamento humano, deve sempre, sob pena da completa e irrestrita perda de sua eficácia, acompanhar a evolução do meio social em que inserido, possuindo, assim, um caráter manifestamente dinâmico, pois dinâmica, frise-se, é a modificação dos conceitos, dogmas, condutas, posturas e anseios adotados pelos mais diversos tipos de sociedades existentes15.

Com apoio na sempre percuciente visão de Roberto Gargarella16, muito embora o desenvolvimento do constitucionalismo latino-americano encontre-se atrelado ao start norte-americano, não se pode negar que, diante de suas peculiares características, assumiu rumo próprio, bem definido e remarcado, passando por três momentos emblemáticos.

Inicialmente, e levando-se em consideração a recém libertação da condição de Colônia, o movimento constitucional latino-americano propagou a ideia de independência, apresentando um caráter mais conservador, atrelado a manutenção da ordem social pela força do Estado e a proteção religiosa (na prática, a tutela do catolicismo romano), alcunhando-se citado período como la espada y la cruz; dentro, ainda, desse primeiro movimento constitucional, avizinhou-se uma faceta radical, conclamando-se que a delegação do poder pertencente ao povo para representantes, nada mais era do que uma escravidão disfarçada (la soberanía del pueblo), desaguando no viés liberal, representado por um maior equilíbrio, pelo balanceamento entre o poder estatal e sua neutralidade em questões morais (ni tiranía ni anarquía) 17.

A partir de meados do século XIX, deflagra-se o segundo período constitucional, apontando para o encontro entre as forças conservadoras e liberais, cujo traço mais marcante se deu acerca do sistema de freios e contrapesos, pendente ao Poder Executivo; adentrando-se ao século XX, o terceiro momento inaugura o constitucionalismo social, impulsionado, insista-se, pela centenária e paradigmática Constituição Mexicana de 191718, marcadamente pioneira, no plano universal jurídico, verdadeiro sopro de esperança no que se refere à condução, definição e concretização do que hoje vaticina-se como dignidade humana, sendo a primeira que catalogou a proteção dos direitos dos trabalhadores19, situação essa que foi se espraiando na maioria dos Estados, notadamente na América Latina e, mais precisamente no Brasil, quando da promulgação da Carta Constitucional de 1934, muito embora, hodiernamente, ao menos em terrae brasilis, verifique-se perigoso retrocesso assecuratório em marcha.

É preciso ressaltar o processo de consolidação de um novo movimento constitucional, representado por três ciclos, a saber: 1.º CICLO, remarcado pela abertura à diversidade cultural, reconhecendo a existência de outras línguas, além da tida por oficial, regulamentando a proteção dos direitos indígenas, mantendo, todavia, o monismo jurídico; 2.º CICLO, apontando a superação a ideia do monismo jurídico e permitindo a incidência da jurisdição indígena; e, um 3.º CICLO, reconhecendo-se, constitucionalmente, a existência de outras nações, dentro da nação maior que convencionou-se nominar de Estado, razão pela qual a nação indígena, devidamente inserida no poder originário, integra a construção do País, destacando-se as Constituições da Bolívia e do Equador: mais do que isso, ressurge, mais forte e conectado como Século XXI, a PACHAMAMA!20

Exemplo dessa diferenciada visão, materializou-se em 2016, em decisão proferida pela juíza Maria Alejandra Mauricio, do 3º Juízo de Garantias de Mendoza, na Argentina, por intermédio da qual se concedeu habeas corpus em favor da chimpanzé ‘Cecília’, que vivia sozinha e confinada no zoológico daquela cidade, autorizando sua transferência para o santuário de primatas de Sorocaba, interior de São Paulo, destacando que a necessidade de observância dos direitos de incidência coletiva21, conectados com o interesse geral da sociedade: na aludida sentença considerou-se que, embora não seja humana, a chimpanzé perfazia a condição de sujeito de direitos22.

No Brasil, ainda que a vertente jurídica utilizada tenha sido outra, não se pode ignorar decisão proferida pela Juíza de Direito Marcia Correia Hollanda, da Quadragésima Sétima Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro23 que, levando em consideração a inexistência de norma condominial que vedasse a circulação de animais domésticas em suas dependências, mas, também, o sofrimento causado ao gato “Rubinho” pela cessação de seus passeios que já perdura um quinquênio, concedeu tutela de urgência, a fim de permitir que o citado animal voltasse a ter a liberdade de ir e vir de outrora junto as dependências de uma galeria em Copacabana.

Outro marco latino americano de respeito profundo a dignidade humana, bem como aos direitos fundamentais e sociais que lhe são correlatos, diz respeito a recente série de decisões da Suprema Corte Colombiana, criando, por sua firme e comprometida atuação jurisprudencial, o ECI (Estado de Coisas Inconstitucional)24, cujos benéficos efeitos acabaram sendo também sentidos no Brasil, quando do julgamento pelo STF, da ADPF 34725.

Claro que nem tudo são aplausos.

Não se desconhece que a América Latina ainda apresenta vários problemas e tampouco se acredita em soluções mágicas ou expeditas26; todavia, diante do novo movimento constitucional próprio, de natureza plurinacional e pluriétnica, que visa conclamar não só a defesa da dignidade da pessoa humana, mas, principalmente, a tutela da dignidade da vida, insistindo na necessidade de respeito e valorização conjuntas do meio ambiente e dos animais27, constituindo-se na matriz do Estado de Bem Viver, cuja aplicação se encontra em constante movimento de construção e (re)construção, consiste uma valiosa lição a ser apreendida e, principalmente, praticada em terras brasileiras.

O Estado de Bem Viver28 é a assunção do integral respeito pela diversidade humana e da absoluta necessidade de integração com o meio ambiente em que vive, entendendo-se que a destruição e o esgotamento da natureza levarão, com absoluta certeza, senão a sua completa extinção, a uma vida despregada de dignidade, o que se cumpre a todo custo evitar.

A necessidade de transposição do paradigma do Estado de Bem-Estar para o novel modelo do Estado de Bem Viver está firmemente lastreada, insista-se, no incontroverso fato de que o ser humano não detém em relação as mais diversas formas de vida a condição de dominus, mas sim de elemento integrante e integrador, em verdadeira condição de interdependência.

As prestações materiais que envolvem o Estado de Bem-Estar obviamente são de implemento indispensável a dignidade humana, porém são finitas e esgotáveis, momento em que, percebendo a necessidade de interação protetiva e respeitosa com a natureza e todas as outras formas de vida, as referidas prestações, razoáveis e proporcionalmente equilibradas, perduram no tempo, permitindo não só a manutenção da dignidade humana mas, beneficamente, de toda a vida.

É preciso mudar!

2 Pachamama: a valorização da diversidade e a ressignificação da vida digna

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, patrimônio desta e das vindouras gerações, como consabido, faz parte da terceira dimensão dos direitos fundamentais29, apresentando natureza difusa e coletiva, complementando e ampliando o conceito de dignidade humana, valor-fonte de nossa Constituição Federal30.

A proteção constitucional do meio ambiente, ainda mais diante da citada perspectiva intergeracional31, reveste-se, com mais força, na característica híbrida de direito e de dever fundamental, acoplando e correlacionando os mais diversos princípios, sejam humanos, sociais, sanitários, éticos, bioéticos, daí falar-se em dignidade da vida, expressão de maior amplitude e aplicabilidade.

No Brasil, ainda se está muito longe de compreender a simbiose existente entre o ser humano e a natureza; entretanto, a Suprema Corte já enfrentou referida temática em diversas oportunidades, em especial apreciando a dicção proposta pelo art. 225 da Constituição Republicana32, destacando-se os julgamentos, em sede de controle concentrado, afetos a proibição de extração, industrialização, comercialização e distribuição do uso do amianto na variedade crisólita, dada sua natureza cancerígena (ADI 3.937); a vedação de atividades esportivas com aves das raças combatentes, dada a submissão a injustificado tratamento cruel (ADI 3.776), sendo, na mesma esteira, a proibição da nominada ‘farra do boi’ (ADI 1.856); a aplicação da técnica de interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, do §2.º do art. 4.º da Lei n.º 11.952/2009, de modo a afastar qualquer entendimento que venha a permitir a regularização fundiária das terras públicas ocupadas por quilombolas e outras comunidades tradicionais da Amazônia Legal (ADI 4.269), dentre outros.

A necessidade de efetivação de proteção ambiental não é uma preocupação somente de nosso País, existindo, por conseguinte, no meio internacional, uma série de instrumentos afetos a tutela em questão33.

No século XX, verificando-se a maior incidência do direito internacional junto aos ordenamentos jurídicos internos, inaugurado pela Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América de 194934, passando pela Convenção sobre a Diversidade Biológica de 199235, pela Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave/Desertificação de 199436, pelo Protocolo de Kyoto de 1997, culminando, dentre outros, na Convenção de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica de 200037.

É evidente que todo e qualquer tratado que vise à proteção dos direitos do ser humano, acaba por espraiar seus efeitos coletivamente, envolvendo a interação ambiental que é intrínseca a nossa espécie38.

Na América Latina, diante da riquíssima cultura do povo indígena, a ligação com a natureza se faz mais presente e real, momento em que, incorporando e ampliando o mito da Pachamama, diversos Estados assumiram um posicionamento de defesa do meio ambiente39

As Constituições da Bolívia40 e do Equador41 são verdadeiros paradigmas nesse sentido.

Aliás, na Bolívia, encontra-se vigente a Lei de Direitos da Mãe Terra42, cujo diploma lhe define como sendo um sistema vivo e dinâmico, formado pela comunhão indivisível de todos os sistemas de vida e os seres vivos inter-relacionados, interdependentes e complementares que compartilham um destino comum, centro da vida do povo indígena, a ela consagrando os mesmos direitos que os possuem os seres humanos que dela desfrutam!

Eis a mudança drástica e benfazeja de paradigma: respeito ao ambiente em que se vive, fulcrada na experiência vivenciada pela diversidade dos povos que compõe a América Latina!

Trazendo-se a lume a descrição proposta linhas atrás, tem-se a Colômbia que, por meio do sentimento emanado em uníssono pelo seu povo etnicamente plural, tem uma relação sacra com o café, reconhecendo a importância do aludido produto da natureza em sua formação e desenvolvimento, podendo-se citar, como exemplo da personificação do quanto mencionado, o lindíssimo Parque Del Cafe43, localizado em Montenegro, Departamento de Quindío.

Além de se preconizar a existência de um Estado Constitucional Socioambiental, desvela-se a necessidade de que o mínimo existencial seja qualificado pela ecologia44, entendendo-se essa interação45 como a que melhor propicia a dignidade da vida e sua necessária manutenção no planeta.

Nessa esteira, a questão do mínimo existencial vital deve também sofrer uma profunda e profícua alteração em sua composição, acrescendo-se o valor ecológico em sua conceituação, a fim de que, verdadeira e respeitosamente inseridos e imbricados como se um só fosse, homem, sociedade e natureza possam se autodeterminar, usufruir da liberdade sonhada, vivendo e convivendo dignamente, momento em que serão definitivamente afastados, por total ausência de espaço e pertinência, ideias de indiferença e de autoritarismo.

Conclusões

Depois de realizada análise não tão profunda quanto se gostaria, da temática envolvendo a intrincada questão relativa ao direito/dever fundamental de proteção ao meio ambiente como corolário da nova significação da dignidade humana, verificou-se a necessidade de revitalização do modelo estatal em vigência, bem como de toda a sistemática que o norteou (e ainda norteia), levando-se em conspiração o movimento constitucional que permeia a América Latina.

A par das dificuldades existentes, é inconteste o fato de que o Estado tem o dever fundamental e inafastável de fazer concretizar os princípios e objetivos da República estampados no seio do texto constitucional.

Não se pode negar a força hierárquica superior que possuem as normas constitucionais e, no âmbito destas, a importância e a amplitude daqueles regramentos basilares destinados à garantia dos chamados direitos fundamentais, verificando-se, em tal particular, que estes, com o advento da Carta Magna de 1988, passaram a ter eficácia plena e aplicação imediata, sempre no sentido de valorização humana e na busca incansável do pleno desenvolvimento da cidadania.

A viga-mestra do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro é o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, encartado no inc. III do art. 1º da Lex Major, elevando a pessoa, o ser humano, independentemente de qualquer característica individual, à condição de elemento imprescindível e indispensável à fomentação de um verdadeiro Estado Constitucional Democrático, derramando, ainda, seus efeitos perante princípios outros, de assaz importância na preservação e no atingimento de tal desiderato, como, por exemplo, o princípio da isonomia cravado no caput do art. 5º do referido compêndio basilar.

O direito fundamental ao meio ambiente, bem como o efetivo acesso a instrumentos que mitiguem tal impossibilidade de concreção, faz parte do chamado mínimo vital ecológico, ou seja, faz parte de um núcleo material indispensável e intangível, derivado da própria condição humana, de modo que toda a vez que o Estado deixa de cumprir com aquilo que é inerente a essência do homem, pode e deve ser responsabilizado por tais omissões ou descumprimentos.

A cláusula geral de proteção à pessoa humana torna necessário interpretar e aplicar o Direito, a partir do respeito pela diferença, possibilitando a coexistência pacífica de diversas concepções de vida, ciente dos que as distingue e as une.

A existência digna ou a existência do homem como sujeito, insubstituível, irrepetível e insuscetível de se tornar objeto, é preservada pelo Direito por meio de instrumentos vários, a fim de que não perca sua capacidade de autodeterminação e de ser sujeito, não sendo comparado a simples objeto da ação do Estado ou de terceiros.

O novo movimento constitucional latino-americano, nascido da dor das guerras e da exclusão, afirmar-se como importante norte a ser seguido pelo Brasil, a fim de que o pensamento basilar de 1988 volte a evidência e, com ele, o respeito a diversidade, ao meio ambiente e a dignidade que permeia toda forma de vida e, em especial, a humana.

A problemática em discussão somente terá a possibilidade de galgar solução juridicamente adequada, a partir do momento em que se emprestar, verdadeiramente, eficácia aos comandos constitucionais existentes, situação que pode ser aprendida com a experiência da América Latina e dos direitos de Pachamama, pois, do contrário, teremos, apenas e tão-somente, mero exercício de vã retórica.

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Recebido em: 21 de setembro de 2018.

Aceito em: 27 de novembro de 2018.

 

1 GASPARINI, Marcelo; RODRIGUES, Saulo Tarso. Dignidade da pessoa humana: na perspectiva do novo constitucionalismo latino-americano. Curitiba: Juruá, 2016, p. 64: “[...] Desta forma, a dignidade está em construção, onde projeta-se indispensabilidade de uma perspectiva (e, portanto, contextualização) histórico cultural da dignidade, onde infere-se que o significado de dignidade da pessoa humana está intimamente ligado ao respeito inerente a todo ser humano, mas existe além disso, seu ideário que relaciona-se com a contingência histórica e cultural, sujeitando-se à evolução do processo civilizatório, em cada tempo e lugar, razão pela qual não se acha determinada em dimensão absoluta. Por isso, é um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento, onde percebe-se que o reconhecimento de uma dimensão cultural apresenta dignidade ao valor intrínseco reconhecido ao indivíduo, mas valorado como uma conquista pela ação concreta de cada sujeito [...]”.

2 BITTAR, Eduardo. C. B. O Direito na pós-modernidade. São Paulo: Atlas, 2014, p. 94: “[...] A pós-modernidade, na acepção que se entende cabível, é o estado reflexivo da sociedade ante as suas próprias mazelas, capaz de gerar um revisionamento completo de seu modus actuandi et faciendi, especialmente considerada a condição de superação do modelo moderno de organização da vida e da sociedade. Nem só de superação se entende viver a pós-modernidade, pois o revisionismo crítico importa em praticar a escavação dos erros do passado para a preparação de novas condições de vida. A pós-modernidade é menos um estado de coisas, exatamente porque ela é uma condição processante de um amadurecimento social, político, econômico e cultural, que haverá de alargar-se por muitas décadas até sua consolidação. Ela não encerra a modernidade, pois, em verdade, ela inaugura sua mescla com os restos da modernidade. Do modo como se pode compreendê-la, deixa de ser vista como um conjunto de condições ambientais, para ser vista como certa percepção que parte das consciências acerca da ausência de limites e de segurança, num contexto de transformações, capaz de gerar uma procura (ainda não exaurida) acerca de outros referenciais possíveis para a estruturação da vida (cognitiva, psicológica, afetiva, relacional etc.) e do projeto social (justiça, economia, burocracia, emprego, produção, trabalho etc.) [...]”.

3 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente da compreensão dogmática do direito fundamental na pós-modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 15: “[...] Esta constatação implica a convicção de que os direitos fundamentais na pós-modernidade devem ter a função de proteger os cidadãos não apenas do Estado, mas principalmente de todos os centros que de diversas formas acumulem poder e realizem discursos fortes, cuja tendência seja a subjugação dos mais fracos. É possível vislumbrar uma novel função para a dogmática dos direitos fundamentais: a função de proteger a todos dos males intrínsecos ao mercado e inerentes ao modo de viver da maioria das pessoas nos dias atuais. Um destes males, e talvez o que mais largamente esteja sendo difundido, reside no conjunto de atos humanos que causam as modificações no clima da terra [...]”.

4 STÖRIG, Hans Joachim. História geral da filosofia. 2. Ed.. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, pp. 516-517: “[...] A doutrina sartreana impõe ao homem uma responsabilidade enorme. O homem só pode retirar-se do nada e se defender de sua ameaça incessante, desenvolvendo-se por si mesmo, por assim dizer puxando-se por suas próprias tranças. Ele sozinho é responsável por si – ninguém mais, em particular nenhum Deus: Sartre é ateu. E o homem não é apenas responsável diante de si e por si, mas sempre ao mesmo tempo diante do outro e pelo outro. Como os seus romances bem o demonstram, é no entrelaçamento indissolúvel entre o eu uno e todos os outros, ou seja, na intersubjetividade, que se enraíza a ética sartreana. Assim, é consequente que Sartre tenha se empenhado desde o princípio pelo conhecimento e pela configuração da vida social e da vida política [...]”.

5 SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 602: “[...] Começamos a entrever o paradoxo da liberdade: não há liberdade a não ser em situação, e não há situação a não ser pela liberdade. A realidade humana encontra por toda parte resistências e obstáculos que ela não criou, mas essas resistências e obstáculos só têm sentido na e pela livre escolha que a realidade humana é [...]”.

6 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 8: “Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a muda-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas “por um momento”. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos podemos ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas”.

7 KELLER, Rene J. Direitos emergentes e cidadania: as lutas sociais urbanas por emancipações no cotidiano do capital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 79: “[...] O gerenciamento da biografia pessoal passa a ser, ao menos ideologicamente, atividade exercida de modo plenamente individual, no sentido de que ignora mediações identitárias vinculadas ao aspecto puramente econômico. A concretização dos projetos pessoais independem de estratificações de largos grupos, como as classes sociais o são, pesando a responsabilidade sobre a particularidade do indivíduo. A pessoa individualizada acredita tão somente no próprio esforço como caminho à realização, abandonando e dissolvendo qualquer tentativa de apregoa-la em categorias rígidas que não lhe passam sentido algum”.

8 NOVAIS, Jorge Reis. A dignidade da pessoa humana. Volume II: Dignidade e inconstitucionalidade. Coimbra: Almedina, 2016, p. 104: “[...] Haverá violação da dignidade da pessoa humana quando alguém, independente das suas capacidades intrínsecas, de suas opções ou de seus actos, é desrespeitado na sua humanidade, ou seja, é tratado em termos que, de acordo com o sentido de justiça próprio do nosso tempo, evidenciam um não reconhecimento ou um desrespeito que denigrem a sua qualidade especificamente humana ou o seu valor de pessoa, ou lhe infligem uma humilhação potencialmente destrutiva de seu auto-respeito [....]”.

9 MOREIRA, Adriano. Ciência olítica. Coimbra: Almedina, 1997, p. 398: “[...] O internacionalismo, de conteúdo vago e de forma indecisa, parece ser a ideologia que dá cobertura a uma tal reinvindicação, embora não seja fácil entender porque é que se espera de uma autoridade supranacional, em relação aos direitos do homem, um comportamento mais aceitável do que aquele que se critica aos poderes tradicionais. Entende-se que duma tal autoridade, seja qual for a forma que revista, se espere que eliminará os conflitos tradicionais dos Estados e dos povos, pela circunstância da fusão dos interesses no bem comum geral. Mas nada deixa supor que os direitos do homem estarão mais ao abrigo dos atentados, nem que um tal poder não será capturado em favor em favor de setores privilegiados do mundo”.

10 MACHADO, Henrique Pandim Barbosa. Por uma Constituição Gaia: a busca de um novo modelo constitucional para os animais não humanos e para a natureza. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 77: “[...] Inaugurando o que tem se convencionado denominar de Novo Constitucionalismo Latino-Americano, a Constituição de Montecristi, como ficou conhecida, abre espaço para a rediscussão de cânones epistemológicos até então tido como absolutos.A Carta equatoriana é a primeira a romper ao menos duas grandes barreiras erguidas há muito pelo pensamento dominante lastreado no Iluminismo: a de que o homem é o senhor absoluto do mundo (antropocentrismo); e a de que o único conhecimento válido é aquele baseado nos fundamentos eurocêntricos renascentistas (na razão). Um ponto emblemático da Constituição demonstra tal constatação: o reconhecimento jurídico-constitucional dos direitos da natureza, ou direitos de Pachamama [...]”.

11 BOTERO J., Nodier. Guías filosóficas y semiológicas para estudiar la Constitución Política de Colombia. Armenia: Global Textos Ediciones, 2018, p. 74: “[...] Las tesis renovadoras para superar el paradigma moderno suponen el abandono del pensamento ‘abismal’ que aparece separado de las realidades concretas y formular, a cambio, una nueva teoria crítica de la sociedad, (una crítica de la razón indolente, la llama de Souza Santos), que nos haga replantear el principio de la emancipación y proponer una nueva teoria de la historia como respuesta a la revolución tecnológica, para superar las dicotomias tradicionales (civilizado/bárbaro; blanco/negro; norte/sur; igualdad/diferencia) y privilegiar al conocimiento como el vehículo obligado para cualquier processo emancipador. Así se podrán reformular nuevos princípios y valores y apuntar a unas metas culminantes que impliquen el replanteamento de la democracia en tempos de la globalización, reinventar la idea del Estado en clave igualitaria, solidaria y participativa y abrir nuevas posibilidades de intervenciones democráticas, nos dice Boaventura de Souza Santos. Por estas mismas vías críticas y epistemológicas podremos descifrar el simbolismo y la significación de nuevos valores de la modernidad que ahora han caído en la ambigüidad y el oscurecimiento conceptual ‘por un exceso del sentido que los neutraliza’. Estos son los principios para encontrar los nuevos significados de libertad, de igualdad, de autonomía, de subjetividad, de justicia, de solidaridad y las antinomias entre ellos [...]”.

12 ROCHA, Cláudio Hilsdorf; MACIEL, Ruberval Franco. Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorizações bakhtinianas. D.E.L.T.A., 31-2, 2015, p. 413: “[...] A acentuada ruptura com as noções de tempo, espaço e fronteiras que marca a atualidade vem afetando as bases do pensamento raciona lista cartesiano, ressaltando as ideias de complexidade e superdiversidade para explicar as práticas sociais e nossa constituição linguística, cultural e identitária, como discutem Kumaravadivelu (2012), Blommaert e Rampton (2011), entre outros teóricos. Por sua vez, conforme discorre Vertovec (2007), termos como a condição pós-moderna, modernidade tardia, superdiversidade, entre outras possibilidades, surgem para abordar os diferentes aspectos e condições que caracterizam o funcionamento das sociedades contemporâneas, evidentemente marcadas pelo fluxo transnacional, também associado aos impactos das tecnologias digitais de comunicação e informação [...]”.

13 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 56: “[...] Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades [...]”

14 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: 34, 2011, p. 23: “[...] Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas surgidos a partir da produção, definição e distribuição de risco científico-tecnologicamente produzidos [...]”.

15 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca do sujeito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 86: “[...] a atual preocupação com o descumprimento de comandos constitucionais num contexto intervencionista de necessidades impostergáveis e, consequentemente, de exigências irrenunciáveis, traduz-se em disposições de Constituições modernas (Constituição iugoslava de 1974, Constituição portuguesa de 1976, Constituição espanhola de 1978), cujo influxo foi sentido pela Constituição brasileira de 1988 [...]”.

16 GARGARELLA, Roberto. III. Doscientos años de constitucionalismo americano: los Estados Unidos y América Latina frente a frente. In: MALDONADO, Daniel Bonilla (Org.). El constitucionalismo en el continente americano. Bogotá: Siglo del Hombre, 2016, p. 157-194.

17 GARGARELLA, Roberto. III. Doscientos años de constitucionalismo americano: los Estados Unidos y América Latina frente a frente. In: MALDONADO, Daniel Bonilla Maldonado (Org.). El constitucionalismo en el continente americano. Bogotá: Siglo del Hombre, 2016, p. 157-194.

18 PEGORARO, Luiz Nunes; TOLEDO, Claudia Mansani Queda de; VILLELA, Diego Fernandes Cruz. A prestação deo serviço público de saúde pelas organizações sociais. In: PEGORARO, Luiz Nunes (Org.). Os 100 anos da positivação dos direitos sociais na Constituição Mexicana de 1917. Bauru: Renovar, 2017, p. 151: “[...] Ainda que focada apenas na regulamentação das relações de trabalho, a Carta mexicana de 1917 é considerada o marco do Estado de Bem Estar Social, pois foi a primeira a positivar direitos no sentido de proporcionar melhores condições de vida aos seus cidadãos, promovendo a igualdade entre eles. Nela, se encontra a regulação de matérias como a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a proteção da maternidade, a idade mínima de admissão nos trabalhos industriais e o trabalho noturno dos menores na indústria [...]”.

19 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 101: “[...] Os direitos econômicos, sociais e culturais identificados, abreviadamente, como direitos sociais, são de formação mais recente, remontando à Constituição de mexicana, de 1917, e a de Weimar, de 1919. Sua consagração marca a superação de uma perspectiva estritamente liberal, em que se passa a considerar o indivíduo para além de sua condição individual. Com eles surgem para o Estado, certos deveres de prestações positivas, visando a melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material”.

20 TOLENTINO, Zelma Tomaz; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Pachamama e o direito à vida: uma reflexão na perspectiva do novo constitucionalismo latino-americano. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 12, n. 23, p. 315-316: “[...]O termo pachamama é formado pelos vocábulos ‘pacha’ que significa universo, mundo, tempo, lugar, e ‘mama’traduzido como mãe. De acordo com vestígios que restaram, a Pachamama é um mito andino que se referente ao ‘tempo’ vinculado à terra. Segundo tal mito,é o tempo que cura os males, o tempo que extingue as alegrias mais intensas, o tempo que estabelece as estações e fecunda a terradá e absorve a vida dos seres. no universo. O significado ‘tempo’ advém da língua Kolla-suyu, falada pelos aborígenes que habitavam a zona dos Andes durante o processo de colonização. No transcorrer dos anos, com o predomínio de outras raças e de modificações na linguagem, pachamama passou a significar ‘terra’, merecedora do culto. Os aborígenes, antes do contato com os espanhóis, na língua Kolla-suyu, chamavam a sua divindade de PachaAchachi; depois substituíram a expressão ‘Achachi’ por ‘Mama’, designando mãe, talvez em razão da noção de ternura da Nossa Senhora, a senhora principal, decorrente da influência do catolicismo apregoado pelos colonizadores. Assim,na atualidade, há um consenso entre os autores que defendem que,entre os índios da Cordilheira dos Andes (Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Chile e Argentina), a Pachamama traz em si o sentido de “tierra grande, diretora y sustentadora de la vida.” (PAREDES, 1920, p.38). Pode-se entender que pacha significa o universo, o mundo, e mama significa mãe. Em outras palavras, Pachamama é uma deusa feminina que produz e que cria (QUIROGA, 1929, p. 215), seria a “Gaia, que, entre nosotros, se llamaPachamma y no llega de la mano de elaboraciones científicas, sino como manifestacióndel saber de la cultura ancestral de convivência com a naturaliza.” (ZAFFARONI, 2012, p. 113). Em suma, a terra é um organismo vivo, é a Pachamama dos índios, a Gaia dos cosmólogos contemporâneos. [...]”.

21 RBDA, Salvador, V. 11, N. 23, pp. 175-211, Set - Dez 2016, p. 199: “[...] El Código Civil y Comercial recientemente sancionado incorporó en el art. 240 los límites al ejercicio de los derechos individuales sobre los bienes y estableció “El ejercicio de los derechos individuales sobre los bienes mencionados en las Secciones 1° y 2° debe ser compatible con los derechos de incidencia colectiva. Debe conformarse a las normas de derecho administrativo nacional y local dictadas en el interés público y no debe afectar el funcionamiento ni la sustentabilidad de los ecosistemas de la flora, la fauna, la biodiversidad, el agua, los valores culturales, el paisaje, entre otros, según los criterios previstos en la ley especial.”. Esta norma guarda estricta relación y coherencia con la Ley General de Ambiente N° 25675 del año 2002. El artículo relativiza el ejercicio de los derechos individuales en función de la protección de los derechos de incidencia colectiva, que son aquellos que garantizan a la humanidad una vida digna y sustentable a futuro [...]”.

22 RBDA, Salvador, V. 11, N. 23, pp. 175-211, Set - Dez 2016, p. 201: “[...] Resulta innegable que los grandes simios, entre los que se encuentra el chimpancé, son seres sintientes por ello son sujetos de derechos no humanos. Tal categorización en nada desnaturaliza el concepto esgrimido por la doctrina. El chimpancé no es una cosa, no es un objeto del cual se puede disponer como se dispone de un automóvil o un inmueble. Los grandes simios son sujetos de derecho con capacidad de derecho e incapaces de hecho, en tanto, se encuentra ampliamente corroborado según la prueba producida en el presente caso, que los chimpancés alcanzan la capacidad intelectiva de un niño de 4 años. Los grandes simios son sujetos de derechos y son titulares de aquellos que son inherentes a la calidad de ser sintiente. Esta afirmación pareciera estar en contraposición con el derecho positivo vigente. Pero solo es una apariencia que se exterioriza en algunos sectores doctrinarios que no advierten la clara incoherencia de nuestro ordenamiento jurídico que por un lado sostiene que los animales son cosas para luego protegerlos contra el maltrato animal, legislando para ello incluso en el campo penal. Legislar sobre el maltrato animal implica la fuerte presunción de que los animales “sienten” ese maltrato y de que ese sufrimiento debe ser evitado, y en caso de producido debe ser castigado por la ley penal [...]”.

23 TJRJ, 47.ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, Processo n.º 0200124-64.2018.8.19.0001: “[...] Recebo a emenda de fls. 321. Retifique-se o polo passivo junto ao DRA. 2. Passo a reapreciar o pedido de tutela de urgência, em razão do aditamento da petição inicial que noticiou a aplicação de multa. 3. Como já salientado na decisão de fls. 295, a questão envolve a permanência de uma situação fática que foi tolerada durante anos nas dependências do condomínio, com a possível existência de regra de convenção proibindo a circulação de animais. 4. No entanto, melhor analisando os autos, verifico que não consta na Convenção do Condomínio qualquer vedação à circulação de animais domésticos o que, evidencia, a princípio, a abusividade da imposição da multa referida na notificação de fls. 343. Por outro lado, os documentos veterinários acostados referem o sofrimento do animal que, durante anos, circulou livremente pela galeria sem aparentemente criar embaraços a terceiros, mas está, atualmente, restrito a um pequeno espaço por força da ordem emanada pelo réu. 5. Assim, por entender que a plausibilidade do direito está demonstrada, a princípio, pela ausência de regra condominial que justifique a imposição da multa e que, de fato, o estresse provocado no animal poderá provocar a debilidade de saúde, com consequente sofrimento emocional do autor, seu proprietário, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar ao réu que se abstenha de impor e cobrar do autor ou de seus eventuais representantes as multas decorrentes da circulação do animal até decisão final desta lide, sob pena de multa equivalente ao dobro do indevidamente cobrado. 6. Cite-se e intime-se com urgência por OJA para cumprimento e oferecimento da contestação no prazo legal. Intimem-se [...]”.

24 Há que também se aplaudir a chamada acción de tutela (art. 86), exercida contra a violação de direitos fundamentais, de livre aforamento perante qualquer juiz da Colômbia. A par da explosão desse tipo de ação, a Corte Constitucional Colombiana tomou conhecimento da reiterada falha no que se refere a prestação de serviços estatais, reconhecendo-se, assim, situações de ECI, sendo a primeira de 1997 (SU-559, omissão dos municípios em filiar docentes ao Fundo Nacional de Prestações de Magistério), passando pela emblemática análise do sistema carcerário, em 1998 (Sentencia T-153), defendendo o direito da nominada “minoria indesejada”, além do conclamado caso do deslocamento forçado em 2004 (T-025).

25 INFORMATIVO STF 798, de 7 a 11 de setembro de 2015: O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativos 796 e 797. ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015

26 TARREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco; FREITAS, Vitor Sousa. Novo constitucionalismo democrático latino-americano: paradigma jurídico emergente em tempos de crise paradigmática. In: AVRITZER, Leonardo; et al (Orgs.). O constitucionalismo democrático latino-americano em debate: soberania, separação de poderes e sistema de direitos. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 107: “[...] O movimento de construção de um novo constitucionalismo na América Latina como expressão de uma luta ampla de negação dos efeitos perversos do direito moderno no continente não caminhou em uma única direção e não se deu de uma vez. Ele ainda está em desenvolvimento, experimentando soluções diferentes, e sobre ele incidem abordagens diversas [...]”.

27 NEME, Eliana. Limites constitucionais para a experimentação com animais: uma aplicação da dignidade da pessoa humana. Bauru: EDITE, 2006, p. 129: “[...] Pela análise do disposto na Constituição, com a apresentação de algumas breves considerações sobre o meio ambiente e sobre a importância dos animais na história de vida do homem, somos forçados a aceitar o fato de que os direitos de todas as espécies que vivem nesse planeta estão inexoravelmente interligados, muito embora tenham tido até agora proteção distinta. Sem dúvida temos que entender que apenas a simultaneidade de proteção desses direitos poderá estabelecer a proteção necessária para a preservação da vida nesse planeta. Essa concepção é razoavelmente recente, e por esse motivo os estudos sobre o tema também o são, prejudicando uma noção inquestionável de que o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado é componente do sistema de direitos humanos [...]”.

28 CLAVERO, Bartolomé. Derecho global: por una historia verosímil de los derechos humanos. Madrid: Editorial Trotta, 2014, pp. 208-209: “[...] Buen vivir es algo más y algo distinto a lo que suede entenderse por bienestar, en cuanto que base material necesaria para cualquier disfrute de derechos con dignidad y en libertad. Comienza por tomar en consideración la vinculación y dependencia entre humanidad y naturaleza para que la primera pueda subsistir y desenvolverse en tales condiciones de dignidad y libertad en común [...]”.

29 CANOTILHO, 1999, p. 362: “[...] Em terceiro lugar, não se trata apenas de direitos com um suporte coletivo – o direito dos povos, o direito da humanidade. Neste sentido se fala de solidary rights, de direitos de solidariedade, sendo certo que a solidariedade já era uma dimensão ineliminável dos direitos econômicos, sociais e culturais”.

30 Ibidem, p. 82.

31 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 89: “[...] Outro ponto importante na discussão acerca da relação entre dignidade humana e proteção do ambiente diz respeito ao reconhecimento da dignidade (e direitos?) das gerações humanas futuras. Com tal perspectiva, pode-se conceber o princípio da solidariedade numa dimensão intergeracional (mas sem desconsiderar a importância da solidariedade também no plano intrageracional), pois há um vínculo elementar na relação traçada entre o comportamento das gerações humanas contemporâneas para com o ambiente e os recursos naturais e a qualidade (ou mesmo viabilidade) da vida das gerações futuras [...]”.

32 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf

33 ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do ambiente da União Europeia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 55: “[...] Por sua vez, o efeito directo do Direito Comunitário do Ambiente significa que, pela sua primazia, o Direito Comunitário pode corrigir o direito nacional, aplicando-se em vez dele ou mesmo contra ele [...]”.

34 Decreto n.º 58.054, de 23 de agosto de 1966.

35 Decreto n.º 2.519, de 16 de março de 1998.

36 Decreto n.º 2.741, de 20 de agosto de 1998.

37 Decreto n.º 5.705, de 16 de fevereiro de 2006.

38 AZEVEDO, Plauto Faraco. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 134: “[...] De qualquer forma, o limite do sistema econômico atual é ecológico. Para superar a crise civilizacional presente, urge mudar de rota, no sentido de uma ecocivilização, em que, respeitando-se os direitos humanos, o homem se reconheça como parte da natureza, e não como seu senhor, que dela pode dispor a seu bel-prazer [...]”.

39 HERNÁNDEZ, Javier Gonzaga Valencia; FAJARDO, Alejandra Maria Aguirre; SARMIENTO, Melissa Ríos. Desafíos de la justicia ambiental y el acceso a la justicia ambiental en el desplazamiento ambiental por efectos associados al cambio climático. Revista Luna Azul, n. 41, julio-diciembre, Universidad de Caldas, Manizales, Colombia, 2015, p. 325: “[...] El tema ambiental cobra importancia y trascendencia en la sociedad actual, la cual todos los días es más consciente de la degradación ambiental que existe en el mundo y los efectos que produce sobre la población, generando consecuencias en la vida de las personas. Sin embargo y aunque en la actualidad el tema ambiental, tanto a nivel jurídico, social, cultural y económico há tomado gran auge y relevancia, no puede decirse por esto que este tema es de reciente discusión y análisis, pues desde 1960 [...]”.

40 Constitución Política del Estado. PREÁMBULO: “[...] Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia [...]”.

41 CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DEL ECUADOR 2008: “[...] Capítulo séptimo. Derechos de la naturaleza Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observarán los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema. [...]”.

42 TOLENTINO, Zelma Tomaz; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Pachamana e o direito à vida: uma reflexão na perspectiva do novo constitucionalismo latino-americano. Verdades do Direito, Belo Horizonte, v. 12, n. 23, p. 315: “[...] Pretende-se, com o tema “Proteção à Pachamama como instrumento da efetividade do direito à vida: uma reflexão na perspectiva do novo constitucionalismo latino-americano”, trazer uma reflexão acerca da proteção conferida à natureza como sujeito de direito e aos novos atores, pelas constituições da Bolívia, Equador e a Ley de Derecho de la Madre Tierra, como forma de garantir-lhes o efetivo direito à vida [...]”.

43 http://www.parquedelcafe.co/

44 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 28: “[...] O respeito e a proteção à dignidade humana, como acentua Häberle, reclamam o engajamento do Estado, no sentido de que a garantia da dignidade humana implica seja a todos assegurado um mínimo existencial material. Tais condições materiais elementares constituem-se em premissas do próprio exercício dos demais direitos (fundamentais ou não), resultando, em razão da sua essencialidade para a existência humana, em um ‘direito a ter e exercer os demais direitos’. Sem o acesso a tais condições existenciais mínimas, o que inclui necessariamente um padrão mínimo de qualidade ambiental, não há que se falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida digno. A garantia do mínimo existencial ecológico constitui-se, em verdade, de uma condição de possibilidade do próprio exercício dos demais direitos fundamentais, sejam eles direitos de liberdade, direitos sociais ou mesmo direitos de solidariedade, como é o caso do próprio meio ambiente [...]”.

45 HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o Século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, pp. 150-151: “[...] Além da guerra nuclear, nas próximas décadas o gênero humano vai enfrentar uma nova ameaça existencial que os radares políticos mal registravam em 1964: o colapso ecológico. Os humanos estão desestabilizando a biosfera global em múltiplas frentes. Estamos extraindo cada vez mais recursos do meio ambiente, e despejando nele quantidades enormes de lixo e veneno, mudando a composição do solo, da água e da atmosfera [...]”.

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ISSN: 2177-1499