O PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS AOS CATADORES: INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES TO SCARVENGERS: THE NATIONAL SOLID WASTE POLICY INSTRUMENT
Ítalo Wesley Paz de Oliveira LimaI
Talden FariasII
I Faculdades de Integração do Sertão (FIS), Serra Talhada, PE, Brasil. Mestre em Direito Econômico. E-mail: taldenfarias@gmail.com
II Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, João Pessoa, PB, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: taldenfarias@hotmail.com
Resumo: O presente trabalho objetiva demonstrar a importância de valorização dos serviços ambientais prestados pelos catadores de materiais recicláveis e a contribuição desse instituto para o espaço urbano. Este artigo inicia sua análise a partir da problemática dos resíduos sólidos ao passo que simultaneamente se aborda a Política Nacional de Resíduos Sólidos como diploma normativo visando solucionar as externalidades decorrentes da gestão insustentável desses resíduos. Posteriormente, se traz à baila as propostas teóricas de solução das externalidades ambientais e os instrumentos de política ambientais vigentes nas legislações atuais. Por último passa a se abordar o pagamento por serviços ambientais aos catadores de recicláveis e como este instituto pode ser essencial não apenas para a concretização dos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas também um importante fator de inclusão social e de proveito econômico e ambiental.
Abstract: The present work aims to demonstrate the importance of valuing the environmental services provided by recyclable waste pickers and the contribution of this institute to the urban space. This article begins its analysis based on the solid waste problem, while simultaneously addressing the National Solid Waste Policy as a normative document aimed at solving the externalities resulting from the unsustainable management of this waste. Subsequently, the theoretical proposals for the solution of environmental externalities and the environmental policy instruments in force in current legislation are brought to the fore. Finally, the payment for environmental services to recyclable waste pickers is addressed and how this institute may be essential not only for the achievement of the National Solid Waste Policy objectives, but also an important factor for social inclusion and economic and environmental benefits.
Palavras-chave: Resíduos Sólidos. Pagamento Por Serviços Ambientais. Catadores.
Keywords: Solid Waste. Payment For Environmental Services. Scavengers.
Sumário: Introdução. 1 A política nacional de resíduos sólidos no panorama da crise ambiental. 1.1 A crise ambiental e a proteção ambiental. 1.1 A problemática do lixo e a PNRS. 2 O pagamento por serviços ambientais para os catadores. 2.1 Instrumentos de política ambiental. 2.2 O pagamento por serviços ambientais para os catadores e a efetivação da PNRS. Conclusão. Referências.
1 Introdução
A problemática oriunda da má gestão dos resíduos acarreta um conjunto de externalidade negativas nas searas econômicas, social, ambiental e sanitárias, revelando a necessidade de mecanismos de atuação estatal no sentido de solucionar ou minorar os efeitos destas. A Política Nacional de Resíduos Sólidos traz no corpo de seu texto novos instrumentos jurídicos para promover a integração do Poder Público, empresários, consumidor e catadores de materiais recicláveis em promover uma administração adequada desses resíduos.
Ante a importância dos catadores nesse cenário, aquela política pública conferiu especial atenção a esse ator social, autorizando o uso de incentivos econômicos a esses atores sociais por meio do pagamento por serviços ambientais. A adoção desse instrumento traz importantes consequências sociais, econômicas e ambientais que justificam a sua adoção no sentido de concretizar o ideal de gestão adequada dos resíduos sólidos. O presente artigo tem por tema demonstrar que a aplicação do pagamento por serviços ambientais para os catadores de materiais recicláveis é uma forma a valorizar suas condutas ambientalmente desejáveis e importantes para a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A metodologia utilizada será a bibliográfica, empregando o método dedutivo, mediante a consulta de livros, artigos e documentos e visa atentar para o presente tema, que não tem recebido a devida atenção por parte da doutrina.
1 A política nacional de resíduos sólidos no panorama da crise ambiental
1.1 A crise ambiental e a proteção ambiental
O atual período histórico denota um estágio de crise ambiental e social sem precedentes, causadas por um conjunto de fatores de origem antrópica, e cujos efeitos mostram a necessidade de se compreender as complexidades que são próprias ao meio ambiente. Ao longo do século XX os desastres ambientais mostraram de forma inequívoca a dimensão globalizante dos problemas causados pela ação humana no manuseio dos bens e serviços ambientais e na ausência de administração ecologicamente acertada dos dejetos oriundos das atividades econômicas, provocando profundos desastres ao meio ambiente.
A importância do meio ambiente na atualidade se agiganta e se faz presentes nos mais variados aspectos da vida em sociedade e se constrói dentro de uma perspectiva aberta e marcada pela inviabilidade de conceitos interpretativos estáticos. O texto constitucional trouxe o meio ambiente enquanto vetor da tríplice proposição; a proposição de concretizar o “progresso do país”; a proposição de “progresso planetário”, entendido no sentido de promover a melhoria da qualidade de vida de todos os habitantes do globo; e a proposição de “progresso imaterial”, fortalecendo valores tidos por intangíveis, classificados pelo autor enquanto subprodutos da ética (BENJAMIN, 2012, p. 56). Nesse aspecto, o meio ambiente se encontra umbilicalmente ligado ao progresso e desenvolvimento da humanidade.
O legislador constituinte traçou dessa maneira, um conjunto de obrigações para o Estado (que embora não seja o destinatário único do dever de proteção ambiental, configura como o destinatário principal desse dever) de natureza administrativa e legislativa no sentido de assegurar a todos esse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (PÉREZ LUÑO, 2005 p. 214). Ampliando o entendimento do autor se pode afirmar que atualmente, a indissociabilidade entre os aspectos ambiental, econômico e social e da necessária interação entre estas searas para a superação do subdesenvolvimento, demandam do Estado e da coletividade adoção de estratégias, de forma a vincular a inclusão social enquanto elemento necessário e integrante da proteção do meio ambiente e da reformulação da economia.
O desenvolvimento da atividade industrial e do comércio se tornou fundamental em tornar a cidade novamente o centro da vida econômica, política e cultural, papel este que estava anteriormente relegado em virtude da presença de uma economia rural. Ao se proceder a essa urbanização, o tecido social se torna mais variado e complexo dentro da própria noção do valor da urbe. A cidade é guiada por conflitos entre o valor de uso e o valor de troca, cujo conflito se mostra essencial para se compreender o contexto de formação urbana, o seu processo criativo. Nesse aspecto, Lefebvre (2001, p. 14) enfatiza que “a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios de valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do uso.
Ao longo de sua formação, as cidades foram sendo objeto de toda espécie de concepções desde as relacionadas à dimensão religiosa (em que a urbe romana era sagrada e destinada à supremacia sobre o mundo) até a concepção contemporânea de cidades enquanto espaço público de dignidade. Essas concepções foram construídas, refletem o contexto histórico e a maneira bem peculiar os processos de acumulação de riqueza vigentes. O espaço urbano se converte, segundo Carlos (2004, p. 19) em:
[...] expressão e significação da vida humana, a história da cidade revela-a como obra e produto que se realiza como realidade espacial concreta cujo movimento é produto de um processo histórico cumulativo, revelando ações passadas ao mesmo tempo em que o futuro que se tece no presente e, nesta condição, revela nas possibilidades presentes na vida cotidiana.
Esses fatores foram determinantes para a utilização desenfreada dos recursos naturais e, por consequência, na produção de resíduos sólidos em uma escala cada vez mais constante. Na atualidade a gestão dos resíduos sólidos se apresenta, ao lado das mudanças climáticas, como um dos principais desafios para o Poder Público, especialmente nas cidades. Esse desafio ainda se faz presente em acontecimentos da história recente, a exemplo do acidente com a cápsula Césio – 137, em que a disposição incorreta de lixo hospitalar levou ao maior caso de acidente nuclear no Brasil.
Outro fator importante diz respeito à transformação dos hábitos de consumo em virtude da Revolução Industrial. O surgimento do modelo fordista de produção em massa mostrou a necessidade da criação de um mercado consumidor cada vez mais voraz e dinâmico, em que os padrões de consumo restritos às classes mais abastadas deveriam ser reproduzidos para as classes mais baixas. O ato de consumo, que sempre fora entendido enquanto ato voltado a “adquirir e utilizar bens e serviços para atender às necessidades”, passou a ser encarado enquanto força motriz de um novo ideal de progresso (LEONARD, 2011, p. 173).
A criação do consumo de massa foi o trunfo definitivo para que a emergente industrialização se firmasse e se expandisse. Nesse aspecto, cumpre se destacar o papel da obsolescência programada é definida como “redução artificial da durabilidade de um bem de consumo, para que induza os consumidores a adquirirem produtos substitutos antes do necessário” (MORATO LEITE E MORAES, 2013, p. 63), incutindo no consumidor a necessidade de aquisição do produto mais novo lançado pelo mercado, para a satisfação do prazer de demonstrar o seu status por meio da amplitude de seu poder de compra, induzidos pela publicidade cada vez mais sedutora.
Em suma, esse conjunto de fatores foi essencial para surgimento da deterioração das relações sociais, com a consequente substituição da interação entre sujeitos para a indução ao comportamento de deificação do consumidor abastado enquanto modelo que, afirma Baumann (2003, p. 90-91):
A vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis - não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de consumidores se baseia na comparação universal - e o céu é o único limite. A ideia de “luxo” não faz muito sentido, pois a ideia é fazer dos luxos de hoje as necessidades de amanhã, e reduzir a distância entre o “hoje” e o “amanhã” ao mínimo - tirar a espera da vontade. Como não há normas para transformar certos desejos em necessidades e para deslegitimar outros desejos como “falsas necessidades”, não há teste para que se possa medir o padrão de “conformidade”. O principal cuidado diz respeito, então, à adequação - a estar ‘sempre pronto’; a ter capacidade de aproveitar a oportunidade quando ela se apresentar, a desenvolver novos desejos feitos sob medida para as novas, nunca vistas e inesperadas seduções, e a não permitir que as necessidades estabelecidas tornem as novas sensações dispensáveis ou restrinjam nossa capacidade de absorvê-las e experimentá-las.
É dentro dessa realidade preocupante que se percebeu, ainda que tardiamente, a necessidade de proteção jurídica dos bens e serviços ambientais formulados a partir de um subsistema jurídico próprio (Direito Ambiental), que possa realizar um diálogo democrático, aberto e permanente com outros subsistemas do ordenamento jurídico e com outros campos da cognitividade, de forma a ampliar o leque de atuação não apenas em proteger o meio ambiente, mas em igualmente direcionar o uso dos recursos naturais em prol da sociedade.
1.1 A problemática do lixo e a PNRS
No aspecto ambiental, a produção e consumo em massa terminaram por converter a gestão dos resíduos sólidos em um dos principais problemas do meio ambiente urbano, na medida em que o controle dos ciclos inflacionários e a aumento do consumo trouxeram por consequência o aumento da quantidade de lixo produzido. Segundo a Agência Brasil2 entre os anos de 2003 e 2014 o aumento de vinte e nove por cento na geração de resíduos, em detrimento do aumento da população do período, que foi de seis por cento, traduzindo a produção de resíduos cada vez mais perigosos, e em quantidades maiores.
A essa realidade preocupante se soma a má gestão dos resíduos sólidos, que traz uma gama de efeitos deletérios nas mais variadas esferas notadamente na ambiental, econômica e social. O aumento constante na geração de resíduos sólidos igualmente mostra a incapacidade dos mecanismos sociais em administrar a disposição final daqueles de forma ambientalmente correta. A disposição inadequada do lixo traz, entre outras consequências, a contaminação dos mananciais de água e dos solos, a propagação de doenças e a degradação das condições sanitárias, além dos notórios prejuízos para a fauna e a flora.
Com o fulcro de mudar essa realidade foi promulgada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei nº 12.305/10), visando promover a destinação final ambientalmente adequada desses resíduos sólidos por meio de um conjunto de instrumentos que visam conferir maior concretude à proteção ao meio ambiente traçada pelo ordenamento jurídico pátrio.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos se encontra na esteira de outros diplomas normativos anteriores, a exemplo da Constituição Federal e da Política Nacional de Meio Ambiente sendo que esta última, visa reorganizar as práticas econômicas sem se olvidar das consequências sociais e a construção de um contexto ecológico para a economia (DERANI E SOUZA, 2013, p. 250). A integração com outras políticas socioambientais consiste em um marco da PNRS, não apenas por uma questão de lógica e de implementar a efetividade desta, mas igualmente em virtude do mandamento contido no art. 5º da lei nº 12.305/10, determinando a articulação desse diploma normativo com a lei nº 11. 445/07 (Política Nacional de Saneamento Básico) e a lei nº 9.795/99 (Política Nacional de Educação Ambiental).
Com vistas a concretizar a boa gestão e a disposição ambientalmente adequada dos resíduos sólidos a PNRS lança mão de dois importantes da logística reversa e da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Esses dois institutos trazem novos delineamentos para o Direito Ambiental e possibilitam não apenas a estender o espectro de proteção do meio ambiente, mas em abrigar novos agentes sociais até então marginalizados, para contribuir na promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme determinado no art. 225 do texto constitucional.
Por responsabilidade compartilhada se entende o instituto esculpido no caput do art. 31 da PNRS, determinando a responsabilidade de fabricantes, importadores, comerciantes, distribuidores, consumidores e titulares de serviços públicos pelo ciclo de vida do produto, de forma a possibilitar a destinação final adequada desses resíduos. A importância desse instituto se traduz em dois aspectos determinantes: o primeiro diz respeito à extensão do dever fundamental de proteção ao meio ambiente não apenas aos agentes produtores da cadeia econômica, mas igualmente ao consumidor. Consiste na responsabilidade de todos os agentes em promover o reaproveitamento dos resíduos para nutrir cadeias produtivas (art.30, par. único, II), e ao mesmo tempo estimular, entre outros, um modo de produção calcado no uso de materiais reciclados (art. 30, par. único, V).
Ainda que o consumidor seja o elo mais frágil dentro da cadeia de produção e consumo do produto ou serviço, justificando o reconhecimento deste sujeito enquanto vulnerável na relação de consumo, conforme o art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor, o caput do art. 225 da Constituição Federal dispôs a proteção do meio ambiente enquanto um dever imposto a todos os sujeitos, inclusive ao consumidor. Nesse aspecto, o consumidor deve abraçar a sua responsabilidade legal e constitucional e contribuir para a destinação ambiental adequada dos resíduos sólidos e na promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme ensina Filomeno (2013, p. 34):
Ora, e não é ele mesmo, o consumidor – todos nós –, na verdade, o maior produtor de resíduos, poluidor contumaz do ambiente, com a produção de toneladas diárias de lixo, bem como pela utilização de veículos além de produtos e serviços que lhe são deletérios?
Que saiba, portanto, ele, consumidor, em primeiro lugar, o que está ocorrendo à sua volta, qual a sua participação nesse processo e, principalmente, quais são suas responsabilidades para minorar o processo deletério.
A logística reversa (art. 3º, XII, PNRS) consiste no instrumento econômico e social que possibilita, por meio de uma gama de ações e procedimentos, a coleta e restituição dos resíduos sólidos de volta ao setor empresarial para o seu consequente reaproveitamento, seja na própria cadeia produtiva do produto, seja em outras cadeias produtivas. Por meio desse instituto, a PNRS destaca a necessidade de montar uma estrutura logística e operacional que, de forma efetiva, possa refazer o caminho dos resíduos de forma a serem novamente utilizados e concretizar a responsabilidade compartilhada do ciclo de vida dos produtos, e promover o reaproveitamento máximo dos resíduos em retroalimentar a produção de novos produtos, fixando assim um padrão produtivo ecologicamente mais eficiente.
A efetivação dos institutos da logística reversa e da responsabilidade compartilhada se tornam possíveis na medida em que a lei nº 12.305/10 traz uma inovação em perceber o problema dos resíduos não de maneira uniforme, em que tudo aqui que fora descartado consiste em material inútil e passível exclusivamente de descarte final nos aterros sanitários. A Política Nacional de Resíduos Sólidos entende a necessidade de que tais resíduos sejam reaproveitados de forma que possam se converter em instrumentos de inclusão social e de eficiência ecológica e econômica. Nesse aspecto, a PNRS inova percebendo os resíduos sólidos (art. 3º, XVI) sendo objeto de natureza diversa dos rejeitos sólidos (art. 3º, XV).
Os resíduos sólidos consistem no material, substância, bem ou material decorrente de atividade antrópica que, por seu estado, ainda é passível de ser utilizado novamente para suprir a cadeia produtiva de determinado produto ou serviço. A PNRS traz a percepção de seu reuso pelos agentes econômicos, e atribui a esses resíduos a sua valorização enquanto bem econômico (art. 6º, VII) de natureza estratégica. Não apenas por se reconhecer que esses bens possuem valor econômico, mas por terem igualmente um valor social e possibilitarem a geração de emprego e renda, devendo, portanto ser obrigatoriamente aproveitado. Já os rejeitos (art. 3º, XV da PNRS) consistem nos resíduos sólidos que por seu estado não podem ser reaproveitados (em virtude da impossibilidade tecnológica ou em virtude de inviabilidade econômica) não podem ser reaproveitados para o sistema produtivo.
Por possuírem natureza estratégica é que a legislação determina que os resíduos sólidos merecem um tratamento diferenciado em relação aos rejeitos. Aos primeiros, por possuírem esse valor e por serem passíveis de reuso na cadeia produtiva, deverão ser objeto de destinação final ambientalmente adequada (art. 3º, VII da PNRS), para que possam ser reutilizados, reciclados, recuperados, realizado o seu aproveitamento energético e, no caso dos resíduos orgânicos, estes serem passíveis de compostagem. Em suma, deverão ser reintegrados ao ciclo produtivo.
Igualmente cumpre se fazer a conceituação das formas de reintegrar os resíduos sólidos para a cadeia produtiva, especialmente a reutilização e a reciclagem. A lei nº 12.305/10 entende a reutilização (art. 3º, XVII) enquanto processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem que se procedam alterações na estrutura física, físico ou biológicas. Já a reciclagem (art. 3º, XIV) é o processo de transformação de resíduos que envolve alterações das propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas para transformar esses resíduos em outros produtos ou em insumos. A diferenciação destes processos se mostra importante na medida em que a própria PNRS traz, entre os seus objetivos no art. 7º, II a prioridade da reutilização sobre a reciclagem e definem bem a importância dos catadores como facilitadores da concretização dessa política pública.
Nesse aspecto, a profissão de catador não somente possui profunda importância dentro do contexto de gestão de resíduos sólidos, mas igualmente importância econômica e ambiental, sendo inclusive uma profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, possuindo seu próprio código na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO nº 5192-05). Segundo essa classificação, os catadores são os “trabalhadores da coleta e seleção de material reciclável são responsáveis por coletar material reciclável e reaproveitável, vender material coletado, selecionar material coletado, preparar o material para expedição, realizar manutenção do ambiente e equipamentos de trabalho, divulgar o trabalho de reciclagem, administrar o trabalho e trabalhar com segurança.”
Já os rejeitos, por sua inutilidade e/ou periculosidade (a exemplo dos rejeitos hospitalares, químicos e radioativos) deverão ser objeto de disposição final ambientalmente adequada (art. 3º, VIII da PNRS), minimizando seus impactos ambientais e evitando riscos à segurança e à saúde. Essa disposição final deverá ser em aterros sanitários, na medida em que a própria lei o elegeu enquanto local destinado à disposição final dos rejeitos da atividade humana, sendo que somente este último deve chegar ao aterro.
A integração desses dois institutos com outros instrumentos previstos ao longo da PNRS se converte em elemento essencial para se implementar a ecoeficiência (art. 6º, V da PNRS), entendida como a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos de produtos e serviços qualificados, reduzindo os impactos ambientais e o consumo de recursos e compatibilizar o fornecimento de produtos promoventes de qualidade de vida dentro de um ambiente de liberdade econômica, perfazendo dessa forma a questão de respeitos ao limites de renovação dos recursos da natureza.
Esse instrumento pode ser igualmente eficiente em promover uma cidadania ambiental por meio do aspecto social dessa política pública, valorizando atores sociais marginalizados, retomando a ideia de religar a percepção da economia dentro de um contexto ético, não necessariamente alinhado a uma abordagem meramente instrumental de produção de riquezas. Em suma, diz respeito a promover um ideal de desenvolvimento de um ciclo econômico que possa gerar a “modernidade inclusiva propiciada pela mudança estrutural.” (SACHS, 2008, p.13)
Essa reavaliação dos papéis de agentes marginais adquire um papel importante no âmbito da PNRS permitindo que uma gama maior de atores sociais possam contribuir para a proteção do meio ambiente e na solução da problemática dos resíduos sólidos não apenas com suas experiências, mas principalmente por meio de ações concretas em consonância com os ditames legalmente traçados. E nessa senda, o art. 7º, XII da lei nº 12.305/10 possibilita a inclusão dos catadores de materiais recicláveis enquanto segmento social necessário para a concretização do ciclo de vida compartilhado previsto expressamente nessa política pública.
O segmento dos catadores de lixo sempre se encontrou presente na realidade urbana brasileira, acompanhando o desenvolvimento do processo de urbanização do país e, apesar de serem essenciais dentro da estrutura das cidades, sempre foram considerados como pessoas de somenos importância, alvo de preconceitos e desdém por parte de certos setores sociais e do Poder Público. Igualmente apresentam uma realidade social marcada pela exclusão, sendo pessoas que “encontram nessa atividade a única alternativa possível para realizar a sobrevivência por meio do trabalho, ou pelo menos aquela mais viável no contexto das necessidades imediatas, dadas as restrições que lhes são infringidas pelo mercado de trabalho” (IPEA, 2013, 05-06). Ademais, o Brasil possui em torno de seiscentos mil catadores de materiais recicláveis (MNRC, 2010).
O contexto econômico atual veio a trazer à tona a importância do trabalho desenvolvido pelos catadores de resíduos para a sociedade em diversos aspectos a serem explicitados em momento posterior. Ainda sim, apesar de importante ainda consiste em uma atividade laboral profundamente marcada por um conjunto de vulnerabilidades injustificáveis perante uma sociedade em que o texto constitucional (art. 170, caput) determina que a Ordem Econômica se encontra fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por objetivo expresso que a economia possa proporcionar uma existência digna a todos.
Atento a esses fatos o legislador ordinário percebeu a importância dos catadores de resíduos dentro da PNRS, expressando em diversas passagens esse segmento social como um elemento necessário para se concretizar os novos instrumentos de política ambiental que foram disciplinados nessa lei. Dessa forma a lei nº 12.305/10 se traduz em diploma normativo que prestigia a indissociabilidade da questão econômica com o meio ambiente, ao mesmo tempo em que prestigia agentes sociais marginalizados em prol da concretização da sustentabilidade, entendida “não como mecanismo de controle ou regulatório, mas como condição de equilíbrio dinâmico entre as dimensões ambiental, social e econômica.” (SASSI; REIS; ANDRADE, 2012, p. 114)
Ante essa importância urge a concessão de incentivos ao catador de resíduos sólidos para que possam otimizar a sua atividade e dessa forma conferir uma maior concretude à PNRS.
2 O pagamento por serviços ambientais para os catadores
2.1 Instrumentos de política ambiental
A prática de atividades econômicas consiste na principal causa dos problemas que caracterizam o atual quadro de crise ambiental. Essas atividades geram efeitos colaterais que escapam da previsibilidade dos agentes econômicos envolvidos, perfazendo as chamadas externalidades, definidas como sendo custos ou benefícios que se transferem de certos personagens do sistema econômico para outros que não envolvidos na cadeia do produto. A existência dessas externalidades justifica a ação de do Estado na economia com o intuito de erradicar essas falhas de mercado ou minorar seus efeitos. Na atualidade duas propostas teóricas despontam no tratamento das externalidades.
A primeira proposta, trazida por Pigou (1968) aduz que as externalidades podem gerar efeitos positivos ou negativos para a coletividade. No primeiro caso a correção da falha de mercado passa pelo incentivo às atividades e agentes causadores dessas externalidades positivas; ou a pesada taxação nos casos negativos de forma a refletir de forma coerente os danos causados ao meio ambiente ou à coletividade, introduzindo o conceito de taxa pigouviana, a ser implementada pelo Estado.
Já a proposta de Coase (1960) se perfaz no caminho oposto defendendo que a melhor estratégia no trato das externalidades consiste em eliminar os custos de transação entre as partes para que possam negociar de forma livre a melhor solução para o problema, gerando dessa forma um resultado mais eficiente daquele proporcionado pela atuação do Estado.
É dentro dessa questão de tratamento das externalidades que as políticas ambientais (que no ordenamento jurídico pátrio se aproxima da perspectiva de Pigou) surgem como resposta estatal em preservar os bens e serviços ambientais. A perspectiva de proteção do meio ambiente tradicionalmente esteve ligada aos bens diretamente utilizados no ciclo econômico. E a literatura jurídico-econômica aponta dois tipos de instrumentos de proteção ambiental.
O primeiro consiste nos instrumentos de comando e controle e são os que realizam a proteção ambiental por intermédio da fixação de normas, regras e padrões de qualidade ambientais. São normas repressivas em que o descumprimento dos padrões de qualidade ambiental legalmente determinados implicam em sanções e “são veiculados por normas jurídicas cujas estruturas é aquela tradicional, composta da descrição de um comportamento tipificado como jurídico, havendo previsão de sanções pelo comportamento desconforme a este” (NUSDEO, 2012, p. 98-97).
Apesar de preponderantes, tais instrumentos sofrem profundas críticas acerca da sua eficiência na proteção ambiental, especialmente em três pilares. O primeiro diz respeito à sua burocratização, na medida em que se necessita formar um amplo aparelho burocrático com o objetivo de manter a atividade constante de fiscalização, atitude essencial para o bom êxito da proteção ambiental.
O segundo pilar aduz a deficiência na fiscalização, na medida em que muitas informações que servem de base para a fiscalização são fornecidas pelos próprios agentes econômicos, gerando uma “dependência do Governo em relação ao setor empresarial para a obtenção de informações relativas ao nível de emissão e às possibilidades de sua redução” (NUSDEO, 2006, p. 365). Por último, se critica a própria eficiência dessas normas em promover a mudança profundas nas práticas sociais e econômicas, em modificar as ações humanas poluidoras.
É nessa realidade cada vez mais complexa que foram concebidos os instrumentos econômicos são conceituados como sendo os que “atuam diretamente nos custos de produção e consumo dos agentes econômicos, cujas atividades estejam compreendidas nos objetivos da política” (MOTTA, 2000, p. 88-89), abandonando a lógica repressiva.
2.2 O pagamento por serviços ambientais para os catadores e a efetivação da PNRS
A natureza presta uma gama de benefícios indiretos gratuitos necessários para a manutenção da vida e para a economia. Esses benefícios são denominados de serviços ambientais e são conceituados enquanto “conjunto de processos ecológicos que dão sustentação à vida, por meio da manutenção de ciclos vitais da natureza, que mantém a base natural para a sobrevivência de diversas espécies” (NUSDEO, 2013, p. 12).
Apesar de sua importância, esses serviços foram ignorados, levando dessa forma à falsa percepção de gratuidade e de virtual infinitude. Esse mito da gratuidade dos serviços ambientais foi objeto de estudo, onde a valoração dos serviços ambientais seria estimada no valor de trinta e três trilhões de dólares (CONSTANZA; D’ARGE, 1997, p. 254) maior que o PIB mundial à época, justificando a proteção desses serviços pela ordem jurídica por meio do pagamento por serviços ambientais.
O pagamento por serviços ambientais é definido enquanto transação de caráter voluntário em que um ou mais adquirentes adquirem determinado serviço de um ou mais provedores, mediante remuneração monetária ou não, condicionada à sua prestação (WUNDER, 2005, p. 2). Em suma, consiste na utilização de um instrumento econômico que se presta a remunerar os agentes econômicos e sociais que voluntariamente contribuem na preservação dos serviços ambientais.
Esse instrumento, calcado na lógica econômica para a proteção ambiental, pode ser aplicado no incentivo aos catadores de resíduos sólidos, na medida em que a conduta destes (a catação de resíduos para a posterior reciclagem) consiste em um importante serviço ambiental prestado a toda a coletividade. O pagamento por serviços ambientais aos catadores de materiais recicláveis importa no reconhecimento e remuneração, por parte do Poder Público e da coletividade, de um serviço que já é devidamente prestado e usufruído por todos, mas que por uma falha de percepção, não é reconhecido e nem remunerado, fazendo com que esses agentes suportem de maneira desproporcional esse ônus.
Nessa esteira a lei nº 12.305/10 trouxe no bojo do art. 6º, II o princípio do protetor-recebedor, que justifica a remuneração das condutas ambientalmente desejáveis de forma a criar incentivos aos catadores de materiais recicláveis em promover a conservação do meio ambiente, ampliando dessa forma o espectro de proteção a este. Esse princípio professa lógica diversa do poluidor-pagador e, segundo Deon Sette e Nogueira (2010, p. 146):
Trata-se de um fundamento da ação ambiental que pode ser considerado o avesso do princípio usuário-pagador, que postula que aquele que usa um determinado recurso da natureza deve pagar por tal utilização. Sua aplicação destina-se à justiça econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente por uma população ou sociedade, e remunerando economicamente essa prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela.
A ideia de se premiar essas condutas benéficas é decorrente da função promocional do Direito, exposta por Norberto Bobbio que, analisando os aspectos do Estado Social, mostra as limitações do Direito em seu aspecto repressivo, focando o estudo do aspecto funcional do Direito, e desmistificando a coação enquanto elemento integrante do ordenamento jurídico. Por essa ótica a função promocional do Direito vislumbra a perspectiva das sanções premiais como forma de se alcançar os objetivos do ordenamento jurídico.
Em poucas palavras, é possível distinguir, de modo útil, um ordenamento protetivo-repressivo de um promocional com a afirmação de que, ao primeiro interessam, sobretudo, os comportamentos socialmente não desejados, sendo seu fim precípuo impedir o máximo possível a sua prática; ao segundo, interessam, principalmente, os comportamentos socialmente desejáveis, sendo seu fim levar à realização destes até aos recalcitrantes (BOBBIO, 2007, p. 15).
De forma idêntica, o art. 8º, IX da PNRS autoriza ao Poder Público o uso de instrumentos fiscais, financeiros e creditícios na gestão dos resíduos sólidos, autorizando a remuneração dos catadores de materiais recicláveis. A adoção do pagamento por serviços ambientais direcionados a esses atores sociais traz possibilidades de melhorias em diversas esferas da realidade, notadamente na econômica, ambiental e social.
No âmbito econômico, se pode destacar a economia, na construção e manutenção de aterros sanitários, retardando a construção de novos aterros e prolongando a vida útil dos existentes, gerando substancial economia ao erário. Ainda que constituam a opção do legislador para a substituição dos lixões, não só constituem uma controvérsia ambiental, como necessitam de elevadas somas de capitais para serem construídos e geridos. Não se deve olvidar que a reintrodução de materiais na cadeia produtiva do produto gera igualmente benefícios econômicos na economia de matérias primas e no gasto de energia, mediante o aproveitamento desse material reciclável em cadeias produtivas (art. 30, II PNRS).
Outro aspecto diz respeito à economia por parte do ente municipal na manutenção do serviço de coleta e tratamento do lixo, serviço esse corriqueiramente realizado por empresas. Visto que essas empresas têm o seu ganho baseado na tonelagem de resíduos que recolhem e despejam nos aterros sanitários, o pagamento por serviços ambientais aos catadores possibilita que somente os rejeitos sejam objeto de disposição final, na medida em que possam realizar uma triagem e separação de resíduos e rejeitos, e gerar uma economia para o ente municipal, pagando apenas pela tonelagem dos rejeitos. E essa economia só se realiza quando o Poder Público permite o amplo acesso desses agentes sociais aos resíduos de forma a proceder a separação e o aproveitamento.
A economia possibilita a concretização da logística reversa e por consequência, na responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Dessa forma, o pagamento aos catadores possibilita a compatibilização dos interesses econômicos e sociais dos atores do ciclo de vida (art. 30, I PNRS), e estimular a criação de um ciclo produtivo baseado em materiais recicláveis (art. 30, V PNRS).
E na sua contribuição social, além de reduzir as vulnerabilidades socioeconômicas dos catadores de materiais reciclados por meio da complementação da sua renda e da diminuição de sua fragilidade ante as volatilidades do mercado e das intempéries dos produtores de material reciclado (gerando empregos para mais de 600 mil catadores). Nesse aspecto, é salutar aqui se discorrer que o segmento dos catadores se encontra profundamente marcado pela baixa renda, sendo que o rendimento médio nacional desses é na faixa de R$ 571, 46 (quinhentos e setenta e um reais e quarenta e seis centavos) (IPEA, 2010). A essa baixa média de renda deve se somar as variações do preço do material no mercado, o baixo nível de escolaridade (onde 20,5% dos catadores se declaram analfabetos), sendo que o pagamento por serviços ambientais a esta categoria se revela um importante incentivo no sentido de complementar a rendas destes.
Com efeito, os catadores de materiais recicláveis são vítimas de práticas predatórias, principalmente em virtude da informalidade. Por não serem empregados, se encontram desprovidos de direitos trabalhistas e previdenciários. Além de trabalharem sem proteção legal, os catadores de materiais recicláveis igualmente trabalham em condições insalubres, sem a devida proteção sanitária e de segurança do trabalho. Em suma, faz do catador uma espécie de “gari desvalorizado”, pois trabalha com os resíduos oriundos de ações antrópicas, porém desprovidos dos direitos que os trabalhadores de limpeza urbana legalizados.
Outro aspecto oportuno diz respeito à volatilidade dos preços dos materiais recolhidos pelos catadores, na medida em que a sua situação de hipossuficiência socioeconômica, tornando-os reféns dos compradores dos materiais por aqueles recolhidos. Por último, o pagamento por serviços ambientais aos catadores de recicláveis pode ser utilizado como um incentivo às cooperativas e associações desse segmento.
Optando por convênios com essas pessoas jurídicas para remunerar os serviços prestados, o instituto do pagamento por serviços ambientais incentiva dessa forma o incentivo ao cooperativismo positivado no âmbito constitucional no art. 174, § 2º, e no art. 8º, IV da PNRS, e igualmente por questões práticas “eis que cooperativas conseguem operar de forma mais adequada no mercado, especialmente no comércio dos seus produtos com outras cooperativas e empresas” (ALTMANN, 2012, p. 321). Esse instituto deve vir de forma posterior a investimentos em infraestrutura física para cooperativas e associações de catadores (art. 42, III PNRS), como forma de iniciar essa prática e garantir a sua sustentabilidade a longo prazo.
Dois aspectos de suma importância devem ser abordados aqui: o primeiro, qual ente público responsável pela instituição e pagamento desses serviços e a forma de pagamento. Com efeito, embora todos os entes federativos (União, Estados e Municípios) possam instituir políticas de pagamento por serviços ambientais, no que concerne à realidade da gestão de resíduos sólidos, a lei nº 12.305/10 instituiu os Municípios enquanto protagonistas no tratamento da gestão daqueles resíduos. Nessa esteira, pode se entender que em sede de pagamento por serviços ambientais para os catadores deva ser implementado pelos municípios.
Com efeito, não consiste em novidade a situação de problemas financeiros pelos quais passam os Municípios brasileiros (em parte pela tradição patrimonialista de certos edis, em parte pelo pacto federativo que alijou esses entes de uma receita tributária mais sólidos), especialmente os pequenos, o que inviabiliza a eficiência desses pagamentos para a maioria das cidades, especialmente pequenas e médias. Dessa forma, urge que a União e os Estados criem políticas de pagamentos por serviços ambientais que contemplem repasses e assistência para os Municípios interessados possam, por meio de leis municipais, instituir seus próprios programas que contemplem o pagamento por serviços ambientais com regularidade mensal, de forma que a continuidade e o repasse mensal estimulem os catadores a melhor executar seus serviços.
Não se deve olvidar que a constância nos pagamentos não apenas incentiva os catadores a prosseguir com suas condutas e mesmo otimizar, gerando eficiência. Os catadores se convertem em figuras chave, determinantes para que todos os objetivos expostos na PNRS possam ser alcançados não apenas de forma mais célere e economicamente viável, mas também em promover uma inserção social de atores sociais importantes e que muito contribuem com a sociedade. É preciso reconhecer, ainda que em hora tardia, os méritos das condutas dos catadores. Portanto, os estímulos a estes se mostra imprescindíveis para o sucesso da PNRS.
Conclusão
A gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos passa necessariamente pela atuação do Estado em promover políticas públicas que possam corrigir as externalidades oriundas dos padrões insustentáveis de produção e consumo vigentes na sociedade atual. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, por trazer em seu bojo instrumentos econômicos de política ambiental se mostra um diploma normativo promissor em promover a sustentabilidade em uma realidade cada vez mais complexa.
A concretização dessa política pública passa necessariamente pelo incentivo aos catadores de materiais recicláveis, atores sociais tradicionalmente marginalizados, mas que podem formar a espinha dorsal para garantir a eficiência da logística reversa e da responsabilidade compartilhada do ciclo de vida do produto, formando assim uma cadeia produtiva mais assentada no reaproveitamento dos resíduos e gerando economia ao erário na administração dos aterros sanitários.
O pagamento por serviços ambientais consiste em um instrumento eficaz, e que deve ser integrado e continuamente aperfeiçoado, de forma a que nos momentos iniciais possa ter o caráter de assistência social para os catadores e, com o tempo, possa trazer um conjunto de arranjos institucionais que possam permitir que o seu caráter assistencial seja paulatinamente substituído e que esses trabalhadores possam, por meio de cooperativas e de associações, adentrar no empreendedorismo em parceria com o Poder Público e com os demais agentes econômicos. Apenas dessa forma, se poderá efetivar uma cidadania em prol desses atores e promover a concretização dos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
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Recebido em: 03 de outubro de 2018.
Aceito em: 06 de dezembro de 2018.
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