A QUESTÃO DO BEM: DO BOM AO JUSTO
THE QUESTION OF GOOD: TO GOOD TO FAIR
Edson Vieira Silva FilhoI
Débora Laís Santos CostaII
I Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), Programa de Pós-Graduação em Direito, Pouso Alegre, MG, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: evsilvaf@globo.com
II Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), Programa de Pós-Graduação em Direito, Pouso Alegre, MG, Brasil. Mestre em Direito. E-mail: deboralais.costa@gmail.com
Resumo: Utilizando o bem jurídico penal, fez-se uma investigação quanto ao bem observando sua forma clássica, por meio de filósofos como Platão e Aristóteles, e sua contemporânea. Analisou-se, também, o bem comum, até chegar ao ponto fulcral do trabalho, bem jurídico penal, para que seja possível entender este instituto, uma vez que seus valores modificaram durante o tempo até chegar na contemporaneidade. Assim, o objetivo está centrado no bem jurídico utilizando como norte suas – possíveis – crises em meio a uma sociedade que sempre está se transformando. Percebe-se que o bem jurídico penal salienta apenas uma comunidade, aqueles que estão à margem da sociedade padrão pós-moderna, fazendo com que o direito penal tenha uma clientela preferencial, e, por esse motivo, para solucionar tal discriminação é necessário que imponha a Constituição com seus princípios e direitos fundamentais. Para a análise do trabalho será feita uma investigação bibliográfica utilizando como norte filósofos clássicos e autores que tratam do bem jurídico penal.
Abstract: Using the penal legal asset, an investigation was made as to good observing its classical form, through philosophers like Plato and Aristotle, and its contemporary. It was also analyzed the common good, until reaching the crux of the work, penal legal asset, so that it is possible to understand this institute, since its values changed during the time until arriving at the contemporaneity. Thus, the objective is centered on the penal legal asset using as its – possible – crises in the middle of a society that is always transforming. It is perceived that the criminal legal right emphasizes only one community, those that are on the margins of the postmodern standard society, making that criminal law has a preferred clientele, and, for that reason, to solve such discrimination is necessary imposes the Constitution with its fundamental principles and fundamental rights. For the analyses of the work will be done a bibliographic investigation using as a north classic philosophers and authors that write about the penal legal asset.
Palavras-chave: Criminologia. Questão do bem. Bem Jurídico Penal.
Keywords: Criminology. Matters of Good. Penal Legal Asset.
Sumário: Introdução. 1. A ideia de bem. 2. O bem comum e suas aproximações com o bem jurídico. 3. O problema do bem jurídico penal. Conclusão. Referências.1
Introdução
No princípio era o Verbo. Não é por acaso que a palavra foi o princípio e também não é simples coincidência o fato de que o Verbo deu origem ao ser-que-é. Assim, todas as coisas estão no mundo em (de)pendência do nome que se lhes deu, que se lhes dá e que se lhes dará. O bem e o mal representam, pois, sentidos diversos e antagônicos do próprio Verbo.
Quando se pretende pensar a chamada crise do direito penal ou se ele de fato está em crise, é preciso tomar em consideração o problema que identifica a crise ou, ainda, demonstrar se tal problema é realmente o ponto nevrálgico da situação crítica. Ao que parece, é a ideia de bem jurídico que norteia o próprio sentido do direito penal, da sua necessidade e dos seus limites.
Mas, em linhas introdutórias, já se pode dizer que se crise há e se o estopim é a concepção de bem jurídico neste momento histórico, tal crise não é um fato inédito, já que o conceito de bem jurídico, atrelado por óbvio, ao conceito de bem (a antítese do mal) esteve presente em todas as sociedades históricas, na antiguidade, no medievo e na modernidade.
Esta se mostra a hipótese que se põe a discutir. Antes, contudo, é de bom tom analisar o sentido do que se atribui a vexata quaestio: o problema do bem.
Uma investigação quanto a definição de bem relaciona o com a ideia de valor e por ser um valor entende-se que este está em constante modificação, isto pois, ele está associado as sociedades. Percebe-se que as sociedades, principalmente as pós-modernas estão em constantes transformações e por isso seus valores também se alteram.
Com isso em mente, deve-se observar conceitos clássicos de bem, como os usados em Platão e em seu discípulo Aristóteles, para que a pesquisa seja mais profunda e traga elementos basilares.
Entretanto, o objetivo do trabalho é uma análise quanto o bem jurídico penal, e por esse motivo analisa-se especificamente tal bem jurídico e com ele é visto também suas crises, ou possíveis crises, uma vez que o papel da sociedade modificou, concebendo um novo tipo de comunidade.
Durante os estudos será observado que o papel do homem nas relações feudais diferenciava-se e muito do papel dele após o surgimento do capitalismo e com isso as definições de valores mudaram. Foi-se necessário, então, modificar os conceitos de bens jurídicos.
O homem, possível autor de uma infração penal está, no direito contemporâneo, em um cenário diferente daquele que infringia as leis do senhor feudal, isto pois, com o início do capitalismo e do Estado Liberal, seguindo a evolução histórica, trouxe um homem com anseios criados pelo Estado e que deviam ser suprimidos.
Com a contextualização histórica que será feita a seguir, pode-se perceber que os personagens da elite se modificam, entretanto, eles sempre existem, e faz com que haja os marginais a sua cultura, ou seja, aqueles que não podem ser inseridos na comunidade elitista e por isso são associados como comunidades de segunda classe.
Esses marginais, aqueles que estão à margem da comunidade elitista, são discriminados por suas características, fazendo com que o Direito Penal passe a ter uma clientela preferencial.
A solução para este impasse seria a utilização dos princípios da Constituição como norte para a solução dos casos, uma vez que princípios como o devido processo legal, igualdade, não discriminação, entre outros, abaixaria o número de prisões ilegítimas e com isso reduziria a movimentação da máquina do judiciário.
1 A ideia de bem
Para iniciar a investigação acerca do bem jurídico é necessário que haja uma definição de bem, primeiramente, analisando de forma geral, passando para a especifica, e, para cumprir a tarefa é interessante trazer para o estudo filósofos clássicos como Platão e seu discípulo Aristóteles, além de pensadores contemporâneos, isso para fundamentar os estudos que serão apresentados a seguir.
Assim, para fazer a análise do bem em sua forma geral, deve-se primeiramente trazer o conceito técnico da palavra, o qual é adjetivo que caracteriza as ações do ser humano dando-lhe um caráter de viés moral.
Existem outros significados com nuances diferentes, entretanto, de forma genérica, percebe-se que o centro de bem está no ato de desenvolver positivamente ações que visam o indivíduo e/ou a comunidade.
A ideia de bem se apresenta, dessa forma, como um ato benéfico a comunidade, e este é o norte que será utilizado para as considerações no decorrer do estudo, isto pois, o Direito Penal deve-se atentar a comunidade como um todo2.
Continuando com a conceituação de bem, quando observa a definição de bem comum, elaborada por Norberto Bobbio, estabelece-se que existe uma relação entre este bem e a vontade geral da comunidade, ou seja, uma definição subjetiva que elabora sobre as vontades coletivas da sociedade. Entretanto, aqui, encontra-se a possibilidade de integração da sociedade para atingir um fim comum.
Finalmente, este conceito manifesta uma exigência que é própria de toda sociedade organizada, claramente evidenciada pela ciência política: sem um mínimo de cultura homogênea e comum, sem um mínimo de consenso acerca dos valores últimos da comunidade e das regras de coexistência, a sociedade corre o risco de se desintegrar e de encontrar sua integração unicamente mediante o uso da força. O Bem comum representa, pois, a tentativa maior para realizar uma integração social baseada no consenso, embora este conceito, elaborado por sociedades agrícolas e sacralizadas, não consiga se adaptar satisfatoriamente às sociedades industrializadas e dessacralizadas.3
Pode-se dizer que bem é a forma abstrata de bom, a sua face concreta. É, portanto, bem o que está de acordo com aquilo que deve-ser4, ou seja, a identidade entre ser e dever-ser. Desaparece, com a apreensão do sentido do bem, a distância (no plano do real imaginário) entre o que é e que o que deve-ser. Bem é a perfeição do ser: é válido sempre o tradicional exemplo segundo o qual uma árvore sem frutos é boa, se, em determinado tempo, ela não os deve ter.
O bem se apresenta como uma estrutura ideal e harmônica entre o ser-de-fato e o seu ser-ideal. E isso remonta já a Platão e Aristóteles, quando descrevem o bem sempre por referência a uma tendência: bonun est quod omnia apetunt. Essa tendência está em todos os seres, de modo que o bem consiste na atualização das virtualidades inscritas na natureza dos mesmos seres5. Sendo esta uma questão de ato e potência de Aristóteles, que discorre sobre a imobilidade e o movimento das coisas, isto pois, o filósofo observou Heráclito de Éfeso e Parmênides para construir seu pensamento que a existência de algo é relacionada ao ato, enquanto que a potência é apenas a capacidade de existir6. O bem, assim, aparece como aquilo que é perfeito7.
A ideia do ser contém a ideia do bem, portanto são coincidentes, não como qualidade, atributo ou propriedade do outro, mas como uma unicidade de essência e sentido, pois, isso leva à conclusão de que todo sujeito é bom, uma vez que o ser é bom, isto pois o bem consiste, como já se disse na coincidência daquilo que é como o que deve-ser8.
Adentrando nos filósofos deve-se perceber que Platão, discípulo de Sócrates, e pensador da segunda virada filosófica9, onde as questões do mundo devem ser procuradas dentro de si10 e com isso em mente observa-se que para este filósofo o bem está relacionado com a sabedoria.
O prazer, não a percepção, é o tópico em análise no Filebo, mas bastante é dito acerca da percepção ao longo da discussão [...]. Prazeres e dores têm conteúdo cognitivo; a percepção é a fonte deste conteúdo. Sócrates descreve um tipo de prazer que pertence à alma. Este tipo de prazer depende da memória, que, por sua vez, é definida em termos de percepção. A percepção é o movimento que ocorre quando a alma e o corpo são afetados conjuntamente (34a3-5). A memória é a preservação da percepção. Em ocasiões particulares, a memória e a percepção inscrevem palavras (logous) em nossa alma (39a1-7). Ademais, as experiências perceptivas também frequentemente dão origem a quadros que correspondem às inscrições verbais. Sócrates explica como isso ocorre: “uma pessoa faz seus juízos e asserções diretamente da vista ou de um outro sentido e então vê̂ nele as imagens desses juízos e asserções” (39b9-c2; trad. Frede). As inscrições e os quadros associados são verdadeiros se dão uma exposição correta; falsas, se não. Esta é uma exposição complexa e provocativa da vida cognitiva humana. Ela entrevê a transformação da informação perceptiva em uma forma verbal, assim como a retenção de características sensíveis. As últimas espelham as características da percepção original.11
Em Aristóteles, nota-se que, mesmo ele sendo um filósofo que vive na mesma época que Platão e por esse motivo, deveria participar dos mesmos movimentos que seu mestre, volta a cosmologia12, ou seja, procura a explicação do universo na natureza como os pré-socráticos. Assim, para Aristóteles todas as coisas tendem ao bem e elas têm um local natural, e o local do homem é na polis, tendendo então, para a política, isto é, para o filosofo o bem é o exercício da atividade política para o homem que vive em comunidade.
Essa é a posição da filosofia clássica. Porém, a filosofia contemporânea tenta separar a esfera ontológica da axiológica, vale dizer, a do ser e a dos valores. Desse modo, os seres são, mas não valem; os valores valem, mas não são. Isso, evidentemente, relativiza os valores, deslocando-os para um plano idealista, que só se vai poder explicar ontologicamente, o que leva a um paradoxo. O problema é que essa esfera ideal não possui consistência fora do sujeito que a pensa e projeta.
É que o sentido clássico de valor reside na ideia de bonum, que desde Platão e Aristóteles, surge como a expressão perfeita para que tendem os seres que não realizam perfeitamente a sua essência. Platão localizou no termo de sua dialética ascensional a ideia de bem, que era como o sol de cuja luz todos os demais seres participam13, de certa forma, o bem está para além do ser, uma vez que é a fonte de todos os seres. Aristóteles e a escolástica (em especial, a agostiniana) prolongam a especulação platônica, corrigindo o realismo das ideias. Em Espinoza, o racionalismo reduziu o bem e o valor à inteligência: amor Dei intellectualis14.
A contemporaneidade, com Lotze, Rickert, Windelband, Max Scheler e Johanes Hessen, apenas para citar alguns, separou o ser do valor, identificando a noção de bem com a de ser, de maneira tal que o bonum já não tem o poder de revelar o ser na sua plenitude. A noção clássica de bonum, portanto, pode ser repensada a partir da filosofia dos valores, porém, no campo do direito, isso se torna mais complexo, pois pode abrir um perigoso espaço para a livre atuação jurisdicional em torno do que é um bem e do que não é15.
O trabalho tem o objetivo de centralizar-se no bem jurídico16, e desse modo, encontra-se necessária a definição de tal instituto, assim, percebe-se que este bem especifico foca-se em algo que se mostrar como relevante durante uma certa época na história, ou seja, transformações sociais modificam valores, que por sua vez, alteram o que é entendido como bem jurídico17.
A CONSTITUIÇÃO COMO HORIZONTE AUTENTICO: na verdade, ao referirmos a característica da essencialidade para a vida do homem em comunidade (para a sua realização enquanto ser individual-social), de que um valor se deve revestir, para poder ser considerado bem jurídico, salientámos sempre o facto da vida humana estar espaço-temporalmente situada e, assim, afirmámos a historicidade desses valores. Deste modo, não se podendo encontrar um conceito natural de crime, válido para todos os tempos e lugares, a determinação dos bens jurídicos-penais terá de ser determinada pelo contexto histórico-social de cada comunidade. Terá sempre de se atender às reais condições da sociedade em causa, seu ambiente valorativo, à sua concepção de estado (...).18
Dentro do Código Civil de 1916, percebe-se que, uma vez sendo um código que beneficiava a propriedade, o bem jurídico entendido como importante para a sociedade da época eram as relações patrimoniais19.
Houve, então, uma significativa mudança na sociedade fazendo com que a promulgação de outro Código Civil fosse necessária, assim, em 2002, pós-Constituição de 1988, foi-se criado o novo Código Civil. Percebe-se que o bem jurídico passa da propriedade para o indivíduo, isto pois, segue o norte da Constituição de 1988.
A esteira do texto constitucional, que impõe inúmeros deveres extrapatrimoniais nas relações privadas, tendo em mira a realização da personalidade e a tutela da dignidade da pessoa humana, o legislador mais e mais condiciona a proteção de situações contratuais ou situações jurídicas tradicionalmente disciplinadas sob ótica exclusivamente patrimonial ao cumprimento de deveres não patrimoniais. 20
O bem jurídico penal, tal como toda a legislação, passou por uma transformação com a Constituição de 1988, isto pois, ela resguarda direitos e garantias de um Estado Democrático e Social de Direito, ou seja, ela tem como objetivo o ser humano.
Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático (e social) de Direito (art. 1o, III), a CF de 1988, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do próprio Estado e do exercício do poder estatal, reconheceu categoricamente que o Estado existe em função da pessoa humana, e não o contrário. Da mesma forma, não foi por acidente que a dignidade não constou do rol dos direitos e garantias fundamentais, tendo sido consagrada em primeira linha como princípio (e valor) fundamental, que, como tal, deve servir de norte ao intérprete, ao qual incumbe a missão de assegurar-lhe a necessária força normativa.21
Após a segunda guerra mundial, as Constituições centralizaram seus direitos em indivíduos, deixando o patrimônio e a propriedade em segundo plano, e como reflexo disso, todos os códigos infraconstitucionais modificaram-se para se relacionar com a Constituição Cidadã.
Trazendo a análise do bem jurídico a ceara penal observa-se que em um primeiro momento ele estava vinculado a atos que iriam contra as divindades, se relacionando com o entendimento católico de pecado22.
Ao se entrar no iluminismo percebe-se que o centro do direito e do racionalismo23 da época como um todo está baseado nas ideias e por esse motivo observa-se uma mudança do bem jurídico daquilo que iria contra as divindades a lesão de direitos subjetivos.
O conceito de bem jurídico somente aparece na história dogmática em princípios do século XIX. Diante da concepção dos iluministas, que definiam o fato punível como lesão de direitos subjetivos, Feuerbach sentiu a necessidade de demonstrar que em todo preceito penal existe um direito subjetivo, do particular ou do Estado, como objeto de proteção. Binding, por sua vez, apresentou a primeira depuração do conceito de bem jurídico, concebendo-o como estado valorado pelo legislador. Von Liszt, concluindo o trabalho iniciado por Binding, transportou o centro de gravidade do conceito de bem jurídico do Direito subjetivo para o “interesse juridicamente protegido”, com uma diferença: enquanto Binding ocupou-se, superficialmente, do bem jurídico, Von Liszt viu nele um conceito central da estrutura do delito. Como afirmou Mezger, “existem numerosos delitos nos quais não é possível demonstrar a lesão de um direito subjetivo e, no entanto, se lesiona ou se põe em perigo um bem jurídico”. 24
Atualmente, observa-se o bem jurídico penal, de acordo com Schünemann25, relacionado com o contrato social, ou seja, os cidadãos devem conviver em harmonia26 e para isso o Estado tem a legitimidade de impor.27
2 O bem comum e suas aproximações com o bem jurídico
Diz-se do bem comum que é o bem próprio de toda a sociedade, que é, em verdade, um fim visado por todos, podendo-se, desde logo, afirmar que a noção de bem comum é analógica, como o é a de sociedade. A ideia de bem comum está umbilicalmente ligada à perspectiva política e social de uma comunidade, tem origem teológica, como aliás, todos os conceitos, mas passou por um processo de secularização28, mormente a partir do século XVII.
Algumas considerações em torno do tema são importantes, uma vez que é possível dizer que a ideia de bem jurídico se aproxima de bem comum, e, de certa forma é também analógica, como o próprio conceito de Direito. Para tanto, veja-se que a ideia de bem comum é dinâmica, pois tal é vivido no presente, ao mesmo tempo em que se estrutura no passado e se projeta no futuro. Pode-se dizer que tem um sentido de historicidade, como condicionado e condicionante da história29.
Importante para este estudo é demonstrar que existe um nexus veritatem entre o bem comum e a sociedade, constituindo uma espécie de sistema, tal qual o nexo de verdade entre o bem jurídico e o direito penal formando outra espécie de sistema. Daí que se pode inferir uma tríade: bem comum/jurídico – sociedade – direito penal30, na qual convergem todas as grandes questões da convivência humana e também todos os problemas que rodeiam não apenas a sua efetiva promoção, mas até mesmo a sua exata compreensão. Na verdade, essas dificuldades derivam mesmo da natureza muitíssimo peculiar da sociedade, o que é de difícil captação e compreensão para o espírito humano.
Des’arte nega-se tambem á sociedade a força de crear direito. Pela hermeneutica ella póde explicar o conteudo das disposições legaes; pelo desenvolvimento das idéas póde descobrir theses já existentes, mas não expressa nem imediatamente anunciadas. Mas não pode nunca por autoridade própria crear ou abrir mão de preceitos juridicos. Somente á lei inhere a força productora do direito.31
E, pois, é de se ver que bem comum não é particular, como bem jurídico penal não é bem privado. E as dificuldades mencionadas se manifestam em especial nessas questões controversas entre o público e o privado, ainda que ligados entre si, uma vez que o bem comum visa e resulta do bem dos membros de uma sociedade, podem apresentar-se de forma desproporcional e mesmo antagônica. É o caso, por exemplo, de se saber qual bem deve ser sacrificado ou qual deve ter o primado.
No tocante ao bem comum, os autores divergem, ao menos quanto à sua formulação, privilegiando, alguns, o aspecto pessoal-individual do bem comum e outros, o aspecto comunitário. Não se pode privilegiar a universalidade do primado do bem comum, a que este, com efeito, só tem lugar quando os bens em conflito pertencem a mesma ordem, estando no mesmo plano. Fora isso, privilegiar-se-á o bem axiologicamente superior, o qual, em muitos casos, será o bem da pessoa individual, uma vez que esta, por não ser apenas parte do todo social, não lhe está incondicionalmente subordinada. Assim, nenhuma exigência do bem comum justificará que alguém proceda contra a própria consciência; nem seria verdadeiramente bem comum aquilo que degradasse a vida em sociedade32.
Desta forma, enquanto de um lado aproximam-se, bem comum e bem jurídico penal, de outro distanciam-se. Nenhum bem jurídico que tutele a degradação da vida em sociedade pode estar em uma Constituição de um Estado Democrático de Direito (aqui, eles se aproximam); um bem jurídico, no entanto pode valer (ou, o que é o mesmo, estar inserido na Constituição) ainda que force alguém a agir contra a própria consciência, isto também porque direito e moral não se confundem33 – ao contrário da ideia de bem comum que é moral por natureza – e porque a consciência é individual, não importando ao direito se tal e qual mandamento raspam os cânones religiosos, morais, enfim, todos aqueles que constituem o homem-pessoa, enquanto subjetividade.
Por exemplo, o bem jurídico, vida, está plenamente tutelado pelo direito nacional contemporâneo. Se alguém, por ditame de consciência, de religião, moral ou qualquer outra razão, achar que é imperioso antecipar a morte (eutanásia), nem por isso, poderá fazê-lo, porque estaria violando um bem jurídico tutelado pelo direito: a vida humana. A comiseração, o sentimento pessoal, assistir a agonia de um ente querido constitui vicissitudes da vida. O homem não pode ultrapassar os limites do direito, que é interdição por natureza. Enfim, a moral não é suficiente e de certa forma tudo pode permitir34.
Desse modo, observa-se que o bem encontra suas raízes em preferencias fundamentais, como: vida, saúde e autonomia. Bobbio, Veca e Pontara desenvolvem o tema quando afirma que as três preferencias fundamentais correspondem “[...] perfectamente a los tres tradicionales derechos fundamentales a la vida, a la salud y a la propria autonomia”, são elas:
1- la preferencia a estar en vida antes que la de n estar em vida (exeptuando determinadas situaciones em que la murte es claramente inevitabile, y por ello preferir no morrir no es razonabile); 2- la preferencia a no ser sometido, más que a ser smetido a graves sufrimentos gratuitos, o sea, encontrarse más bienque no encontrarse em um estado de satrisfacíon de aquellas que son generalmente reconocidas como nuestras necessidades basicas (incluida a necessidad de uma cierta necessidad de movimineto); 3- la preferencia de poder estabelecer las proprias particulares preferencias de modo autónomo y buscar su satisfaccíon sin verse sometido a amenazas de frustracíon de estas preferencias fundamentales, o sea, sin amenazar la propria vida, la propria salud y la propria autonomia.35
Observa-se, assim, que a concepção de bem recebe contornos especiais quando se trata de um modelo constitucional aberto e compromissório, entretanto, não se delimita a isso, passando, assim, frente a uma proposta de Estado em que as promessas da modernidade devem ser efetivadas para a consecução do fim do Estado de Direito Social e democrático.
Independente dos novos contornos, a grande contradição que, ainda, deve ser superada, está no fato do regime de produção que funciona como matriz deste Estado, sendo o capitalismo, onde tem uma lógica essencialmente excludente, de acumulo de riquezas e assujeitador, a qual propicia ao sistema a reprodução do domínio inclusive como mecanismo de retroalimentação.
Em vistas de tal sistema capitalista excludente, encontra-se a marginalização de setores predispostos à dominação pela lógica da produção36, que comprometem a legitimidade do sistema. Utilizando, novamente, os autores Pontara, Veca e Bobbio, quando estes discorrem sobre a justiça em Ralws, tem-se que:
Afirma empiezo a plantear mis dudas acerca de la compatibilidad de um estado capitalista com la concepcíon especial de la justicia, examinando el primero de los principios en que se articula esta concepcíon, o sea, el principio de liberdad.37
Se a proteção de bens é um dos fins do Estado Moderno cabe ao direito penal uma forma de proteção mais contundente de determinados bens, mais preciosos e ao lado dos quais devem-se montar guarda firme38. Assim, o direito penal ao encontrar fundamentos de sua existência na proteção de bens – não se tratando daqueles de qualquer natureza39 –, devem-se ser definidos os contornos do bem jurídico penal.
Assim, posta em linhas gerais a questão do problema do conceito de bem jurídico e demonstrado o fato de que a crise do direito penal está vinculada – se não só – também às controvérsias em torno da delimitação do conceito de bem jurídico penal, necessário considerar como se instaurou a dita crise, pelo menos, aquela que veio a afetar o direito penal da contemporaneidade.
O apego dos juristas ao conceitualismo e o desenvolvimento de uma tensão entre o direito penal e a filosofia no século XIX é o nascedouro da problemática, cujos contornos vão se alterando por todo o século passado e no início deste. A criação de categorias jurídicas próprias e a ilusão paradisíaca dos juristas com o mundo dos conceitos foi um start para um ir-e-vir na construção da ideia de bem jurídico.
Ao se analisar o conceito de bem jurídico – sendo, este, penal ou não – observa-se que se trata de algo valioso, o qual é efetivamente reconhecido na ordem jurídica como bem digno de tutela especial. É necessário notar, entretanto, que tais valores têm relação intima com a matriz do Estado, e por serem construções históricas e contextualizadas, assim, com as transformações sociais elas se alteram de acordo com o tempo e o lugar, onde encontram a sua razão de ser40.
Sendo a experiência jurídica uma das modalidades da experiência histórico-cultural, compreende-se que a implicação polar fato-valor se resolve, a meu ver, num processo normativo de natureza integrante, cada norma ou cada conjunto de normas representando, em dado momento histórico e em função de dadas circunstancias, a compreensão operacional compatível com a incidência de certos valores sobre os fatos múltiplos que condicionam a formação dos modelos jurídicos e a sua aplicação. 41
Ressalta-se que o bem jurídico tem o seu conceito atrelado ao objeto especifico do crime. Entretanto, isto limita sua definição colocando na esfera normativa ou positivada, sem a preocupação com a amplitude constitucional, que efetivamente permite sua contextualização como valor social, passível de ser tratado de forma adequada ao desenvolvimento da sociedade42.
Assim, o valor observado é considerado além de sua perspectiva histórica, em um Estado com o qual possui uma relação de intimidade constitutiva, ultrapassando a expectativa individualmente considerada e validada adquirindo a validação definitiva, enquanto valor jurídico expresso e consequentemente defendido pelo Estado, que promove a ordem positivada43. Desse modo, observa-se no horizonte do valor do bem jurídico encontra a realidade político social, como matriz do sistema jurídico, os antecedentes penais e elementos de mudanças futuras44.
Com isto em vista, entende-se que o conceito de bem jurídico surge da definição de bem, indo em um crescente até que aquilo que é bom, valioso e desejável invade a esfera pública, ansiando um manto especial de proteção. Porém, deve-se relembrar que a conceituação de bem jurídico se transforma agregada as mudanças sociais no tempo e espaço, além de se alterar com a concepção de público e privado e nos limites de intervenção daquele na liberdade de formação deste. Machado dá ênfase à necessidade de consideração do homem enquanto indivíduo concreto, histórico e social, para a construção do bem jurídico em perspectiva constitucional45.
Observa-se que Ricardo Jacobson afirma que como é cediço o bem jurídico, tal termo foi utilizado pela primeira vez por Birnbaun46.47 Vários sãos os conceitos possíveis e postular uma crítica seria como tecer o manto de Penélope. Entretanto, como meio ilustrativo serão utilizadas duas definições, segundo Jeschek e Weigend, no livro de Ricardo Jacosbsen: “el bien juridico constituye el punto de partida y la idea que preside la formación del tipo”48.
Utilizando a modernidade como referência da definição de bem jurídico é natural que este seja adequado a uma proposta de Estado centrada no positivismo, individualismo e liberalismo, elaborando uma ideia de bem jurídico tendentemente intervencionista em relações privadas, gestor de uma generalidade e de dicotomias próprias da racionalidade moderna. Desse modo, o bem jurídico, com intuito de manter a ordem e o progresso, tutela condutas de risco social49.
Isso assim, por tal referência ser própria a um Estado (Moderno) gerido por uma constituição ordenadora e estruturante, destinada a propiciar terreno de crescimento para as benesses que viriam naturalmente da modernidade, através de promessas de evolução social nunca antes experimentadas50.
O bem jurídico penal em tal perspectiva assume uma função de defesa do modelo de Estado (e sociedade) fundado no liberalismo, no individualismo e no sistema de produção burguês, de seus valores e destinado à sua perpetuação e reprodução.
Este primeiro momento satisfaz a ansiedade de proteção especial do patrimônio acumulado/apropriado. O universo de envolvidos no fenômeno criminal é facilmente delineável. Autor e vitima assumem a forma de indivíduos e os conflitos sociais são tratados como se individuais fossem, nota-se assim o Estado como defensor do cidadão de bem.
Para fazer tal afirmativa é necessário que se entenda com facilidade para a defesa das violações morais, em busca da defesa da moral de uma sociedade que não deixou de ser vitoriana51, e que, frequentemente, chama o direito penal para preservar costumes e comportamentos sociais adequados. A defesa da honra, do respeito aos mortos e da autoridade também assumem lugar no rol de bens, indevidamente, tutelados pelo direito penal.
3 O problema do bem jurídico penal
O conceito de bem jurídico52 nasce como resposta a um mal infringido ao corpo social, reconhecido como valor negativo de uma sociedade, a ponto de provocar uma reação orgânica contra o indivíduo que afronta ao valor positivo, praticando uma ação valorada de forma negativa.
Entretanto, mostra-se urgente a reflexão sobre o mal, ele visto não como entidade metafisica ou transcendente que está além do tempo, espaço e história, e sim, como manifestação profunda, constante e inafastável de uma historicidade, isto pois, torna-se tentador responder questões quanto o mal em locais teoricamente criados, e, por esse motivo, abstratos. Assim, este ponto deve ser analisado dentro da vivencia real de um quotidiano imperfeito53.
[...] na verdade, é através do direito penal, tendo em vista aquilo que ora nos interessa, que as sociedades politicamente organizadas ‘distribuem’ as penas, logo distribuem um mal, porquanto, queiramo-lo ou não, a pena não pode deixar de ser vista como um mal, não obstante os fins que se podem prosseguir com a inflicção desse mal podem ser sustentados e legitimados através das mais nobres e sólidas razões. ... com efeito, como compreender um instrumento essencial de realização de nossa vida social que quer evitar o mal do crime – porque o crime, não esqueçamos, também é um mal – levando a cabo o mal da pena? este é o punctum crucis da problemática do mal quando olhado e valorado a partir do direito penal. daí que o nosso olhar para com o direito penal seja lucidamente doloroso porque consciente do inextricável absurdo que depois em paradoxo e que o tem acompanhado desde sempre. 54
O bem jurídico, conceito tratado a partir de então, assume uma importância diferenciada, em especial na esfera penal, a partir da ruptura com o conceito ontológico de crime. A partir da nova concepção de delito, e de função da pena, surge a necessidade de se questionar sobre a ausência de uma política criminal a nortear o caminho a ser trilhado pelo Estado na contenção de ações tidas como relevantes na esfera penal. Com a confusão de fim do direito penal e fim das penas, Andrade discorre que:
[...] as escolas liberais clássicas se situavam como uma instancia crítica em face da prática penal e penitenciária do ancien régime, e objetivavam substituí-la por uma política criminal inspirada em princípios radicalmente diferentes (princípio da humanidade, princípio da legalidade, princípio da utilidade). 55
A partir deste momento há uma questão a ser pensada: como tratar os miseráveis iguais materialmente. Todos servos do mesmo senhor ou de senhores que em essência são os mesmos frente a um novo Estado conquistado por uma nova classe social ascendente, que propugnava pela queda da monarquia, pela ascensão do livre trabalho e da igualdade56, tanto formal como material.
Em uma sociedade que despreza os valores mundanos, com os olhos voltados para valores metafísicos, tal qual o medieval, como seria possível falar de um ente abstrato, até agora desconhecido pelo menos na vida terrena: a liberdade57.
Para tratar do bem jurídico em sua concepção mais atual é necessário que se proceda a ruptura dos vínculos com realidades ontológicas como as de Hans Kelsen quando afirma que “[...] um valor absoluto apenas pode ser admitido com base em uma crença religiosa na autoridade absoluta e transcendente de uma divindade [...]”58, um metafísico forjado, que dista do jusnaturalismo (clássico), resultado de um método de elaboração racional de um sistema jurídico.
Encontramos a solução na proposta do Estado Moderno, levantado e dirigido pela classe burguesa, que traz promessas de estabilidade e riqueza, bem como as suas expectativas de continuidade do bem-estar e de prosperidade para todos, diferentemente da miséria medieval, distribuída igualmente para todos.
A liberdade dos servos veio com a morte dos senhores das terras e estes foram extintos com o nascimento do capitalismo59 que, por sua vez, deu origem ao nascimento dos novos senhores, os burgueses.
Tendo ou não conhecimento do fato, a partir daí se moldava naquele instante, o embrião capitalista preparava-se para nascer e proteger-se, através de vários instrumentos postos a seu serviço e que, gradativamente, fomentou a nova forma de Estado igualitária, liberta e fraterna, recém-proposta.
A burguesia então trata de proteger a estrutura gerada (e geradora) de sua matriz fundamental, fazendo surgir em um movimento circular (no sentido de retroalimentação) um direito penal patrimonialista, destinado a manter os ideais da sociedade individual liberal burguesa, sacrificando todos (e tudo) aquilo que se lhe interpusesse no caminho.
[...] enquanto a tensão entre regulação e emancipação foi protagonizada no paradigma da modernidade, a ordem foi sempre concebida numa tensão dialética com a solidariedade, tensão que seria superada mediante uma nova síntese: a idéia da boa ordem.60
O delito visto antes como sendo uma prática desvalorosa em sua essência, em sua natureza, passa a ser entendido como construção racional, própria da matriz do Estado Moderno, firmada com bases nas ciências exatas e constitui em sua essência uma categoria que abrange todo movimento que atenta contra o Estado Liberal individual burguês e seus valores. É o passo dado do ontológico para o lógico (sistemático, empírico e testificável)61. Em um processo evolutivo a criminologia crítica, em busca da superação de uma realidade carente de justificação humanística, tem por meta estudar a variedade de instrumentos de controle social instituídos pela criminologia correcionalista com um paternalismo despótico62, gerando, com isso, um conformismo que, ou contém, criminaliza ou ainda, que forma um homem sem vontade ou o excluí, rotulando-o. Qualquer das opções o excluí de uma possível ameaça ao sistema de produção e a sua reprodução.
Para a manutenção de uma estrutura de domínio é imprescindível que sujeitando o indivíduo (selecionado para ser) atingido pelo Sistema Penal, torne-se ele mais vulnerável e mais dócil, servindo aos fins do Estado que o subjuga através deste mecanismo que, agregado aos outros superestruturais, forma o perfeito escudo defendido de manutenção de domínio.
Assim, as diversas formas de criminalização, como a primária e secundária assumem papéis interessantes no controle social feito pelo Sistema Penal. A primária, que equivale ao lançamento do rótulo, ou seja, à primeira inserção oficial no status de criminoso é feita pela condenação, enquanto a secundária corresponde à subsocialização decorrente dos efeitos trazidos pelo rótulo já posto, que se reforça dia a dia com novos rótulos sobrepostos.
[...] a teoria do labeling approach se coloca criticamente em face do princípio da prevenção ou do fim, e em particular em relação à ideologia oficial do sistema penitenciário atual: a ideologia da ressocialização. De fato, ao recorrer à diferença entre desvio primário e desvio secundário, as teorias da criminalidade baseadas no labeling approach contribuíram para a crítica dos sistemas de tratamento, com um princípio teórico fundamental para esta crítica, que lança luz sobre os efeitos criminógeneos do tratamento penal e sobre o problema não resolvido da reincidência.63
Uma vez violado o ato qualificado, e sendo o indivíduo tangido pelo sistema altamente seletivo, está ele rotulado como tendo um comportamento desviante. O primeiro rótulo foi posto. A partir de então, já identificado como desviante pelo sistema, passa ele a ser visto com olhos diferentes e a seleção, que se dirige a classes, raças, regiões e, principalmente a rotulados, o tem na alça da mira como um dos alvos a serem perseguidos.
Desse modo, o estigma está lançado, levando o indivíduo a ser alvo de um patrulhamento especial, já que sua conduta é tida como oficialmente desviante, o que o impele para que se direcione a grupos formados por seus pares, ou seja, os outros desviantes subsocializados, que além de se submeterem às regras postas, acabam por criar e sujeitarem-se às metas regras adequadas ao grupo, de acordo com o grau de subsocialização criado pela segregação em questão64.
O grupo, diferente e naturalmente hostil, é facilmente controlado como algo ameaçador e não como algo resultante de uma sociedade plural, a ser absorvido, incorporado e adequado ao corpo social.
Assim, a criminalidade não seria simples comportamento violador da norma, mas “realidade social” construída por juízos atributivos, determinados, primariamente, pelas meta-regras e, apenas secundariamente, pelos tipos penais: juízes e tribunais seriam instituições determinantes da “realidade”, mediante sentenças atributivas de qualidades aos imputados, com estigmatizarão, mudança de status e de identidade social do condenado. Desse modo, a criminalidade seria um “bem negativo” distribuído socialmente em processos protagonizados por sujeitos-autores de comportamentos definidos como desviantes e sujeitos-detentores do poder de definir tais comportamentos como desviantes - uma categoria de funcionários especializados recrutados de determinados estratos sociais e representando, preponderantemente, determinadas constelações de interesses e valores.65
A teoria da sociologia do desajuste, taxada por Cirino como “politicamente limitada e historicamente confusa”66 sem dúvida, útil para um esquema de dominação que busca preservar a estrutura de uma sociedade de classes, principalmente quando analisada de forma mais objetiva e crítica com o novo objetivo de denúncia social dos abusos de poder.
O proletário, fragilizado, como mão-de-obra produtiva, torna seus membros em um corpo dócil, pouco resistente, temente às normas que tendem a reger moral, costumes, submissão, fugindo da igualdade material.
A crença no Direito Posto, além do temor a ele, faz com que a oferta de trabalhadores servis seja maior, já que os desvios estão sujeitos aos rótulos e isso implica afastamento do sistema de produção ou busca de subempregos ou mão-de-obra informal.
Acontece que o direito posto não é absoluto, não nasce do ideal e nele subsiste de forma autônoma em um lócus imaginário onde existe o vir-a-ser. Entretanto, analisando o direito penal, que não é uma abstração dos jurista, e que por isso mesmo não é apenas técnica, mas antes uma manifestação do modo-de-ser daqueles que estão dentro da licitude e dos que estão fora, “simultaneamente limite e fundamento do ‘eu’ com o ‘outro’ e por aí, de igual jeito, fundamento e limite de todo o poder socialmente organizado”67.
Como analisado, percebe-se a mudança no cenário mundial com o surgimento do capitalismo, e, eventualmente, o Estado Liberal. O bem jurídico individual de tal Estado foi desgastado pela crise de legitimidade, sendo necessário, assim, uma reconstrução a parir da adequação do direito aos bens jurídicos penais constitucionais no paradigma da Constituição transformadora de 1988.
Entende-se desse modo, que a Constituição elaborada na redemocratização do país, apresenta direitos e garantias focados no indivíduo, assim, exprime princípios que visam conceder a esses indivíduos, que são vistos como novos sujeitos após a ditadura militar, normas que estabelecem a igualdade, presunção da inocência, dignidade da pessoa humana, entre outros.
Entretanto, deve-se perceber que isso não faz com que os bens jurídicos de ordem diversa continuem surgindo e ainda estejam presos a questão moral quanto a finalidade do direito penal, e, como se guia uma política criminal frente ao velho e ao novo, que não se relacionam em uma dinâmica de superação, mas sim de adição.
Estas duas racionalidades estão ligadas a dois padrões de bens jurídicos diferentes, aqueles de ordem liberal individual, burguesa e os ligados aos delitos supra individuais, tanto no que tange o autor como ao ofendido.
Conclusão
A dificuldade no novo tipo de delito, defendido sim por uma previsão de bem jurídico, está na incapacidade de superar a especificação do autor como indivíduo – como Caim e Abel, Tício e Caio –, em definir a vítima também como alguém imediatamente qualificável.
Existem o autor e as vítimas, mas não são caracterizáveis de plano e não ostentam as lesões com a clareza própria dos crimes de sangue. A extensão dos danos, difícil de ser medida confunde-se com a proposta da tutela de condutas de risco, naturais de uma sociedade de risco.
O problema não está no risco ou no dano concreto, mas em aquilatar-se a extensão dos danos resultantes da conduta e liga-los a uma vítima individual. A própria dinâmica do acobertamento ideológico pede para que se aumente a cortina de fumaça sobre o assunto.
É necessário que se respalde na Constituição para conter o Direito Penal, que encontra uma certa clientela preferencial, e com isso em mente age de maneira preconceituosa para com uma única classe de comunidade que estão para além da margem da sociedade pós-moderna contemporânea.
Assim, a Constituição consegue suprir tais excessos, por meio de seus princípios que regem todas as normas infraconstitucionais e todos os atos dos funcionários públicos. Percebe-se a necessidade, então, de se restringir a ordem constitucional.
Deve-se observar que a atual Constituição brasileira surgi de um novo contexto social, político e jurídico, qual seja os neoconstitucionalismos, isto pois, com o fim da segunda guerra mundial e as atrocidades ocorridas nos campos de concentração foi necessário a criação de um aparato legislativo que barrasse tais barbáries. E assim, com a implementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos o princípio da dignidade da pessoa humana passa a se estabelecer em um patamar superior.
Na Constituição de 1988, observa-se que no núcleo duro de normas encontra-se um regramento que visa resguardar direitos e garantias do indivíduo. Estando presente nas cláusulas pétreas não há meio de se modificar, ou seja, o governante não tem legitimidade e/ou capacidade de modificar tais princípios dando garantias aos cidadãos de que seus direitos fundamentais não serão retirados por um presidente tirano.
Entretanto, percebe-se que os princípios basilares da Constituição não alcançam a clientela preferencial do direito penal, uma vez que se é utilizado a última ratio como primeiro mecanismo viável para tais indivíduos.
Com isso em mente, a proteção penal baseada na última ratio discrimina aqueles que têm as características da clientela preferencial, e com isso, o direito penal não se limita pelos princípios da Constituição, que visa, a igualdade no preambulo e no início dos direitos fundamentais, sendo estas cláusulas pétreas.
Assim, observa-se que o princípio da subsidiariedade, ou seja, onde o direito penal deve ser utilizado como último instrumento possível para a solução do problema, não se mostra eficaz, isto pois, utiliza-se do direito penal como primeira resposta para a maioria dos problemas encontrados na sociedade.
A sociedade brasileira de modernidade tardia encontra no encarceramento prematuro a solução para a alta criminalidade da sociedade. Entretanto, a reeducação e reinserção do condenado a sociedade apresenta grande dificuldade, isto pois, o indivíduo passa por mudanças psicológicas negativas.
Sendo assim, necessária a observância das normas da Constituição, da utilização de seus princípios e principalmente do princípio da subsidiariedade, para que não ocorram prisões de apenas certos indivíduos e que sejam feitas por meio dos procedimentos corretos, devido processo legal, estabelecidos na Constituição.
Referências
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Recebido em: 17 de outubro de 2018.
Aceito em: 5 de dezembro de 2018.
2 “O fato é que o bem jurídico enquanto norte de um direito penal funciona como sendo limitador de arbitrariedades. A concepção formal da norma como pedra angu-lar do sistema penal (como a de Binding) faz crer que o crime seja a infração à nor-ma, não do direito penal, mas do direito público. Assim a norma penal seria tão so-mente uma ordem, não motivada, e não o resultado da tutela de um bem jurídico, o que cria um sistema parcial e arbitrário”. LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Pe-nal. Campinas: Russell, 2003, p. 97.
3 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: UNB, 1998, p. 107.
4 É necessário observar que a expressão dever-ser, no trabalho, não tem o sentido de imperativo moral, e sim de exigência ideal.
5 Em ética a Nicômaco temos que o conceito de bem confunde-se com o de boa vida, que é alcançada pelo bem agir, que resulta na felicidade (eudaimônia). A virtude, habito que se aprimora através do exercício de bem agir, acaba se confundindo com uma segunda natureza. A felicidade, fim do homem, é encontrada no agir virtuoso, e tem sua realização na contemplação das verdades maiores (ciência e filosofia) alcançáveis independentemente de bens materiais.
6 “O ato é o existir de algo, não porém no sentido em que dizemos ser em potência: e dizemos em potência, por exemplo, um Hermes na madeira, a semi-reta na reta, porque eles poderiam ser extraídos, e dizemos pensador também aquele que não está especulando, se tem capacidade de especular; mas dizemos em ato o outro modo de ser da coisa. O que queremos dizer fica claro por indução a partir dos casos particulares, pois não é necessário buscar definição de tudo, mas é preciso contentar-se com compreender intuitivamente certas coisas mediante a analogia. E o ato está para a potência como, por exemplo, quem constrói está para quem pode construir, quem está desperto para quem está dormindo, quem vê para quem está de olhos fechados mas tem a visão, e o que é extraído da matéria para a matéria e o que é elaborado para o que não é elaborado. Ao primeiro membro dessas diferentes relações atribui-se a qualificação de ato e ao segundo a de potência”. ARISTÓTELES, Metafisica. Tradução de Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2015. v. II, p. 410 – 411.
7 Se, como já em Aristóteles e na escolástica, o bem se refere a uma tendência ou apetite exterior, então o bem descreve-se como o que é perfectivo. Mas o Bem enquanto capaz de saciar a tendência só é perfectivo porque é de certo modo, perfeito. O bem como perfectivo pressupõe o bem como perfeito.
8 A escolástica demonstra essa coincidência do bem com o ser e do ser com o bem, com o aforismo ens et bonum convertuntur.
9 Deve-se lembrar que Sócrates inaugurou esta virada.
10 “Conhece a ti mesmo”, expressão utilizada por Sócrates em sua vida e presente em vários livros de Platão, quando este fala sobre o seu mestre. Assim, tal expressão pode ser vista nos diálogos socráticos.
11 BENSON, Hugh H. Platão. Tradução de Marco Antonio de Ávila Zingano. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 141.
12 “Cosmologia: a palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos (kósmos), que significa ‘a ordem e organização do mundo’ ou ‘o mundo ordenado e organizado’, e logia, que vem da palavra logos, que significa ‘pensamento racional’, ‘discurso racional’, ‘conhecimento’”. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2002, p. 41.
13 Trecho parafraseado do livro A República, de Platão.
14 Significado: amor racional por Deus.
15 LOTZ, J.B. Ontologia. Barcelona: Herder, 1926; HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. 2. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1953; FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Conceito de sistema no Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.
16 “Bem jurídico é, pois, o interesse juridicamente protegido. Todos os bens jurídicos são interesses humanos, ou do indivíduo ou da collectividade. É a vida, e não o direito, que produz o interesse; mas só a protecção juridica converte o interesse em bem jurídico” LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal. Campinas: Russell, 2003, p. 94.
17 Para Liszt o que cria o bem jurídico é a vida e a ordem jurídica reconhece, elevando-o a bem jurídico.
18 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa. 1995, p. 111-112.
19 “De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à disciplina das relações patrimoniais, resguardando-as contra a ingerência do Poder Público ou de particulares que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não interferia na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas. O Código almejava a completude, que justamente o deveria distinguir, no sentido de ser destinado a regular, através de situações-tipo, todas os possíveis centros de interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular”. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 2-3.
20 Idem, p. 10.
21 CANOTILHO, J. Gomes. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 124.
22 PRADO, Luiz Regis. Bem-jurídico penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
23 “A razão se desdobra como disciplina do pensar e do saber: antes de tomar forma como autoconsciência, o espírito tende a organizar-se como ciência. A ciência tende a expandir-se em seus `resultados` confirmando com isso a sua validade; vale dizer, a dos métodos que utiliza. A ciência se desenvolve como um modo de conhecimento e se `aplica` como extensão, sobre os campos em que se divide a realidade”. SALDANHA, Nelson. Da Teologia à metodologia. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 78.
24 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. I, p. 43.
25 “[...] professor Bernd Schünemann, um dos grandes nomes do Direito Penal alemão. Com vasta produção científica, é autor e coordenador de diversas obras científicas, entre livros e artigos, traduzidos para os mais variados idiomas. Bernd Schünemann é professor catedrático de direito penal, direito processual penal, filosofia do direito e sociologia jurídica na tradicional Ludwig-Maximilians Universität (Munique, Alemanha)”. MARTINELLI, João Paulo O.; GRECO, Luís. Entrevista. Revista Liberdades. São Paulo, n. 04, maio/ago. 2010. Disponível em: http://revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/5/_entrevista.pdf. Acesso em: 29 maio 2017.
26 “[...] em um Estado democrático de Direito, que é o modelo de Estado que tenho como base, as normas penais somente podem perseguir a finalidade de assegurar aos cidadãos uma coexistência livre e pacifica garantindo ao mesmo tempo o respeito de todos os direitos humanos. Assim, e na medida em que isso não possa ser alcançado de forma mais grata, o Estado deve garantir penalmente não só́ as condições individuais necessárias para tal coexistência (...), mas também das instituições estatais que sejam imprescindíveis a tal fim [...]”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. I, p. 45-46.
27 SCHÛNEMANN, Bernd. Estudos de Direito Penal, Direito Processual Penal e filosofia do Direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013.
28 “O processo de secularização corresponde a uma gradual transformação ocorrida em determinadas sociedades, transitando de um padrão predominantemente religioso para formas preferentemente `leigas` (ou racionais) de vida. Tal processo ocorreu exemplarmente na Grécia, nos séculos V A. C. e no Ocidente do século XVIII, com antecipações que radicam no Humanismo Renascentista”. SALDANHA, Nelson. Da Teologia à metodologia. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 57.
29 Por todos, Neves, Castanheira.
30 “O bem jurídico e a norma são, pois, ideias fundamentais do direito”. LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal. Campinas: Russell, 2003, p. 97.
31 Idem, p. 13.
32 Roxin vai contra a criminalização resultante de moral, bem comum, a ordem ética, a dignidade humana e sentimentos populares, o que não vale, não por não possuir um caráter apreensível pelos sentidos e não serem estados realizados em um mundo exterior susceptíveis de serem lesionados por um comportamento externo. A moral e os sentimentos populares não devem ser sancionados, não por não serem apreensíveis, mas por não ter caráter essencial e não condizerem com os princípios que norteiam a tolerância. Como esclarece Maria da Conceição da Cunha em Constituição e Crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização.
33 O direito difere da moral pela natureza de sua sanção e é a forma de garantia das condições de vida em sociedade garantida pelas sanções, como esclarece Miguel Reale em Teoria do Direito e do Estado.
34 (Ch. De Konink, De la primauté du Bien Commun contre lês personnalistes, Quebec, 1943; G. Fessard, Autorité et Bien Commun, Paris, 1944; L. Eulogio Palacios, La primacía absoluta del Bien Común, in Arbor, 16, 1950,PP. 343-375; J. Todoli, El Bien Común, Madrid, 1951; J. Maritain, Pessoa e Bem Comum, Lisboa, 1962; P. Valadier, Agir em politique, Paris, 1980, pp. 121-134, LOGOS, pp/ 655-662).
35 BOBBIO, Norberto; VECA, Salvatore; PONTARA, Giuliano. Crisis de la democracia. Barcelona: Editorial Ariel S/A, 1986, p. 87.
36 Denunciados pela criminologia crítica – citamos Cirino por todos.
37 BOBBIO, Norberto; VECA, Salvatore; PONTARA, Giuliano. Crisis de la democracia. Barcelona: Editorial Ariel S/A, 1986, p. 53.
38 “SOBRE A NECESSIDADE DA TUTELA PENAL: esta necessidade ou carência de tutela pode decompor-se no princípio da subsidiariedade [...] ser a tutela penal meio adequado, idóneo, eficaz para a proteção do bem em causa, e, ainda, numa mera comparação entre vantagens e desvantagens da intervenção penal, de tal modo que se possa afirmar que a criminalização não cria mais custos que benefícios”. CUNHA, Maria da Conceição Ferreira. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa. 1995, p. 220.
39 “[...] basta refletir que a norma penal não tem por objeto simples negócios jurídicos, não apenas regular relações, impor entre vontades e interesses em competição o conveniente equilíbrio, mas combater um fenômeno complexo como o crime, que se lhe apresenta com todo seu conteúdo humano e social”. BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1973. Tomo I, p. 29.
40 BETIOL, Giuseppe. Direito penal: parte geral. 6. ed. Tradução de Paulo José da Costa Junior; Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, v. I, p. 196.
41 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 74.
42 Utiliza-se assim, como exemplo, a necessária mobilidade das constantes pretensões de sancionar condutas de ordem moral e a impossibilidade de revisão da tutela de liberdade, salvo de forma ampliativa.
43 “Penalista, enquanto cultor do pensamento global do direito penal, também se lhe pede que reflicta sobre os temas novos que a realidade põe, que pondere sobre o sentido das soluções, que a comunidade dos seus pares discute, e que dê, ou apresente soluções viáveis e credíveis ao legislador, dentro do quadro da legalidade e da correcta valorização dos bens ou valores em disputa”. COSTA, Faria. Linhas de direito penal de filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 153.
44 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1973. Tomo I, p. 31.
45 MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 119.
46 No mesmo sentido conferir Jeschek, Weigend e Jorge Figueiredo Dias.
47 CUNHA, Maria da Conceição Ferreira. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa. 1995.
48 GLOECNER, Ricardo Jacobsen. Risco e Processo Penal: uma analise a partir dos direitos fundamentais do acusado. Salvador: Juspodium, 2009, p. 154.
49 Aqui, não está se referindo ao risco da sociedade de risco, onde ações concretas ferem, apesar de não se poder mediar com exatidão a extensão dos danos e a pessoalidade das vítimas; e, sim de risco abstrato, levado a efeito contra a ordem social.
50 “Os legados da modernidade longe estão de ser realizados no brasil. O direito, como um dos principais desses legados – visto como instrumento de transformação social, e não como obstáculo às mudanças sociais – formalmente encontrou guarida na constituição de 1988. A forma desse veículo de acesso à igualdade prometida foi a instituição do estado democrático de direito que, porém, longe está de ser efetivado”. STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica (e)m crise. Porto Alegre: Revista do Advogado, 1999, p. 205.
51 FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
52 “Assim o bem jurídico, visto na forma de ratio legis, encontra sua essência nos elementos da norma penal, nascendo dela e para ela”. CUNHA, Maria da Conceição Ferreira. Constituição e crime: uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica Portuguesa. 1995, p. 67.
53 COSTA, Faria. Linhas de direito penal de filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 74.
54 Idem, p. 78-79.
55 ANDRADE, V.R. P. de (org.). Verso e reverso do controle penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Homenagem a Alessandro Baratta. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. v. 1, p. 31.
56 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 3. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 23-32.
57 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 88-113.
58 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Reine rechtslehre. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 72.
59 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de Leandro Konder. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 186.
60 SANTOS, Boaventura Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 119.
61 Nesse momento Lombroso e as correntes sociológicas florescem como espelho da razão positiva. O bem jurídico ainda estaria em sua fase embrionária.
62 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008, p. 12.
63 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 114.
64 A segregação mencionada pode ser trabalhada desde a inserção no sistema prisional até em grupos de desempregados, alcoólatras, e outros, que tenham como foco de conversão, em nosso caso, a exclusão social pelo rótulo penal.
65 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 12.
66 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008, p. 17.
67 COSTA, Faria. Linhas de direito penal de filosofia: alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 75-76.
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ISSN: 2177-1499