ENSINO SUPERIOR COMO VALOR UNIVERSAL PÓS MODERNO E A EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO INSIKIRAN DE FORMAÇÃO INDÍGENA EM TERRITÓRIO AMAZÔNICO
HIGHER EDUCATION AS POST-MODERN UNIVERSAL VALUE AND THE EXPERIENCE OF THE INSIKIRAN INSTITUTE OF INDIGENOUS TRAINING IN AMAZON TERRITORY
Edson Damas SilveiraI
Rômulo Souza BarbosaII
I Universidade Estadual de Roraima (UERR) e Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Programa de Pós-Graduação em Direito da UERR e da UEA, Manaus, AM, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: edsondamas@mprr.mp.br
II Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Manaus, AM, Brasil. Mestrando em Direito Ambiental. E-mail: edsondamas@mprr.mp.br
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v14i33.2959
Recebido em: 31.01.2019
Aceito em: 08.04.2019
Resumo: Partindo da importância histórica e correspondência da universidade aos anseios da sociedade durante seus oito séculos de existência, analisamos o papel da instituição na pós-modernidade, sobretudo com as mudanças do pensamento e de concepção da ciência advinda da ruptura dos paradigmas da modernidade. O ensino superior apresenta-se como valor, não só por sua utilidade na formação de capital intelectual e de mão-de-obra qualificada para o mundo do trabalho, mas como instrumento para o desenvolvimento de competências e habilidades para resolução dos problemas criados pela humanidade, bem como permitir a cada um alcançar o melhor de acordo com as respectivas resoluções de vida, mitigando o obstáculos odiosos criados pela injustiça social. Como demais instituições da sociedade hodierna, a universidade deve corresponder às demandas multiétnicas e multiculturais próprias do atual momento civilizatório. Nesse cenário, a experiência do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena apresenta-se como exemplo, em território amazônico, de prática pedagógica intercultural e de gestão acadêmica diferenciada com respeito à cultura e aos valores dos povos indígenas de Roraima. Método utilizado foi o dedutivo-indutivo, com pesquisa bibliográfica e documental sobre o material produzido a respeito do tema.
Palavras-chave: Pós-modernidade. Ensino Superior. Universidade e Cultura indígena.
Abstract: Starting from the historical importance and correspondence of the university to the yearnings of society during its eight centuries of existence, we analyze the role of the institution in postmodernity, especially with the changes of thought and conception about science that came from the rupture of the paradigms of modernity. The higher education presents itself as a value, not only for its usefulness in the formation of intellectual capital, but especially as an instrument for the development of skills and abilities to solve the problems created by humanity, as well as to enable each one to demands, characteristic of the current civilizing moment. In this scenario, the experience of the Insikiran Institute is an example, in Amazonian territory, of an intercultural pedagogical practice and of a differentiated academic management with respect to the culture and values of the indigenous of Roraima.The deductive-inductive method was used, with bibliographic and documentary research over existing studies on this issue.
Keywords: Posmodernity. Higher Education. University and Indigenous Culture.
Sumário: 1 Introdução; 2 Evolução do saber formal e a invenção da universidade; 3 Pós-modernidade e ensino superior como valor universal; 4 Experiência do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena em Roraima; 5 Conclusão; 6 Referências.
1 Introdução
As primeiras décadas do século XXI têm se caracterizado pelas crises e incertezas, a enfeixarem discussão acerca do papel de todas as instituições que tem sustentado aquilo que se convencionou chamar de civilização ocidental. Os problemas religiosos acarretados por fundamentalismos nos remetem a períodos que se imaginavam superados. A democracia, como construção que garantiria as liberdades individuais e coletivas, vem sido posta à prova no confronto com tirania, sectarismo e desprestígio das organizações supragovernamentais, que atualmente medeiam relações internacionais. O capitalismo exacerbado e mundializado tem revelado como uma das suas faces mais cruéis justamente a concentração de renda em níveis sem precedentes. Os povos, de um modo geral, aprenderam a confiar seu bem-estar mais às tecnologias do que à imaginação humana.
A universidade, como instituição secular, em meio a essas turbulências brevemente relatadas, sofre os influxos do contexto em que está enraizada e articulada, não escapando aos processos avassaladores dos revisionismos, das acusações de isolamento do restante da sociedade e perda de representação daqueles que a ela não atribuem o devido valor.
Sem embargo dessas críticas não raras vezes procedentes, certo é que a universidade tem sido espaço para o qual convergem todos aqueles com objetivos de cobrança, diálogo, experimentação, ascensão e de prestígio pessoal. Até os que a acusam de obsolescência reconhecem a sua capacidade de sobreviver ao longo dos últimos oito séculos. Sublimando as investidas do poder da Igreja Romana, as guerras religiosas, os arroubos absolutistas, a universidade esteve presente nas lutas para construção e reconhecimentos dos direitos fundamentais, colaborou para decifrar a natureza e se tornou instrumento para conquistas do capitalismo triunfante, para melhoria das condições e estilos de vida, assim como e, especialmente, tratou de impulsionar a reflexão teórica sobre o desencanto para com as ciências modernas desde o período do Pós-Guerra.
O tempo em que nos encontramos é de pensar novos valores que levem à reformulação da cultura institucional do ambiente universitário, compromissado com o estabelecimento de uma vida mais justa e decente no mundo pós-moderno, pós-industrial, do espetáculo, do hiperconsumo, seja qual for o rótulo que se queira empregar ao momento. Países que chegam a pós-modernidade sem ter completado seu ciclo de desenvolvimento e estão mergulhados na desigualdade, no patrimonialismo e ausência de espírito cívico, precisam da universidade como fortaleza a se contrapor aos mais diversos desfortúnios.
Este trabalho de reflexão crítica é fruto de uma investigação bibliográfica e documental, norteado por uma metodologia dedutiva-indutiva e a partir da estratégia de um estudo de caso havido em território Amazônico, mais especificamente no Estado de Roraima e no âmbito da sua Universidade Federal, quando lá se ergueu o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, justamente como forma de reação dos nossos povos originários em face das agruras legada pela modernidade ao tempo presente, onde se apropriaram do ambiente universitário para se firmarem enquanto civilização diferenciada, ávida por direitos e exigindo respeito ao seu modo de vida tradicional
Foi o intuito de fazer uma análise legitimada por um caso concreto e sobre o ensino superior como valor universal, para além das relações de troca e uso, próprias da economia de mercado globalizante, o que nos motivou a investir nesta empreitada, e como segue descrito.
2 Evolução do saber formal e a invenção da universidade
O saber tem sua ontologia estritamente ligada ao homem, seus anseios e necessidades históricas. Nesse percurso evolutivo, ele sofre as consequências de suas relações com o mundo, entende suas necessidades e procura respostas por vários caminhos apresentados, desde o senso comum até a formalização do conhecimento, que em suas diversas facetas, cresce, progride, desaparece ou se torna paradigmático em determinado momento histórico1. No mundo ocidental, encontra berço adequado para sua institucionalização por meio de sistemas de ensino, com instituições para cumprir seu fim, sendo a universidade seu exemplar mais proeminente. Isso porque a história da humanidade pode ser abordada por meio da evolução dos processos de transmissão de conhecimento, que mais tarde vão ser caracterizados pelo binômio ensino-aprendizagem. Particularmente, tem-se nesse itinerário uma premissa fundamental: o conhecer, que se dá por vários processos, seja ele pela experiência humana ao longo das gerações (acumulando saberes em diversas formas), seja pela sistematização dos conhecimentos acumulados (que são transmitidos por instituições culturais com este fim)2.
Embora, o conhecer, para nós, seja sempre visto pela ótica da ciência, devemos levar em conta que, antes mesmo da primazia do conhecimento científico, a humanidade nunca foi privada do conhecimento, a exemplo do saber tradicional dos povos mais isolados ou distantes das grandes civilizações europeias (da qual herdamos essa noção). O saber universal, tal como se torna por nós conhecido, é perpassado pela tradição judaico-helênica-cristã no ocidente, havendo, portanto, que se distinguir etapas sem necessariamente incorrer na pretensão de estabelecer uma cronologia3.
Como nota, o conhecimento judaico avança do mítico para teológico, e deste para o teocrático, por meios das leituras sagradas, criando instituições próprias de conhecimento, encarregando aos profetas, aos altos sacerdotes e aos mais velhos do clã a responsabilidade de transmitir o saber dentro dos ditames do estado teocrático. Por sua vez, a cultura helênica, posteriormente helenística (com a fusão da tradição grega e ocidental), reúne novos processos de assimilar e transmitir esse conhecimento, que se enriquecem da Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles, bibliotecas e demais instituições educacionais, proto-modelos das escolas ocidentais, com a preocupação de formação da elite intelectual e dirigente4.
Notadamente na tradição cristã, defronta-se com alguns obstáculos na sua pretensão de ser uma continuidade da cultura judaica em processo de expansão pelo mundo ocidental, por ser obrigada a filtrar/selecionar os conhecimentos e as formas de conhecer antagônicas aos seus princípios fundamentais, ou que representassem ameaça à sua hegemonia. Na expansão do cristianismo no medievo, tal como na expansão helenística, o cenário é de diversidade cultural muito ampla, com povos, tradições, culturas e modos de transmissão de saber mais variados possíveis, erigida a Igreja Católica como grande instituição supranacional, pelo domínio que a religião passa a exercer sobre todos os aspectos da vida nesse momento, inclusive na produção e transmissão do conhecimento, concentrado em suas diversas ordens religiosas5.
Na idade média, já se observa a tendência a conceber a transmissão de conhecimento voltada para preparação dos reprodutores do pensamento cristãos (monges, padres, teólogos e doutores da igreja). De outro lado, verifica-se a institucionalização dos preceptores a instruir os futuros reis (origem da escola monacal). Ademais, àqueles que estavam ocupados dos processos produtivos restava o processo de aprendizagem no seio da comunidade e da família, e mais tarde, nas associações, já sob a conhecida forma das corporações de ofícios (carpinteiros, artesãos, alfaiates e ferreiros)6.
Na baixa idade média, com a presença cada vez mais sólida dos árabes na Europa, principalmente na península ibérica, trazendo vários conhecimentos da área da matemática, da física, da medicina, além de textos (e suas traduções) e autores que ficaram no ostracismo em função das proibições oriundas da Igreja Católica, a predominância da teologia começa a ser contestada, abrindo-se vertente de produção do conhecimento, ainda que de forma incipiente, relativamente autônoma, em desdobramento do embate entre os poderes reais (doméstico) e papal (Igreja) na interferência sobre a produção e a reprodução do conhecimento, disputa esta que se escalonará durante o Renascimento7.
Essa forma de produzir conhecimento passará exigir instituições diversas da até então existentes (à luz da filosofia patrística), enfraquecendo o modelo monástico e marcando o início das instituições seculares que redundarão no surgimento das primeiras universidades, pois foi no entreato entre o século XII e Renascimento que sua invenção se consolidou em plena Idade Média. Com efeito, restou constituído nesse período o modelo da universidade tradicional, mormente com as experiências precursoras de Paris e Bolonha, que se implanta por todo território europeu, ainda sob a proteção da Igreja Católica Apostólica Romana8.
Sem embargo desses acontecimentos, os estudiosos são unânimes em afirmar que diversos acontecimentos interferiram e estimularam o nascimento dessas instituições, como o renascimento das cidades, desenvolvimento das corporações de ofícios, florescimento do comércio e aparecimento do mercador.
No entanto, algumas análises históricas vinculam as universidades medievais às escolas árabes e outras afiançam que elas decorrem das escolas do século XII, dentre as quais a Vitorina e a de Pedro Abelardo. Há ainda quem defenda que as universidades somente poderiam ter nascido no século XIII, mais conhecido como o século das corporações de ofício. Contudo, e certo nos parece, que a disputa pelo poder entre a realeza e o papado, reivindicando ambos o governo da sociedade, influenciou sobremaneira o surgimento das primeiras universidades européias9.
Apesar da influência da Igreja Romana na gênese das universidades, e posteriormente das religiões reformadas (protestantismo, calvinismo, entres outras), elas começam a também recepcionar os ventos da cultura renascentista do século XVI, culminando não apenas no processo de secularização da sociedade mas, sobretudo, do ensino em geral, na medida em que há uma perda da importância da instituição religiosa em prol de outras que oferecem semelhante satisfação das necessidades, mesmo que numa lógica distinta10.
Essa mesma secularização, com a diminuição drástica da influência dos preceitos religiosos nos padrões culturais em uma sociedade agora moderna, permitiu o desenvolvimento do pensamento laico e a busca de conhecimento em diversas temáticas (antes sob as amarras das proibições das religiões), favorecendo o esclarecimento e pavimentando uma trilha que seria seguida pelo pensamento científico gerado na ambiência das instituições universitárias.
Em vista disso, a universidade na Modernidade vai ganhar autonomia na produção do pensamento, porém passa a ser objeto de interesse e regulação pelos Estados Nacionais, primeiro na sua forma absolutista e por intermédio de investimentos vultosos, colocando o Ensino Superior a serviço dos projetos de consolidação do poder, inclusive determinando, conforme a visão e interesse predominante, onde tais instituições pudessem existir em seus domínios.
Em verdade, esse mesmo sistema de ensino começa a ser estruturado na Idade Moderna, quando se compreende um novo sentido de ensino-aprendizagem, consolidado como transformador do sujeito a partir da junção da educação e ciência, seguindo orientação pedagógica formativa que leva em consideração as etapas de desenvolvimento e competências para aprendizagem. Aí ocorre o início da visão de escolaridade (em todos os seus graus) e da divisão do conhecimento em disciplinas (disciplinaridade).
A capacidade humana de observar o mundo, não mais sob contenção imposta por dogmas religiosos, mas, especialmente, sob influência da visão antropocêntrica (característica da modernidade), alcança novo sentido à luz do pensamento cartesiano aplicado ao conhecimento e, consequentemente, à seara educacional. Essa fragmentação do saber em disciplinas passa a ter importância como meio de otimização da organização das carreiras profissionais pelo Estado e doravante reconhecidas pela sociedade, justamente para que os egressos das universidades atendessem suas novas funções no tecido social.
No mesmo sentido, o academicismo do século XIX dividirá as ciências em pura e superior, “aplicada e inferior”, com especial atenção aos avanços produtivos na era capitalista industrial. Igualmente, nesse cenário desenvolve-se o sistema educacional cada vez mais distante do modelo escolástico-medieval, com ênfase no atendimento das necessidades da sociedade urbana e do fluxo internacional de pessoas11.
Ademais, o modelo academicista, transposto das artes para o campo científico, enquanto respeito absoluto aos preceitos tradicionais de uma área do conhecimento, acabou sendo de grande influência para a criação e desenvolvimento do poder institucional e político das academias de ciência sobre conteúdos e métodos na educação, respaldando o Estado na organização do ensino em seus diversos níveis, logo depois do final do século XVIII.
Como ponto importante, cabe lembrar que a concepção dos projetos pedagógicos do ensino superior, a partir do século XIX, será marcada pelo olhar mecanicista do mundo, à luz da visão newtoniana, tal como engrenagem de uma máquina, passível de ser separada e compreendida, como proposto por Descartes, estando o conhecimento sob o império de uma racionalidade humana reduzida à lógica indutiva-dedutiva12.
Por fim, há que se lembrar que as necessidades vigentes no século XIX estão ligadas essencialmente às exigências do desenvolvimento do capitalismo industrial em expansão, demandadas por todos seus processos e como justificativa de apropriação dos recursos disponíveis na natureza, a fim de que servissem ao consumo e expansão do mercado.
Assim, e no desenrolar do século XIX, a universidade teve por escopo se organizar para atender as demandas de mercado nos países industrializados, formando e fornecendo especialistas que pudessem ser agregados como peças fundamentais ao sistema produtivo estabelecido13.
3 Pós-modernidade e ensino superior como valor universal
A sociedade moderna, sobrepujando gradativamente ao modelo feudal e, efetivamente, consolidada com a expansão da Revolução Industrial, apóia-se na conversão do discurso científico como fonte hegemônica de conhecimento, desprezando as demais formas de saberes, ao tempo em que institucionaliza o pensamento racional cartesiano (evidência, análise, síntese, enumeração) e o empirismo baconiano (experimentação), como exclusiva via para o progresso e evolução da humanidade, noção levada ao extremo com concepção positivista de que todos os fatos sociais poderiam ser traduzidos em leis científicas universais.
No entanto, os valores e paradigmas da modernidade serão contestados a partir de duas grandes guerras no século XX, com a revelação dos horrores nazistas, ainda que sob justificativas cientificistas e eugênicas próprias da época. Da mesma forma, após quase dois séculos de institucionalização de ensino formal, novas aspirações de mudança germinadas na sociedade, acentuadamente após manifestos de 1968 – particularmente na França, onde nascem na universidade e depois vão para a rua, espalhando-se pelo mundo –, passam a exigir a adequação do sistema educacional aos novos valores vigentes e ainda hoje em fase de consolidação.
Esse movimento de ruptura destacado no decorrer do séc. XX, diante dos diversos problemas e contradições evidenciados já em sua primeira metade, será marcado pelo retorno da “incerteza”. Esta não era mais aceita como algo inerente ao cosmo, à sociedade e ao padrão comportamental (a não ser como ponto inicial para desenvolvimento de abordagem científica), visto que a modernidade se assentara na plena confiança do poder da razão, bem como no progresso tecnológico e prosperidade proporcionada desde então14.
Logo após a Segunda Guerra, identificam-se justamente questionamentos à racionalidade e cientificidade da modernidade, com a revelação, em detalhes, da máquina nazista de matar, traduzida em autêntico sistema fabril, na busca premeditada de domínio racial e higienização da sociedade. Disso resulta a sensação de desencanto com a modernidade, ainda mais diante do sobressalto causado pelo início da era da ameaça nuclear (Hiroshima-Nagasaki), fruto da aplicação de todo conhecimento e aparato tecnológico disponível na feitura de uma poderosa máquina de matar15.
A ruptura da modernidade, não de forma linear e completada, mas como processo dinâmico em desenvolvimento é definido como “estado histórico transitivo”, marcado pelo desaparecimento das grandes marcas culturais distintivas da modernidade, não sendo mais aquele lugar de padrões estanques, sacralizados, universais, eternos e imutáveis. Com os novos ventos da pós-modernidade, abre-se caminho para éticas pulverizadas, toleráveis formas de saber e direito de ser diferente, nas quais o multifário tem maior prevalescência que qualquer unicidade ou qualquer determinismo educacional. Em lugar de uma ética centralista, individualista, burguesa, patriarcal, masculina, moralista, tem-se uma pluralidade de éticas emergentes, menos universalistas e mais regionalistas, respondendo à diversidade de pensamentos, ideias e crenças que emergem no panorama do discurso ético contemporâneo16.
Nos anos sessenta, as disparidades entre pessoas e grupos sociais diversos, para além da dicotomia burguesia-proletariado, passa a ser sentido no cotidiano social, muito mais complexo e sofisticado. Os acontecimentos de 1968 representam a manifestação de protagonismo da juventude de forma inédita na história, refutando aquela sociedade burguesa e sonhando com uma revolução que, partindo das universidades, ganharia toda a sociedade17.
No curso dessa transição pós-moderna, desde maio de 1968 em Paris, podemos perceber a influência das universidades para o direcionamento do mundo e vice-versa. Ao fim do século XX, a análise das condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes acantonadas no campo separado e estanque da sociologia da ciência, passou a ocupar papel de relevo na reflexão epistemológica18.
Não se pode olvidar que o status alcançado pela ciência na modernidade produziu reflexos no ensino superior, com os desenvolvimentos disciplinares das ciências, à luz da divisão do trabalho no modelo capitalista, seguindo o caminho da sobrespecialização, da compartimentação e do parcelamento do saber, que por consequência ocasionou a perda da capacidade de contextualizar os saberes e integrá-los no seu conjunto19.
Diante de um novo tempo que se inaugura (pós-industrial, pós-moderno, etc.), a universidade se descobre como uma instituição envelhecida e ainda incapaz de lidar com as inquietações da sociedade (dispersa, fragmentada, complexa), destronada do posto de exclusiva garantidora do saber universal20.
Na sorte e no infortúnio, a universidade não está sozinha, ao tempo em que todo o sistema educacional passa a ser posto em xeque na pós-modernidade. Já na virada e início do século XXI, o cenário pedagógico sofre o abalo das biociências e da informática de ponta. A ascensão da sociedade do conhecimento, em que vigoram as organizações aprendentes (learning organizations), baseada na gestão e engenharia do conhecimento (knowledge management e knowledge engineering), verifica-se a multiplicidade de instâncias cognitivas e agentes cognitivos concorrendo com as universidades e escolas tradicionais. Maior destaque passa a ser dado para as experiências de aprendizagem (learning experiences) e não à manipulação de conhecimentos por ora disponíveis21.
Por outro lado, neste mundo multifacetado, a universidade necessita dialogar com novos atores, como organizações transnacionais e multilaterais, movimentos sociais, organizações não-governamentais, em contato, assim, com as novas bandeiras e aspirações, para se manter como instituição de prestígio, porquanto continua, a despeito de todas turbulências e mudanças aqui retratadas, sendo protagonista na avaliação do saber formal e da titulação daqueles que vão atuar na atual sociedade complexa, aplicando os saberes dentro do novo paradigma emergente da tolerância à diversidade de conhecimentos.
Sendo a universidade uma vetusta instituição com mais de oito séculos de existência, cabe indagação das razões para que não tenha havido contribuição decisiva para as questões hoje postas (desigualdade social, crise ambiental, elitização do saber, entre outros). Além disso, em aberto permanece a questão de como ela pode superar a relação de vinculação aos interesses das classes dominantes.
Tais inquietações podem começar a ser compreendidas por intermédio do fio condutor dos valores, enquanto pilastras universais dessa nova sociedade contemporânea. Conforme já mencionado, a ideia do saber ao longo do tempo não apenas se fragmentou, mas se tornou segmentalizado, tornando-se aquilo que se coloca como fator determinante e superior voltado para resolução de problemas.
Entretanto, o caminho do distanciamento pôs a nu, na sociedade hodierna, a questão da desigualdade e daqueles que hoje cobram o que consideram ter direito, por manifestações e ações que abalam a estrutura social pós-colonialista. O valor predominante do saber formal e institucionalizado é um dos grandes responsáveis por essa problemática, no caso do ocidente, quando colocado a serviço dos interesses de uma sociedade hiperconsumista, individualista e superexploratória dos recursos naturais disponíveis22.
Porém, o saber, como valor de uso, restou substituído simplesmente como valor instrumental de troca. Ou seja, como se fosse um engenho institucionalizado pela mão do grande capital, cujo único compromisso é consigo mesmo, ou seja, com a manutenção de suas engrenagens. O conhecimento, menos uma questão de prestígio e mais como elemento formador do capital humano, assim entendido como qualificação individual a incrementar a capacidade de se integrar ao processo de produção de bens e serviços demandados, ajuda a entender as fortíssimas desigualdades de salário (ou ausência dele) verificadas em nosso tempo23.
Na condição de instrumento, as universidades prepararam especialistas para o mercado, por vezes sem a correspondente demanda, formando um injustificável excedente de mão-de-obra. De outra banda, muitos ainda não têm acesso ao ensino formal relacionado com o mundo do trabalho, como no caso dos indígenas no Brasil, a não ser quando esse ensino superior (transformado em mercadoria) se apresenta como miríade de ascensão social em programas especiais, por intermédio de bolsas, cotas, reservas de vagas e pelos mais diversos critérios inclusivos ao redor do mundo.
Para além de formadora de mão-de-obra capacitada, a universidade precisa se estabelecer contemporaneamente como ambiência primaz de preparação do espírito crítico, a enriquecer a identidade dos indivíduos - nas suas mais diversificadas matizes -, mas sempre comprometida com a supressão das desigualdades humanas, estabelecendo-se o ensino superior em capital intelectual acessível a todos, independentemente das condições sociais, de gênero, credo, raça ou de localidade.
Espera-se dessa nova configuração de universidade um abruto movimento que a faça se inclinar para o atendimento das demandas de todos os povos, indistintamente, com respeito ao modo de vida diferenciado e às suas necessidades culturais, em linha de consideração ainda com línguas nativas, crenças e tradições disformes com grande maioria da sociedade colonizada e envolvente. E modelos recentes dessa empreitada do saber surgiram em território Amazônico, justamente nos redutos que resistem à imposição dos valores defendidos pelo capital, cultuados pelo mercado e assentados numa lógica eminentemente individualista, mais especificamente entre seus povos originários e como veremos a seguir.
4 Experiência do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena em Roraima
Antes mesmo de descrevermos e analisarmos o estudo de caso em questão, importa já neste descortinar contextualizarmos o ambiente geográfico e social em que o noticiado Instituto restou concebido e vem funcionando, em que pese todas as dificuldades de ordem administrativa, como examinaremos com mais vagar ao final deste item.
Não sem razão que esse peculiar Instituto de Formação Superior Indígena se ergueu no território de Roraima, Estado da nossa Região Amazônica e mais ao norte do Brasil. Inobstante essa condição geopolítica, Roraima indiscutivelmente se credencia como um imenso laboratório social justamente porque apresenta o maior (e oficial) índice de participação indígena na sua composição populacional, sendo que 6,1% dos pesquisados se declararam espontaneamente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como amarelos ou índios, numa população que se estimava em 2010 de 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes24.
Acontece que números igualmente oficiais disponibilizados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e verificados in locu pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) indicam que em Roraima deve haver algo próximo de 60.000 (sessenta mil) índios atualmente, ou seja, 12% da população estimada para o mesmo Estado e percentual duas vezes maior do que aquele divulgado pelo IBGE no ano de 2010, distribuída entre as 11 (onze) etnias diferentes e ocupando legalmente as 33 (trinta e três) terras indígenas já reconhecidas, a ocuparem 46,2% (quarenta e seis vírgula dois por cento) de todo o território estadual, se colocando como a segunda Unidade Federada da Região Norte com o maior número linear de indígenas do Brasil25.
A explicação corrente para tal distorção fica na conta do preconceito generalizado e a vergonha de se declarar índio no Brasil. Mas não resta dúvida que proporcionalmente Roraima é o estado mais indígena do país, sob qualquer índice que se eleja e com base em qualquer pesquisa que se faça, pois basta circular somente em Boa Vista para se perceber a grande ascendência indígena na formação da sua população26.
Então, não pode e nem deve essa unidade da federação negar sua natureza multiétnica e intercultural, muito menos fugir das suas reais características, porquanto os primeiros registros levados a efeito inclusive pelo Governo Brasileiro sempre fizeram referência ao grande número de indígenas que ocupam todo o Vale do Rio Branco27, região ora abrangida pelo Estado de Roraima e historicamente comprovada em projetos de pesquisa de variadas especialidades28.
É nesse ambiente territorial que se destaca o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, concebido no âmbito da Universidade Federal de Roraima (UFRR) que se notabilizou como a primeira Instituição Federal de Ensino Superior a criar uma unidade acadêmica específica com cursos de graduação para atender a formação universitária de indígenas brasileiros. No ano de 2001 ela concebe o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena (Resolução nº 015/2001- CUni), sendo mais tarde transformado em Instituto Insikiran (Resolução nº 009/2009- CUni), que vem se caracterizando pela atuação político-pedagógica de formação profissional dos indígenas, de modo específico, diferenciado e intercultural29.
Por respeito à cosmologia dos povos indígenas dos troncos lingüístico Karib e Aruák, justamente de onde descende grande parte dos índios de Roraima, escolheram os seus próprios representantes o mito Insikiran para dar nome ao respectivo Instituto, em razão de que se trata de uma entidade mágico-religiosa que vive no cume do Monte Roraima, situado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana (CARVALHO, 2015).
E a iniciativa da criação desse inédito Instituto partiu dos próprios indígenas em Roraima quando, no mesmo ano de 2001, entregaram à Administração Superior da UFRR a Carta do Canauanim, deliberada durante a Assembléia Geral da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR) e por intermédio da qual conseguiram assegurar o compromisso social e político daquela Instituição de Ensino Superior com a luta dos indígenas na região30.
Atualmente regulamentado pela Resolução nº 009/2009-CUni da UFRR31, realmente o Insikiran tem se destacado em território Amazônico por liderar um movimento que repensa o Ensino Superior em tempos de pós modernidade, na forma crítica que antes expusemos e de modo específico, diferenciado e intercultural (art. 4º, Resolução nº 009/2009-CUni), razão pela qual nos limitaremos aos seus aspectos normativos que, na verdade, imaginamos suficiente para comprovar o seu protagonismo neste novo cenário de afirmação.
Logo no “Capítulo Dos Princípios”, é diretriz obrigatória que o Insikiran deve se pautar pela valorização dos saberes indígenas no processo de construção de conhecimento; participar na implementação da educação superior indígena em diálogo com as comunidades e organizações indígenas de Roraima; construir conhecimento para subsidiar a formulação de políticas públicas em atenção aos povos indígenas e a sociedade em geral; defender os direitos dos indígenas e; articular a teoria e a prática na formação e atuação dos alunos indígenas.
Sem adentrar na discussão teórica e jurídica de que princípio se confunde com valor32; ou que princípio não é valor, mas enquanto espécie normativa tem sua razão de existir sobre valores, trazendo uma carga de proteção que se dirige à manutenção e preservação dos mais relevantes valores eleitos por determinado segmento social33, certo é que o Insikiran nasceu vocacionado para atender exclusivamente os interesses, cultura e valores dos povos indígenas em Roraima, que não necessariamente se alinham com os preceitos difundidos pelo mercado e nem mesmo com os valores cultuados pelo ocidente.
E não se diga que o Insikiran se encaminha para o estabelecimento e/ou fomento de um movimento de secessão em relação às demais culturas nacionais, principalmente àquela majoritária e envolvente, pois decorre de um dos seus objetivos “propiciar meios para acesso a conhecimentos técnicos, científico, artísticos, humanísticos e culturais produzidos a acumulados pela humanidade”, indistintamente (art. 7º, inciso IX, Resolução nº 009/2009-CUni). Essa iniciativa de aliança com modos de conhecimento apresentados por outros povos encontra-se intimamente ligado com o comando normativo do art. 5º, inciso III, da Resolução nº 009/2009-CUni, na medida em que se tem por princípio “construir conhecimentos para subsidiar a formulação de políticas públicas”, também em grau de interação (e não separação) com os Órgãos Oficiais do Estado Brasileiro.
Na pretensão de se tornar mais um “foro interinstitucional para discussão”, o Insikiran “se articulará com as comunidades, organizações indígenas e a sociedade em geral”, com vistas e dentre outros objetivos, a “promover a discussão em torno de pesquisas – e da relevância destas – e atividades em geral, que envolvam os povos indígenas, para que estas tenham previamente o consentimento das organizações e comunidades, com o apoio do órgão indigenistas oficial, de acordo com a legislação vigente” (art. 6º, inciso VI; c/c. art. 7º, inciso VII, da Resolução nº 009/2009-CUni).
Mas independentemente desse arcabouço normativo, a credenciar o Insikiran neste momento civilizatório como um instituto diferenciado de ensino que empodera a UFRR enquanto valor universal pós moderno, sua criação se apresenta mesmo como ruptura com a concepção de universidade antes descrita, porquanto centrada no paradigma da participação da comunidade acadêmica de maneira diversa daquela fundada na tríade docente/aluno/técnico administrativo.
No caso específico do Insikiran, restou garantida desde a sua concepção a efetiva participação das Organizações Indígenas de Roraima, mormente no âmbito do seu Conselho, destacadamente como o mais importante Órgão Deliberativo e como ficou definido no art. 13 da Resolução nº 009/2009-CUni, verbis:
O Conselho do Instituto compõe-se dos seguintes membros:
I. Diretor do Instituto, seu Presidente;
II. Coordenador de Gestão Administrativa;
III: Coordenadores de Cursos de Graduação;
IV. Coordenador de Extensão;
V. Coordenador de Pós Graduação;
VI. um representante docente de cada colegiado de curso de graduação do Instituto, pelos pares;
VII. um representante do quadro técnico administrativo, indicado pelos pares;
VIII. um representante discente de cada curso de graduação e de pós graduação, conforme a legislação;
IX. um representante do Conselho Indígena de Roraima (CIR);
X. um representante da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR);
XI. um representante da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIRR);
XII. um representante da Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIRR);
XIII. Administrador Executivo Regional da FUNAI em Boa Vista; e
XIV. Chefe da Divisão de Educação Escolar Indígena da SECD-RR.
Compete ao mencionado Conselho, formado majoritariamente por representantes indígenas e dentre outras atribuições, definir todas as diretrizes do Insikiran; aprovar o Plano de Atividades de Gestão Administrativa e Logística; deliberar sobre a política de convênios e contratos de seu interesse; sugerir normas internas de funcionamento dos seus órgãos; e referendar os projetos pedagógicos, de pesquisa e de extensão a serem executados no âmbito do mesmo Instituto (art. 14, Resolução nº 009/2009-CUni).
Do ponto de vista político e antes mesmo da recepção interna da Convenção 169 da OIT pelo Brasil, a UFRR vinha exercitando e garantindo o princípio da autonomia universitária quando garantiu a participação daquelas Organizações Indígenas no comando do Insikiran, rompendo com as normas gerais e homogeneizantes que ainda vigem em nosso país34.
Mas essa guinada no sistema de controle não passou desapercebida internamente, uma vez que correntes contrárias dentro da própria UFRR a esse modelo de gestão compartilhada levantaram questionamentos quanto a participação das Organizações Indígenas principalmente na escolha dos dirigentes do Insikiran, ultimando que se processasse as eleições internas nos modos proporcionais e somente entre corpos docente, técnicos e estudantes, esvaziando-se totalmente a participação indígena35.
Felizmente referida demanda não obteve êxito no bojo do Conselho Universitário, órgão máximo de questões administrativas da UFRR, após exaustivo e acalorado debate. E isso por conta de um parecer jurídico que entendeu legítima e constitucional a participação indígena no Insikiran, em face justamente da sua singularidade acadêmica e por tratar de direito desses povos originários no Brasil36.
Vencidas essas dificuldades internas e chegando o Insikiran próximo da sua maioridade (pois completa agora 18 anos de existência), podemos resumir o seu período de maturação em três grandes fases, a saber: (i) momento de criação e implementação da proposta política, pedagógica e institucional; (ii) consolidação mediante contratação de professores para atuarem na Licenciatura Intercultural, bem como construção de sede própria, em 2006, com cerca de 250 m2.; e (iii) expansão, com a construção e expansão de novos blocos, com mais oito salas de aulas e cinco salas para professores, totalizando hoje mais de 600 m2 de instalações próprias, além da criação do terceiro curso específico na área de gestão da saúde indígena37.
Essa noticiada experiência de sucesso em território Amazônico nos faz acreditar no poder de resiliência das instituições universitárias em períodos de transformação social, como aquele que vivemos hodiernamente e a firmar elas como valor ocidental indispensável na aproximação entre as mais diversas e diferenciadas civilizações humanas.
5 Conclusão
As discussões sobre o papel da universidade e o valor do ensino superior em um mundo que exige muito mais qualificação para ingresso no mercado de trabalho; capacidade de análise, sopesamento de dados e, acima de tudo, pensamento crítico para enfrentamento das turbulências e incertezas vividas do século XXI, em pleno desenrolar da pós-modernidade, apresenta-se como uma das pautas de discussão mais relevantes nesta quadra da história.
Apesar das tecnologias vigentes e das múltiplas instituições que lidam com o saber nesta sociedade do conhecimento, seria inútil pensar que a universidade já cumprira sua tarefa e não mais teria relevante papel. Ela continua sendo espaço privilegiado para pensar a crise do mundo atual e apontar caminhos, a fim de que possamos nos situar rumo ao futuro.
Por isso, inequivocamente, essa milenar instituição encerra valor que jamais poderá ser apenas de troca ou de uso, por transcender ambas, e servir ainda de apoio para alimentar as utopias tão necessárias ao espírito da humanidade e seu requacionamento coletivo.
Dispensar o valor da universidade, nesse momento, equivaleria a voltarmos ao pântano enganoso dos misticismos e discursos falaciosos, que já nos levaram a tentar simplificar a complexidade do mundo. De outro lado, a universidade não pode ser um castelo inacessível, mas sim espaço generoso de reflexão, ao tempo em que deve se mostrar aberta para acolher os que têm sede de saber, nas suas mais diversificadas raízes étnicas.
No Brasil, muitos ainda permaneceram à sua margem, como foi o caso dos povos indígenas, à deriva inclusive da nossa própria história. O desafio que se coloca para o futuro é a universalização do ensino superior para o maior número possível de pessoas, indistintamente e a infundir neles competências funcionais para ajudar a resolver os problemas criados pelos vários segmentos sociais da humanidade, ainda que em desacordo com a lógica capitalista e fora dos parâmetros fixados pelo mercado.
Enfim, ainda não criamos instituição mais sólida e confiável, embora não perfeita, que tenha dado conta de corresponder às exigências deste tempo histórico, se revelando o nosso estudo de caso em território Amazônico como um alento para tal momento de transformação social, na linha da interação respeitosa que deve pautar todo e qualquer movimento de aproximação civilizatória.
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1 MORIN, Edgar. Reformar o pensamento: a cabeça bem feita. Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p. 10-11.
2 ASSMANN, Hugo. A metamorfose do aprender na sociedade da informação. Ci. Inf., Brasília, v.29, n. 2, 2000, p. 09-10.
3 MOTA, Carlos G. Educação, contraideologia e cultura: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Globo, 2011, p. 31.
4 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed. Saraiva: São Paulo, 1996, p. 7-8.
5 STIGAR, Robson. Secularização e ensino religioso na pós modernidade. 2015. Acesso em: 5 jan. 2019, p. 8-9.
6 STIGAR, Robson, op. cit., p. 12.
7 FRANCO JR., Hilário. A idade média: nascimento do ocidente. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 118.
8 TRINDADE, Hélgio. Universidade em perspectiva: sociedade, conhecimento e saber. Disponível: http://www.josenorberto.com.br. Acesso em: 05 jan.2019, p. 3-4.
9 OLIVEIRA, Terezinha. Origem e memória das universidades medievais. Revista Varia História, Belo Horizonte, v. 23, n. 37, jan./jun., 2007, p. 118.
10 STIGAR, Robson, op. cit., p. 10.
11 SILVA, André Luiz Reis da. A nova ordem européia no séc. XIX: os efeitos da dupla revolução na história contemporânea. 2010. Disponível: https://www.researchgate.net/publication/267802158_A_nova_ordem_europeia_no_seculo_XIX_os_efeitos_da_dupla_revolucao_na_historia_contemporanea. Acesso em: 5 de jan.2019, p. 06.
12 MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis, 2000, pgs. 95-96.
13 MORIN, Edgar, op. cit., p. 88.
14 SAMPAIO, Juliana Mayara da Silva; BARBOSA, Rômulo de Souza. Pós-modernidade, pluralismo jurídico e o desafio da crise ambiental. Artigo submetido para avaliação na Disciplina Sociologia Jurídica. Mestrado em Direito Ambiental. Universidade Estadual do Amazonas, 2017, p. 15.
15 MORRINSON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 355.
16 BITTAR. Eduardo, C. B. O direito na pós-modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro, 2009, p. 147-153.
17 BERSTEIN, Serge. A fantasia no Poder. Revista Veja (versão digital), São Paulo, edição n.2563, 2017. Acesso: 03. jan. 2018, p. 8.
18 SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 13. Ed. Edições Afrontamento, 2002, p. 30.
19 MORIN, Edgar, op. cit., p. 15.
20 DERRIDA, Jacques. O olho da universidade. São Paulo: Estação Liberdade, 1999, p. 98.
21 ASSMANN, Hugo, op. cit., p. 12.
22 BAUDRILLARD, Jean. Palavras de ordem. Porto: Campo das Letras, 2000, p. 16.
23 PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p. 78.
24 A síntese dos indicadores sociais para 2010 do IBGE apontou ainda em Roraima que 19,9% se declararam brancos, 7,5% pretos e 68,8% pardos, sendo que grande parte desse último grupo descende das etnias indígenas do Estado (IANNARELLI, Thaís. Guia mundial de estatísticas. São Paulo: On Line, 2012, p. 48).
25 IBGE – Diretoria de Pesquisas. Os indígenas no Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012, p. 18-20.
26 Boa Vista, Capital do Estado de Roraima, apresenta porcentagem muito alta de índios, talvez a maior do Brasil, aquilatável empiricamente com mero passeio pelas suas ruas para estar constantemente cruzando com “caboclos”, como são chamadas de forma imprópria e depreciativa as pessoas de ascendência pré-colombiana (FERRI, Patrícia. Achados ou perdidos? A imigração indígena em Boa Vista. 2. ed. Goiânia: MLAL, 2009, p. 03).
27 O Vale do Rio Branco se confunde com a extensa região que margeia rio do mesmo nome, forma pela confluência do Rio Uraricoera, que desce as encostas da Serra de Pacaraima em sentido sudeste até encontrar com o Rio Tacutu, percorrendo a partir daí mais de 800 quilômetros no sentido norte-sul, até desaguar na margem esquerda do Rio Negro. O Rio Branco foi descrito historicamente como a única via de acesso e o grande responsável pelo desenvolvimento econômico do extremo norte do Brasil (VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra. Boa Vista: UFRR, 2007, pgs. 23-24).
28 Farta documentação produzida na época da colonização e que trata especificamente da ocupação do atual território de Roraima restou espicaçada nos trabalhos acadêmicos de Nádia Farage (As muralhas dos sertões – os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991) e Paulo Santilli (As fronteiras da República: história política entre os Macuxi no Vale do Rio Branco. Sâo Paulo: NHII/USP; FAPESP, 1994; e Pemongon patá: território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo: UNESP, 2001), confirmada ainda no início do século XX pelos relatos de viagem de Koch-Grunberg (KOCH-GRUNBERG, Theodor. Do Roraima ao Orinoco. Vol. 1. Tradução de Cristina Albets-Franco. São Paulo: UNESP, 2006) que ajudam a provar com riqueza de detalhes a densidade populacional indígena da região.
29 Atualmente são ofertados pelo Insikiran os cursos de Licenciatura Intercultural, Bacharelado em Gestão Territorial Indígena e Bacharelado em Gestão em Saúde Coletiva Indígena, podendo concorrer a eles e por intermédio de exame vestibular, somente candidatos indígenas (FREITAS, Marcos Antonio B.; TORRES, Iraildes Caldas. Os filhos de Insikiran: da maloca à universidade. Anais do 41º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG, 23 a 27 out. 2017, p. 21-22).
30 A Terra Indígena do Canauanim fica no Município do Cantá, Estado de Roraima, e onde se realizou Assembléia Geral dos Professores Indígenas a fim de discutir e estabelecer estratégias para que índios do Estado tivessem acesso direto às Instituições de Ensino Superior. Depois de escrito o documento e distribuído a diversos agentes públicos ligados à educação, finalmente reconheceu o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio do Parecer 010/2002, esse direito aos povos indígenas e que deve ser atendido por todas as Instituições de Ensino Superior do Brasil (FREITAS; TORRES, op. cit., pgs. 11-12).
31 Documento eletronicamente disponível no sítio https://ufrr.br/conselhos. Acesso em: 5 jan. 2019.
32 REALE, Miguel, op. cit, p. 62-66.
33 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 145-162.
34 FREITAS; TORRES, op. cit., p. 18.
35 FREITAS; TORRES, op. cit., p. 19.
36 FREITAS; TORRES, op. cit., p. 19.
37 FREITAS, op. cit., p. 23.
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