Revista Direitos Culturais - artigo 10

POR UMA DESCRIÇÃO DA JUSTIÇA EM LUHMANN

FOR A DESCRIPTION OF JUSTICE IN LUHMANN

 

Fernando Rister de Sousa LimaI

Orlando Villas Bôas FilhoII

 

I Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Filosofia do Direito e do Estado. E-mail: fernando.lima@mackenzie.br

II Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Direito. E-mail: ovbf@usp.br

 

DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v14i33.3055

Recebido em: 08.04.2019

Aceito em: 15.04.2019

 

Resumo: O propósito deste artigo é descrever a justiça enquanto fórmula de contingência, tal como proposta pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann. Para tanto, em um primeiro momento, será necessário apontar a especificidade que o autor atribui à abordagem do direito para, em seguida, sublinhar aspectos essenciais de sua visão acerca da justiça. A pesquisa bibliográfica é o recurso metodológico utilizado para reunir o referencial teórico essencial ao deslinde da problemática, guiada pela ideia de que o direito opera com base no código binário lícito/ilícito e a justiça do sistema jurídico é a fórmula de contingência, cuja finalidade é fornecer consistência e adequação social às decisões jurídicas. Como conclusão, pode-se, primeiramente, afirmar que decisão justa é aquela tomada obrigatoriamente sob o manto da fórmula de contingência, ou seja, com consistência e adequação.

Palavras-chave: Justiça. Consistência. Adequação.

Abstract: The purpose of this article is to describe justice as a formula of contingency, as proposed by the german sociologist Niklas Luhmann. For such, in a first moment, it will be necessary to point out the specificity that the author attributes to the approach of the law to, in turn, underline essential aspects of mis vision of justice. The bibliographic research is the methodological resource used to assemble the essential theoretical referential to the solution of the problem, guided by the idea that the law operates based on the binary code licit/ilicit and the justice of the law system is the formula of contingency, which goal is to provide consistency and social adequacy to law decisions. As a conclusion, one can, at first, claim that a fair decision is the one which is mandatorily taken under the scope of the formula of contingency, that is, with consistency and adequacy.

Keywords: Justice. Consistency. Adequacy.

Sumário: 1 Introdução; 2 Premissas epistemológicas da justiça sistêmica; 3 A fórmula de contingência como consistência interna e adequação social; 3.1 Justiça não axiológica; 3.2 Justiça autorreferente ao direito; 3.3 Justiça cognitivamente aberta; 4 Conclusão; Referências.

1 Introdução

No primeiro dia de aula do primeiro semestre da disciplina Teoria Geral do Direito – ou sob a nomenclatura Introdução ao Estudo do Direito (IED)1 –, o professor pergunta aos alunos por que escolheram cursar a Faculdade de Direito. A resposta, quase sempre, gira em torno da busca por justiça ou outro valor que materialize este sentimento. Ademais, o vernáculo corrente no cotidiano forense diz respeito à justiça ou à injustiça de determinada decisão. Estudar o ideário justiça2 permanece atual.3 Além do mais, o desenvolvimento econômico do homem e do Estado alterou por completo o contexto social e, com ele, a ideia do justo.4 O direito positivo não vem mais fundamentado em valores imutáveis; pelo contrário, a constante alternância do seu conteúdo passa a legitimá-lo.5 Essa alteração paradigmática interfere demasiadamente no processo de decisão legal. Não se pode limitar as interpretações normativas, mas sim a possibilidade decisional das controvérsias jurídicas, em todos os âmbitos.6

O objeto desta pesquisa é justamente identificar e descrever a justiça realizada pelo direito. Para desenvolver a pesquisa, utilizar-se-ão conceitos extraídos da teoria dos sistemas, de autoria do sociólogo alemão Niklas Luhmann, em razão de a teoria ter buscado fornecer subsídios de consistência às decisões judiciais, mediante o autocontrole do subsistema do direito. Superou-se a tese do jusnaturalismo e, ainda, evitou-se o risco de reducionismo da decisão a mero ato decisório sem compromisso com a função do sistema jurídico.7 Este avanço em relação aos positivistas e a desqualificação daqueles (jusnaturalistas) talvez tenha sido responsável pela sua classificação como neopositivista, com a ressalva de que os luhmannianos não aceitam tal rótulo.

Da fórmula de contingência, extraiu-se qualquer atuação cunhada sob valores ideais para simplesmente não adentrar os campos da virtude e dos princípios. A matriz luhmanniana da justiça, portanto, destoa por completo da alusão ao direito natural por não acreditar que a própria natureza seja justa, ao menos compreensível a olhos nus, daí não existir obrigatoriamente uma relação entre o justo e o natural.8 Por isso, em vez de presunções sobre a natureza, criam-se suposições de autoespecificações como conclusão circular. As fórmulas de contingências, vistas de todos os subsistemas, referem-se à diferença entre indeterminado e determinado. O caminho para observar o inobservável é substituir uma diferença por unidade, uma vez que as diversas possibilidades comunicativas (contingência) também fazem parte do subsistema do direito.9 A decisão jurídica, na ótica da teoria sistêmica, é uma norma que representa um critério de solução.

2 Premissas epistemológicas da justiça sistêmica

A justiça do direito é sempre contingente (i): não há que se falar em justiça mediante conquista de valores outrora concebidos como imutáveis. A mudança de sentido nas operações jurídicas é sempre possível na sociedade complexa. A multiplicidade de escolhas sociais prepondera. A operação de seletividade dos sistemas parciais escolhe os valores que sua comunicação pontuará.10 A função do direito (ii) é a manutenção das expectativas normativas ao longo do tempo, combatendo as desilusões.11 O sistema jurídico não aceitará o seu não cumprimento como certo e continuará a lutar pela sua efetivação. Manter-se-á, no ambiente social, a expectativa de serem cumpridos os valores escolhidos pelo próprio sistema.

 

A complexidade do ambiente social (iii), cuja pressão é cada vez maior, exige prestações que o subsistema do direito não pode cumprir. Transformar, então, essa elevada complexidade de modo a torná-la adequada ao sistema é missão da justiça como fórmula de contingência12, isto para o sistema de decisão corresponder melhor ao seu ambiente. O sistema jurídico precisará transformar a complexidade social em comunicação jurídica para, a partir daí, levá-la à decisão. Somente assim, poder-se-á ter uma decisão adequada.13 O subsistema do direito absorve, pois, a complexidade e a reduz à comunicação jurídica, que, na sequência, propicia a emissão da decisão. Cada sistema parcial tem a sua própria comunicação e exclusivamente por ela agirá: o subsistema da economia comunicar-se-á pela comunicação dinheiro/não dinheiro, o mesmo valendo para outros subsistemas. Não há de se falar em outra justiça que não aquela ligada à comunicação do sistema jurídico.14

3 A fórmula de contingência como consistência interna e adequação social

A partir de sua teoria dos sistemas, Niklas Luhmann considera que a justiça, no contexto da sociedade moderna funcionalmente diferenciada15, realizar-se-ia por meio de “fórmula de contingência” (Kontingenzformel) do sistema jurídico, cuja finalidade seria justamente fornecer controles de consistência e de adequação às decisões jurídicas.16 Trata-se de uma forma de autocontrole do subsistema jurídico que, por um lado, não é identificável com a natureza, pois isso seria inaceitável em função da fundamentação metafísica que implicaria, mas, por outro, não se reduz à simples decisão que conduziria ao decisionismo. Essa forma de autocontrole, proporcionada justamente pelo conceito de justiça, implica que, no cumprimento dessa função, seja reelaborada.17 Note-se, entretanto, que a descrição da justiça como fórmula de contingência consiste na perspectiva de uma observação externa, ou seja, sociológica, nos termos indicados anteriormente. No interior do sistema jurídico, porém, a justiça remanesce, segundo Luhmann, como ideia, valor ou princípio.18

3.1 Justiça não axiológica

A justiça, diferente do que tradicionalmente ocorre no âmbito das teorias que a ela se referem, deixa de apresentar qualquer conotação valorativa prévia, passando a ser apenas símbolo da congruência da generalização das expectativas normativas, o que a torna estreitamente relacionada à função de estabilização de expectativas normativas desenvolvida pelo direito.19 Não se trata, portanto, de norma superior (Übernorm) colocada para além do subsistema jurídico, a partir da qual seria possível avaliá-lo criticamente.20 Luhmann critica vivamente essa axiologização e essa eticização da justiça por considerar que, uma vez transformada em valor, esta mesma justiça perde sua íntima ligação com o direito e a função por ele exercida.21 De modo semelhante ao que ocorre na análise weberiana acerca do processo de racionalização interna do direito, vista em termos de sua progressiva desmaterialização, também em Luhmann, como corolário da autorreferencialidade dos subsistemas funcionais, há uma desintegração das condições de possibilidade de referência a uma instância substancial suprema, o que faz com que a justiça deixe de ser uma grandeza absoluta que serve à aferição do grau de perfectibilidade do direito positivo para tornar-se o modo pelo qual o direito exerce o seu autocontrole.22

3.2 Justiça autorreferente ao direito

Como dito, na perspectiva da teoria dos sistemas, a justiça não pode ser concebida como valor transcendente, mas sim como fórmula de contingência que se liga estreitamente à própria consecução da função do subsistema jurídico e que, ademais, situa-se no seu interior e não para além dele.23 Portanto, conforme ressalta Marcelo Neves, “a justiça só pode ser considerada, consequentemente, a partir do interior do sistema jurídico, seja como adequada complexidade (justiça externa) ou como consistência das decisões (justiça interna)”24. Conforme se verá adiante, trata-se de uma abordagem da justiça que, dissociada de uma conotação valorativa suprema, concebe-a articulada ao redor da questão da complexidade adequada do sistema jurídico e da consistência de suas decisões.25

Percebe-se, desse modo, que Luhmann desenvolve um conceito de justiça compatível com a pressuposição de autorreferência dos subsistemas autopoiéticos que compõem o sistema social, o que não ocorre com as teorias tradicionais da justiça, as quais, como regra, procuram um fundamento axiológico superior para a crítica do direito positivo. A postulação de um valor superior e, portanto, externo ao próprio subsistema jurídico, afetaria a sua autorreferência, além de não servir aos propósitos funcionais que lhe são ínsitos, pois a pressuposição de valores últimos – como o de uma justiça absoluta – aparta a autorreferência desses mesmos valores dos subsistemas funcionais. Isso significa que a pressuposição de uma ordem superior de valores cria um bloqueio à contingência justamente porque os valores absolutos (justiça, verdade etc.), ao refletirem a si mesmos, fornecem um fundamento último que não se submete à contingência, colocando-se, em razão disso, para além das funções desempenhadas pelos subsistemas sociais.26

Contrariamente, enquanto fórmula de contingência, a justiça não visa medir o grau de perfectibilidade do subsistema jurídico, mas permitir a generalização congruente das expectativas normativas. Decorre daí a sua ligação indissociável com a consecução da função desse subsistema, que se realiza sob a forma de símbolo, não absoluto, mas intrassistêmico, de determinação da congruência generalizada das expectativas normativas.27 É nesse sentido que Luhmann define a justiça mediante distinções, afirmando que ela é autorreferencial não como operação, mas como observação que se remete não para o nível do código do subsistema jurídico, mas para a posição dos programas condicionais. Quando a justiça se materializa não como teoria, mas como norma, passível de frustração em quanto tal, tem-se como consequência a possibilidade de existirem ordenamentos jurídicos injustos (ou dotados de maior ou menor grau de justiça), sem que, com isso, seja possível afirmar que a autopoiese operativa desse subsistema, ou do seu código, possa ser justa.28

3.3 Justiça cognitivamente aberta

Ao definir a justiça em termos de fórmula de contingência, Luhmann passa a atribuir-lhe a tarefa de garantir o controle da complexidade do subsistema jurídico que, como se sabe, é submetido a enormes pressões por parte de seu ambiente29. Ao sobrecarregar o subsistema jurídico com demandas que ele não pode cumprir, cria-se um grau de complexidade, a ser devidamente reduzido, sem que isso, entretanto, implique solipsismo dogmático baseado no fechamento cognitivo.30 Por esse motivo, Luhmann concebe a justiça como “complexidade adequada”31, que expressa a dimensão externa da justiça. Entretanto, a justiça também apresenta uma dimensão interna, que se expressa na consistência das decisões. Luhmann sintetiza sua concepção da justiça afirmando que ela se expressaria na complexidade adequada na tomada de decisões consistentes.32

Ora, as fórmulas de contingência, entre as quais se insere a justiça, visam justamente fornecer um ponto ótimo que lhe permita lidar com o grau de complexidade que é imposto pelo ambiente, sem que isso importe comprometimento da consistência do sistema.33 Tanto é assim que Jean Clam, aludindo ao papel desempenhado na teoria dos sistemas, ressalta que a justiça deve servir como mecanismo capaz de conjugar, de um lado, a salvaguarda contrafactual dos consensos normativos que asseguram a congruência das expectativas sociais e, de outro, a abertura cognitiva do direito em relação ao afluxo de complexidade proveniente de outros subsistemas sociais.34 Isso significa que a justiça enquanto fórmula de contingência visa compensar os efeitos decorrentes do fechamento operacional do subsistema do direito, que faz com que este perca um contato direto com seu ambiente. Trata-se de mecanismo interno ao próprio direito, que lhe permite dar respostas consistentes às irritações provenientes de seu ambiente.35 Por essa razão, Gunther Teubner afirma que, enquanto fórmula de contingência, a justiça refere-se à relação do direito com o seu ambiente, sendo, portanto, a “complexidade adequada do sistema jurídico, a melhor consistência interna possível diante das exigências do ambiente extremamente divergentes”36.

4 Conclusão

A justiça não pode ser vista como um terceiro valor ao lado daqueles que compõem o esquema binário do código do subsistema jurídico porque isso afetaria a sua estabilidade.37 Enquanto observação de caráter normativo e dirigida aos programas condicionais, a justiça se coloca mais propriamente no plano daquilo que Luhmann denomina “observação de segunda ordem”, funcionando como autodescrição ou como representação da unidade do direito, o que faz com que, enquanto tal, seja “canonizada” de modo a tornar-se irrefutável dentro desse subsistema.38 Como espécie de norma dirigida a todos os programas condicionais que compõem o direito, a justiça, que em si não é um programa condicional, consiste apenas em um esquema para obtenção de razões ou valores que, por sua vez, só se tornam válidos por meio de sua conversão em programas condicionais.39

No que concerne à questão da consistência, Luhmann ressalta que, em sua forma mais geral, a justiça, enquanto fórmula de contingência, foi tradicionalmente, e ainda hoje continua a sê-lo, identificada com a igualdade que, por sua vez, expressa um elemento formal que consigna todos os conceitos de justiça, não obstante signifique apenas regularidade e consistência. Assim sendo, a igualdade, tal como ocorre com todas as fórmulas de contingência, é vista como princípio que se autolegitima.40 Considerada nesses termos, a justiça deixa de ser concebida como afirmação relativa à essência ou natureza do direito, um princípio fundador da validade jurídica ou um valor que fizesse o direito parecer algo digno de preferência.41 A justiça, enquanto fórmula de contingência, é tradicionalmente associada à igualdade, consistindo no tratamento igualitário e sólido dos casos jurídicos, o que, em última instância, expressa a própria estrutura do programa condicional ao qual se volta: “dado o fato ‘x’, ‘y’ é legal”. Ou seja, tal como já ressaltava Luhmann em seu livro Rechtssoziologie, a justiça tornar-se-ia a implementação uniforme do direito, por causa de sua vigência.42 Isso significa que, na sociedade moderna, o que se pode reputar como direito justo é a aplicação universal de critérios para a decisão, sem que haja a consideração das pessoas implicadas.43 Ora, isso quer dizer que a igualdade passa a funcionar, no âmbito do subsistema do direito, como postulado regulador da congruência jurídica. Tal como enfatiza Jean Clam, os efeitos da generalização pela igualdade revelam uma racionalidade sistêmica que, por meio da validação universal fornecida pelo princípio da igualdade, provoca uma restrição das possibilidades decisórias do direito (rétrécissement des voies de la décision juridique), que corresponde a uma redução de complexidade.44 Nesse sentido, o princípio da igualdade, com o qual tradicionalmente se associa a justiça, passa a ser um princípio de racionalização do direito, justamente porque, ao exigir a inclusão de todas as pessoas concernidas, permite que se generalize a validade desse subsistema, instalando limitações estruturais que inserem as decisões jurídicas em esquemas binários exclusivos, os quais, por sua vez, favorecem a emergência e a imposição da comunicação jurídica fundada na dicotomia direito (igual)/não direito (desigual).45 É por essa razão que Luhmann pode afirmar que a igualdade contribui para a obtenção de consistência interna, por parte do direito.46

Numa sociedade altamente complexa, entretanto, para se proporcionar justiça é preciso adaptar a complexidade social à comunicação sistêmica, vale dizer, é preciso moldar a complexidade externa ao sistema jurídico para, consequentemente, produzir comunicação adequada.47

A propósito, a complexidade adequada é produzida à medida que a redução da comunicação social ao código binário lícito/ilícito torna possível um decidir consistente.48 A positivação do direito proporcionou ao sistema jurídico diferenciação em nível de decisão que produz comunicação jurídica. O sistema jurídico é constituído pelas decisões em uma única comunicação, cuja reiteração rende a sua autonomia.49 Essa exposição conceitual serve para afirmar que o sistema jurídico transforma outras comunicações em comunicações jurídicas, as quais, na cadeia comunicativa, emitirão outras comunicações, contudo sempre jurídicas, reduzindo, por conseguinte, a complexidade mediante código binário próprio: lícito/ilícito. Este processo é a justiça possível de ser proporcionada pelo sistema do direito.

Em pormenores, o sistema do direito está imerso na sociedade. A sociedade, por sua vez, abriga outros subsistemas que emitem suas próprias comunicações. À medida que o sistema parcial do direito é chamado a ofertar prestações a outros sistemas – como por exemplo, quando um contrato não é respeitado –, ele recebe a comunicação do ambiente e a transforma em comunicação jurídica e, como em um processo reflexivo, reduz a complexidade do litígio mediante a emissão de uma comunicação jurídica. A emissão de nova comunicação não garante, por si só, a obediência à decisão emitida. O sistema jurídico pode – e não é pouca coisa, vale dizer –, por meio de outras comunicações da mesma natureza, fazer com que a expectativa normativa seja mantida ao longo do tempo. Significa afirmar que a justiça proporcionada pelo direito é também voltada à transformação de outras comunicações e, quando necessário, à comunicação jurídica.50Contudo, apenas a consistência interna das decisões jurídicas não é suficiente para que sejam consideradas justas; mais do que isso, é necessário que tenham adequação social, ou seja, complexidade adequada.51

Gunther Teubner sublinha que a justiça como fórmula de contingência ultrapassa explicitamente a consistência interna; ela não é concebida como imanente ao direito, mas como transcendente a ele. Assim, para que haja justiça é necessário que a consistência interna se articule para ter capacidade de dar resposta adequada às demandas plurais advindas do ambiente. Essa é a dupla exigência a ser adimplida para que se possa falar de justiça como fórmula de contingência. Por esse motivo, aliás, Teubner sublinha o caráter subversivo da própria justiça. A justiça, na concepção deste autor, figuraria como uma força interna ao direito que o subverte. A justiça apareceria como um processo idiossincrático por meio do qual a auto-observação do direito interrompe, bloqueia e sabota a recursividade rotinizada das operações legais, permitindo ao direito transcender a si próprio.52 É por essa razão que a justiça emerge como um paradoxo que, como observa Marcelo Neves, nunca é superado. Ou seja, trata-se de um paradoxo que pode ser processado e solucionado em casos concretos, mas nunca superado plenamente, pois sua superação implicaria o fim do direito como sistema social autônomo.53 A justiça, portanto, afigura-se como “experiência do impossível”54, o que a torna sempre algo fugidio em relação à busca que se expressa sempre como um tatear.55

O direito não possui uma varinha de condão para o seu aplicador determinar o desaparecimento da situação ilícita. Ele não pode fazer isso. Não tem superpoderes. Entretanto, por vezes, o coro social pleiteia o contrário, mas sempre em vão. A modernidade oferece outra ideia sobre sua função. O ofício do direito, segundo o sociólogo alemão Niklas Luhmann, é garantir as expectativas normativas ao longo do tempo. A sociedade continuará a acreditar na efetivação das normas. As comunicações jurídicas garantirão que as expectativas sejam mantidas.

O direito atua no plano da expectativa: continuar-se-á a acreditar na preservação dos valores contemplados pelas normas. Não é pouca coisa, como afirma Campilongo.56 Nesse aspecto, justiça, para Luhmann, é fórmula-contingência, cujo mister é dar consistência às decisões do sistema jurídico, por meio da redução da complexidade social do ambiente. Daí resulta que as decisões serão sempre binárias, in casu: lícito/ilícito. O fato de a justiça “possível de ser prestada” não saciar a vontade social não altera a realidade. Não há como cobrar dos operadores do direito (advogados, juízes e promotores) outra atitude, ao menos na atualidade. No momento histórico em que vivemos, só o direito pode fazer com que a sociedade continue a acreditar na sua efetivação, mediante reiterações comunicativas binárias, representadas pelo código: lícito/ilícito. Em suas operações, o direito opera sempre fechado; quer dizer, com base na binariedade suprarreferida.

Do exposto, extrai-se que a solução esperada pela sociedade depende muito mais dela do que propriamente do direito, cujo contexto social é apenas uma parte do ambiente social, no qual estamos inseridos. Para solucionar tais situações, a bem da verdade, é preciso que se proceda a uma alteração dos valores sociais, cuja comunicação também virá do interior do direito, simplesmente porque não se pode acreditar que uma parte (o direito) alterará o todo (a sociedade). O direito provém da sociedade e não o contrário.

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1 Algumas instituições recentemente adotaram a nomenclatura “Teoria Geral do Direito” como a Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FDIR-UPM), outras “Teoria do Direito” e boa parte ainda conserva as tradicionais “Introdução ao Estudo do Direito” ou “Introdução à Ciência do Direito”.

2 Na temática justiça, encontram-se as mais diversas posições sobre o tema, seja no plano da Teoria do Direito, da Filosofia ou mesmo da Sociologia Jurídica. Entre tantos, convém mencionar Hans Kelsen, que se debruçou sobre o assunto de forma exauriente, possui diversos trabalhos. Para o mestre de Viena, a justiça absoluta não é cognoscível pela razão humana. Sendo, pois, o ideal de justiça algo subjetivo, chega-se à beira da irracionalidade. Ao presente, ressaltam-se livros já traduzidos para a língua portuguesa: O que é justiça? Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998; O problema da justiça. 3. ed. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998; A ilusão da justiça. Trad. Sérgio Tellardi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Ao contrário, por sua vez, John Rawls, valora a justiça, colocando-a como condição da mantença das leis. Significa dizer: leis e instituições devem ser reformadas ou abolidas quando são injustas. Porém, ressalta ser uma injustiça tolerável se for crucial para evitar injustiça maior. (Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997). Sobre a justiça, ver p. 7, da qual se transcreve o seguinte trecho: “Para nós o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social.”.

4 DE CICCO, Cláudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 3. ed., reformulado. São Paulo: Saraiva, 2006.

3 Nesse ambiente social, a função do direito, num leviano resumo, ao longo da história, tem-se centrado em educar, sanar e punir. O aplicador da norma constrói uma decisão com intuito de educar o infrator, a pena deve ser suficiente, e não mais do que isso, para ensiná-lo a não mais repetir a conduta, segundo clássica conquista iluminista. O Estado obriga o causador do ilícito a indenizar o dano, assim oferece à vítima uma restauração ao estado anterior à lesão. Ora, é preciso punir o agente delituoso, substituindo o particular que o faria pela justiça privada, como uma prestação de contas sociais. As regras foram desrespeitadas, é preciso vingar o Estado e a sociedade. Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto. A cura di Rafaelle De Giorgi. Milano: Mulino, 1990. p. 315. Ver ainda, ora sob o foco das decisões judiciais, mas também num enfoque histórico, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Brevíssima retrospectiva histórica, para desembocar no “Estado de direito”, no direito codificado e na tripartição das funções dos poderes (O princípio da legalidade e a Necessidade de Motivação das Decisões). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.13-98. Identifica-se, ainda, na Revolução Francesa – sob a falsa ideologia de fraternidade, igualdade e liberdade – àqueles em serviço aos interesses da burguesia. Sobre a revolução francesa, consultar: DE CICCO, Cláudio. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito, p. 163-175.

4 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto, p. 315-316.

5 Ibidem, p. 319.

6 VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARA, Maria Constança Peres; FABRINI, Ricardo Nascimento (Coord.). Direito e filosofia: a noção de justiça na história da filosofia. São Paulo: Atlas, 2007. p. 141-142.

7 CAMPILONGO, Celso. Governo representativo “versus” governo dos juízes: a “autopoiese” dos sistemas político e jurídico. Belém: UFPA, 1998. p. 56; LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade. Traducción Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana, 2002. p. 281.

8 LUHMANN, Nicklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993. [trad. esp.] El derecho de la sociedad. México: Herder/Universidad Iberoamericana, 2005. p. 280-281.

9 Ibidem, p. 282.

10 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto, p. 348: Che cosa possa essere la giustizia nella società moderna, non è possibile stabilirlo in guisa dell’interpretazione di una norma o di un valore, ad esempio, mediante esegese del concetto di eguaglianza, ma può risultare solo dall’accordo con altre variabili che determinano il sistema giuridico in dipendenza da determinate condizioni ambientali. Constatazione sulla giustizia dipendono, quindi, anche dal fatto che per il sistema giuridico possano essere operazionalizzate asserzione sulla varietà, I’interdispendenza o la generalizzazione.”.

11 VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann. In: PISSARA, Maria Constança Peres; FABRINI, Ricardo Nascimento (Coord.). Direito e filosofia: a Justiça na história da filosofia, p. 143-144.

12 Cf. LUHMANN, Niklas. La differenziazione del diritto, p. 348-349: “1) Un sistema di decisione corrisponde meglio al suo ambiente nella misura in cui può rappresentare al suo interno complessità esterna e portarla a decisione, vale a dire, può decidere adeguatamente. Ciò richiede una ricostruzione non solo della grandeza e della varietà dell’ambiente, ma anche delle interdipendenze dell’ambiente nel sistema. Una tale comprensione delle interdipendenze esterne, tuttavia, incontra presto difficoltà che, allo stato attuale a quello prevedibile per il futuro della tecnica della decisione, sono considerate insuperabili. Ogni sistema di decisione, perciò, retrocede su criteri e procedimenti di riduzione della complessità.”.

13 Ibidem, p. 321.

14 Ibidem, p. 370.

15 Acerca da diferenciação funcional que, na teoria de Luhmann, caracteriza a sociedade moderna, ver: VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Différentiation fonctionnelle. In: ARNAUD, André-Jean (Dir.). Dictionnaire de la globalisation. Droit, science politique, sciences sociales. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2010. p. 144-148. Cabe notar que a perspectiva de Luhmann se dirige à sociedade moderna e, sobretudo, ocidental. Sua concepção acerca da justiça é, portanto, direcionada ao Ocidente moderno, motivo pelo qual é preciso ter cautela para não aplicá-la indiscriminadamente. A respeito, ver: VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O direito de qual sociedade? Os limites da descrição sociológica de Niklas Luhmann acerca do direito a partir da crítica antropológica. In: FEBBRAJO, Alberto; SOUSA LIMA, Fernando Rister; PUGLIESI, Márcio (Coord.). Sociologia do direito: teoria e práxis. Curitiba: Juruá, 2015. p. 337-366.

16 Note-se que, a esse respeito, a terminologia de Luhmann não é precisa, uma vez que esse autor utiliza “fórmula de consistência” e “fórmula de contingência” no mesmo sentido. Segundo Jean Clam, “l’usage de cette terminologie n’est pas très précis dans la théorie du droit luhmannienne. Il y a un flottement dans la caractérisation de la justice comme formule de consistance ou de contingence (alors que la distinction est clairement établie pour l’économie). Ainsi dans RdG [Das Recht der Gesellschaft] le chapitre consacré à la justice est intitulé ‘la formule de contingence: Justice’ (Kontingenzformel Gerechtigkeit), alors que dans RS [Rechtssoziologie], il ne parle que de formule de consistance [...]” (Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes. Paris: Presses Universitaires de France, 1997, p. 225, nota 1).

17 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993. p. 218 [trad. esp.] El derecho de la sociedad. México: Herder/Universidad Iberoamericana, 2005. p. 280; [trad. ingl.] Law as a social system. Oxford: Oxford University Press, 2004. p. 213-214.

18 Ibidem, 2005, p. 280.

19 Cf. CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 207.

20 Luhmann critica concepções que ele considera atreladas ao paradigma do direito natural, tais como a de Manuel Atienza, que partiriam da premissa de que a pressuposição de uma ordem superior (o direito natural) seria a única forma de fundamentação crítica em relação ao direito positivo. Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 220 (trad. ingl., p. 215; trad. esp., p. 281). Acerca do perfil crítico-avaliativo das teorias do direito natural, ver, por exemplo: FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1995. p. 26. A esse respeito, Gunther Teubner ressalta que a própria historização da justiça teria levado ao abandono de demandas filosóficas por uma universalidade temporal e espacial. Assim, segundo ele, nas condições contemporâneas de fragmentação social, concepções aristotélicas ou kantianas do que é uma sociedade justa teriam perdido plausibilidade (Self-subversive justice: contingency or transcendence formula of law? The Modern Law Review. 72( 1), p. 1-23, 2009. p. 2, 5).

21 Cf. LUHMANN, Niklas. Ausdifferenzierung des Rechts. Beiträge zur Rechtssoziologie und Rechtstheorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999. p. 377 (trad. it., p. 319); CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 208.

22 Segundo Jean Clam, “la crise des conceptions ‘perfectionnistes’ [...] arrive, pour Luhmann, avec la transition vers la modernité [...]”. (Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 215, 221). A respeito, Marcelo Neves ressalta que “torna-se irrelevante para Luhmann uma teoria da justiça como critério exterior ou superior ao direito positivo” (Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e para além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 84).

23 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 218-219 (trad. ingl. p. 214; trad. esp., p. 279-280); LUHMANN, Niklas. Ausdifferenzierung des Rechts. Beiträge zur Rechtssoziologie und Rechtstheorie, p. 387 e ss.

24 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã, p. 84.

25 Cf. VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Da ilusão à fórmula de contingência: a justiça em Hans Kelsen e Niklas Luhmann, p. 129-150; GONÇALVES, Guilherme Leite; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Teoria dos sistemas sociais: direito e sociedade na obra de Niklas Luhmann. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 120-126.

26 Segundo Jean Clam, “la perfection fait fonction de mécanisme de blocage de la contingence en fondant des ordres autosubstitutifs, dont la réflexivité n’est cependant pas fonctionnelle. [...] La caractéristique des ordres axiologiques traditionnels est qu’ils ont à leur fondement des valeurs dernières qui se réfléchissent en elles-mêmes en s’appliquant chacune sa propre valeur. Ainsi la justice est juste et la vérité vraie, etc. En faisant référence à elles-mêmes, elles permettent à l’ordre propre d’arrêter tout renvoi à un ordre aliène et lui fournissent un fondement dernier non soumis à la contingence. [...] Son autoréférence se distingue cependant de l’autoréférance systémique par le fait qu’elle n’est pas fonctionnelle” (Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 212-213). Complementarmente a isso, Marcelo Neves enfatiza que a referência a valores pretensamente universais acarretaria a imobilidade do sistema jurídico, bloqueando sua tarefa seletiva, de modo a gerar efeitos disfuncionais (Entre Têmis e Leviatã, p. 85).

27 Cf. CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 207-208.

28 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 218 (trad. ingl., p. 214; trad. esp., p. 279). Para uma análise dos programas na teoria de Luhmann, ver: VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Programmes. In: ARNAUD, André-Jean (Dir.). Dictionnaire de la globalisation. Droit, science politique, sciences sociales. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2010. p. 431-434.

29 O termo alemão Umwelt, em português, pode ser traduzido como entorno ou como ambiente. Nas edições de língua inglesa, o termo aparece como environment e nas francesas como environnement. Nas traduções de língua espanhola, tal termo costuma ser traduzido como entorno. No Brasil, atualmente, a tendência tem sido traduzir o termo Umwelt como “ambiente”. Em minhas publicações mais antigas, costumava utilizar o termo “entorno” que, ademais, aparece também, embora circunstancialmente, em publicações de Celso Campilongo e de Marcelo Neves. Atualmente, tenho optado por utilizar o termo “ambiente”.

30 Em Niklas Luhmann, a justiça só pode ser considerada a partir do interior do subsistema jurídico, seja em termos de complexidade adequada (justiça externa), seja em termos de consistência das decisões (justiça interna), o que remete, respectivamente, para a abertura cognitiva desse subsistema e para a sua capacidade de conexão da reprodução normativa autopoiética (Entre Têmis e Leviatã, p. 84).

31 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 225 (trad. ingl., p. 219; trad. esp., p. 287).

32 Ibidem, p. 225; TEUBNER, Gunther. Self-subversive justice: contingency or transcendence formula of law? The Modern Law Review. 72( 1), 2009. p. 8.

33 Referindo-se aos subsistemas sociais, Jean Clam ressalta que “tous ces systèmes se laissent réguler par des ‘formules de contrôle’ ou ‘de consistance’ – souvent complémentaires de ‘formules de contingence’. Ces grandeurs ne sont pas seulement axiologiquement neutralisantes (puisqu’elles font ‘abstraction’ des valeurs qui entrent en jeu dans leurs fomules, mais elles sont elles-mêmes neutres, comme produits de relationnements seconds et de négociation des valeurs neutralisées” (Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 224-225). Cumpre observar que Niklas Luhmann compara a justiça com outras fórmulas de contingência de outros subsistemas funcionais. Assim, indica a escassez como fórmula de contingência da economia, a legitimidade como fórmula de contingência da política, a limitação, via negação, como fórmula de contingência da ciência e a ideia de um Deus único como fórmula de contingência na religião.

34 Cf. CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 221. Em sentido análogo, Marcelo Neves ressalta que se trata “por um lado (externamente), de abertura cognitiva adequada ao ambiente, capacidade de aprendizagem e reciclagem em face deste; por outro (internamente), da capacidade de conexão da reprodução normativa autopoiética” (Entre Têmis e Leviatã, p. 84).

35 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 223 (trad. ingl., p. 218; trad. esp., p. 285).

36 TEUBNER, Gunther. Direito, sistema e policontexturalidade. Tradução de Rodrigo Octávio Broglia Mendes et al. Piracicaba: Ed. da Unimep, 2005. p. 71.

37 Cf. Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 215 (trad. ingl., p. 212; trad. esp., p. 277). Tal como ocorre com outros termos utilizados por Niklas Luhmann, Recht e Unrecht (que veiculam os dois valores constantes no código do direito) são de difícil tradução. Javier Torres Nafarrate, tradutor para o espanhol do livro O direito da sociedade [Das recht der gesellschaft] optou por traduzi-los como direito (Recht) e não direito (Unrecht). Os tradutores franceses, em geral, traduzem Recht/Unrecht por légal/illégal. Também as traduções inglesas – como é o caso de Law as a social system – comumente traduzem o binômio Recht/Unrecht por legal/illegal. Ademais, conforme assinala Pierre Guibentif, a problemática terminológica que envolve os termos Recht e Unrecht não é exclusiva das demais línguas. No próprio alemão haveria ambiguidades semânticas relacionadas a tais termos, que trariam uma carga moral. Segundo esse autor, “l’opposition Recht/Unrecht connote ainsi, bien plus que l’idée technique d’une opposition entre ce qui est conforme et ce qui est contraire au droit (ce qui d’ailleurs serait désigné en allemand de manière univoque par l’adverbe widerrechtlich, courant dans le langage juridique), l’opposition entre le tort et la raison. Niklas Luhmann reconnaît d’ailleurs lui-même, à un moment donné, le caractère ‘moralement chargé de la terminologie’. Mais il ne renonce pas pour autant aux termes Recht/Unrecht, considérant pouvoir imposer un sens tout à fait indépendant de toute référence morale” (Introduction. In: ARNAUD. André-Jean; GUIBENTIF, Pierre (Coord.). Niklas Luhmann: observateur du droit. Paris: LGDJ, 1993. p. 44-45). Para uma análise da carga moral dessa terminologia, ver LUHMANN, Niklas. The coding of the legal system, p. 149. No Brasil, Marcelo Neves e Celso Campilongo traduzem Recht por lícito e Unrecht por ilícito. Em meu livro, intitulado O direito na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, seguindo a opção sugerida por Javier Torres Nafarrate, utilizei os termos direito/não direito como tradução do binômio Recht/Unrecht. Posteriormente, sobretudo em livros como Teoria dos sistemas e o direito brasileiro e também Teoria dos sistemas sociais: direito e sociedade na obra de Niklas Luhmann, optei pela tradução lícito/ilícito.

38 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 219 (trad. ingl., p. 214-215; trad. esp., p. 280).

39 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 223; 232-233 (trad. ingl., p. 218, 224-225; trad. esp., p. 285, 294).

40 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 222 (trad. ingl., p. 217; trad. esp., p. 283-284); LUHMANN, Niklas. Ausdifferenzierung des Rechts. Beiträge zur Rechtssoziologie und Rechtstheorie, p. 410 (trad. it., p. 354).

41 Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 223 (trad. ingl., p. 218; trad. esp., p. 284-285).

42 Cf. LUHMANN, Niklas. Rechtssoziologie. 4. Auflage. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenchaften, 2008. [trad. port.]: Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983 e 1985. v. I, v. II, p. 284. (trad. port. v. 2, p. 87).

43 A esse respeito, Niklas Luhmann enfatiza que “não se trata mais da igualdade em termos de desempenho no bem e no mal (baseada na reciprocidade ou na retaliação), mas da igualdade na aplicação de premissas específicas da decisão, apesar da mudança de outras circunstâncias no contexto dos papéis (agora já ‘irrelevantes’)”. Com isso, abdicar-se-ia da equidade concreta da compensação implícita na interação individual. Igualdade perante a lei passa a significar: especificação e aplicação universal de critérios para a decisão “sem consideração da pessoa” (Rechtssoziologie, p. 284, trad. port. v. 2, p. 86-87).

44 Cf. CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 209.

45 Evidentemente que se está aqui bem distante de uma concepção normativa da justiça como equidade, tal como a que é proposta, por exemplo, por John Rawls (Uma teoria da justiça, p. 3-56). Essa oposição é muito bem analisada, ainda que em termos mais abrangentes e não centrados na problemática do conceito de justiça, por Jürgen Habermas, nas duas primeiras seções do capítulo II do livro Direito de democracia (Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1. p. 65-94. Vale notar ainda que a posição de Luhmann também não se confunde com o princípio do right to equal concern and respect proposto por Ronald Dworkin que, baseando-se em grande medida na teoria da justiça de Rawls, também ostenta uma clara dimensão normativa (Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 279-282; 419-427). A respeito, GuntherTeubner ressalta que Rawls e Habermas conceberiam a justiça sem um fundamento histórico e social. Suas ideias estariam, portanto, presas à antiga tradição semântica europeia que definia os componentes básicos da justiça como a reciprocidade universal, o consenso e a racionalidade (Self-subversive justice: contingency or transcendence formula of law? The Modern Law Review. 72( 1), 2009, p. 3).

46 Cf. CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 211.

47 Ibidem, p. 333-334.

48 Ibidem, p. 344.

49 Ibidem, p. 346.

50 Sobre a função do direito na sociedade, ver CLAM, Jean. Droit et société chez Niklas Luhmann: la contingence des normes, p. 347: “La funzione specifica del diritto nella società – in altro luogo l’avero caratterizzata come generalizzazione congruente di aspettative di comportamento – si lascia esprimere soltanto nella forma di requisiti ulteriori di compatibilità e adattabilità. Con la possibilità di precisare questi requisiti e di farli valere come funzione sociale contro la pressione ambientale altrimenti specificata, al giurista è data la chancer di affermare socialmente e politicamente la sua autonomia.”.

51 Isso implica que o sistema jurídico reconstrua em si a complexidade do ambiente. Para tanto, o sistema precisa reduzir complexidade e o faz a partir de um alto grau de indiferença. Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, p. 225 (trad. ingl., p. 219; trad. esp., p. 287).

52 Cf. TEUBNER, Gunther. Self-subversive justice: contingency or transcendence formula of law? The Modern Law Review. 72( 1), 2009, p. 8-13. Infelizmente, não há como analisar no contexto deste artigo a proposta de Teubner que, conjugando a perspectiva de Luhmann com as de Derrida e Levinas, analisa a justiça em termos de uma fórmula de transcendência.

53 Marcelo Neves ressalta que “a relação entre justiça interna e externa é paradoxal. Não se pode imaginar um equilíbrio perfeito entre consistência jurídica e adequação social do direito [...]. Nesses termos, a justiça constitui um paradoxo [...] é sempre algo que falta, implicando a busca permanente do equilíbrio entre consistência jurídica e adequação social das decisões jurídicas. Esse paradoxo pode ser processado e solucionado nos casos concretos, mas ele nunca é superado plenamente, pois é condição da própria existência do direito diferenciado funcionalmente” (Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 225-226).

54 Jacques Derrida afirma que “a justiça é uma experiência do impossível. Uma vontade, um desejo, uma exigência de justiça cuja estrutura, não fosse uma experiência da aporia, não teria nenhuma chance de ser o que ela é, a saber, apenas um apelo à justiça” (Força de lei. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 30). Vale lembrar que a mobilização do pensamento de Derrida é feita tanto por Teubner como por Neves.

55 Alain Supiot destaca justamente essa “recherche toujours tâtonnante de la justice» (Homo juridicus. Essai sur la fonction anthropologique du Droit. Paris: Seuil, 2005. p. 233).

56 CAMPILONGO, Celso. Governo representativo “versus” governo dos juízes: a “autopoiese” dos sistemas político e jurídico, p. 58; LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, p. 280.

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ISSN: 2177-1499