A DETERMINAÇÃO DE REEDUCAÇÃO DE AGRESSORES DOMÉSTICOS COMO MEDIDA NECESSÁRIA FRENTE À VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NAS VARAS DE FAMÍLIA, DA INFÂNCIA E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
THE DETERMINATION OF REEDUCATION OF DOMESTIC AGRESSORS AS A NECESSARY MEASURE FOR PSYCHOLOGICAL VIOLENCE IN FAMILY, CHILDHOOD AND DOMESTIC VIOLENCE COURTS
Artenira da Silva e SilvaI
Gabriella Sousa da Silva BarbosaII
I Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Programa de Pós-Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da UFBA, São Luís, MA, Brasil. (Doutora em Saúde Coletiva). E-mail: artenirassilva@hotmail.com
II Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela UFBA, São Luís, MA, Brasil. E-mail: gssbarbosa@gmail.com
Sumário: Considerações iniciais. 1 Medidas Protetivas de Urgência na Lei Nº 11.340/2006. 2 Da violência psicológica como violência doméstica. 3 O uso da reeducação do agressor como medida protetiva de urgência. Considerações finais. Referências.
Resumo: As medidas protetivas de urgência previstas entre os artigos 18 a 24 da Lei nº 11.340/2006, Maria da Penha, intentam proteger a mulher vítima de violência em ambiente doméstico e familiar da iminência de continuidade da lesão ou ameaça de lesão aos seus direitos. Nesse sentido, toma-se por base uma análise de Parecer do Ministério Público do Maranhão, Processo nº 11437-60.2015.8.100001, que, ao relacionar esta demanda na vara de família com outras referentes ao mesmo conflito familiar existentes na Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar da comarca de São Luís – MA pugnou, dentre as medidas a serem aplicadas, pela reeducação do agressor, praticante de violência psicológica e assédio processual. Intenta-se observar a possibilidade processual de se aplicar a reeducação como medida protetiva de urgência, a fim de se alcançar maior eficácia na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, bem como possibilitar a prevenção da ocorrência de novos tipos de violência, independentemente de existência de ação penal e de uma possível futura condenação.
Palavras-chave: Medidas Protetivas de Urgência. Violência Psicológica. Reeducação do Agressor. Eficácia. Assédio Processual.
Abstract: The urgent protective measures provided in the articles 18 to 24 of Law Number 11.340/2006, also known as the Maria da Penha Law, aim to protect women victims of domestic and family violence from the imminence of the continuation of the injury or threat of harm to their rights. Therefore, this article has been based on the analysis of the Statement of a Public Prosecutor of the Brazilian State of Maranhão in the Case nº 11437-60.2015.8.100001, in which the public prosecutor linked a family demand to others referring to the same family conflicts presented to the Special Court of Domestic and Family Violence against Women of São Luís-MA, requiring for, among other measures to be applied, the re-education of the aggressor, practitioner of psychological violence and procedural harassment. It is tried to observe the procedural possibility of applying re-education as a protective measure of urgency, in order to achieve greater effectiveness in the protection of women victims of domestic violence, as well as to prevent the occurrence of new types of violence, regardless of existence of criminal prosecution and possible future conviction.
Keywords: Urgent Protective Measures. Psychological Violence. Re-education of the aggressor. Effectiveness. Procedural harassment.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, é reconhecida internacionalmente como um dos mais completos instrumentos legais para proteção de mulheres vítimas de violência em ambiente doméstico e familiar. Até se chegar a sua promulgação, contudo, inúmeras foram as reinvindicações populares, especialmente de grupos organizados da sociedade civil e de movimentos feministas (CALAZANS; CORTE, 2011, p. 39).
Nos anos 1980, as reinvindicações intensificaram-se, impulsionando ações governamentais a fim de diminuir a pressão popular por uma efetiva tutela estatal quanto à proteção de mulheres em situação de violência doméstica. Implementaram-se os Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Mulher de 1983, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e as delegacias especializadas no atendimento às vítimas de violência, ambas de 1985, além de ter ocorrido a inclusão na Assembleia Constituinte de 88 do inciso I do artigo 5º – igualdade entre os sexos – e do parágrafo 8º ao artigo 226 – criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA, 2009, p. 13).
É, pois, a partir da redemocratização do país que as mobilizações mais contundentes dos movimentos organizados da sociedade civil, por meio de seminários e reuniões, incitaram o Poder Legislativo à feitura de uma legislação que protegesse as mulheres em situação de vulnerabilidade no ambiente familiar. Desde a Lei nº 8.930/94, que inclui o estupro no rol de crimes hediondos, ou mesmo a Lei nº 10.224/2001, que tipificou o assédio sexual no Código Penal, tem-se uma intensa discussão de projetos de lei visando à propositura de um diploma legal que incluísse as pautas reivindicadas ao longo das décadas anteriores no que tange à violência doméstica (CALAZANS; CORTE, 2011, p. 40).
Caso emblemático acerca da vulnerabilidade das mulheres vítimas de violência doméstica e da impunidade de seus agressores no país foi o da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes. Em 29 de maio de 1983 ela foi atingida por um tiro enquanto dormia, o que acabou por torná-la paraplégica. Apesar da versão dada pelo agressor de ter sido uma tentativa de assalto, mais tarde descobrir-se-ia que o autor do disparo era seu marido, o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros. Retornando à sua casa depois de um tempo no hospital para se recuperar do ataque, Maria da Penha foi alvo de um novo atentado: recebeu uma forte descarga elétrica enquanto tomava banho (CAMPOS, 2008, p. 18-19).
Concomitantemente, no cenário nacional, os debates referentes à ampliação dos direitos das mulheres em direção à aquisição da igualdade material entre ambos os sexos mostrou-se mais contundente com a pressão da sociedade para que o Poder Legislativo fosse mais atuante. Na década de 1990 essa luta ampliou-se, com a intensificação dos debates referentes à violência baseada no gênero nas pautas políticas das Delegacias Especializadas, assim também com a declaração pelo Superior Tribunal de Justiça da ilegalidade da tese, até então vigente, da legítima defesa da honra (BARSTED, 2011, p. 19).
Quanto a Maria da Penha Maia Fernandes, seu marido foi denunciado pelo Ministério Público em 28 de setembro de 1984. Contudo, após uma série de subterfúgios como recursos às sentenças condenatórias, alegações de falhas no Tribunal do Júri e a própria morosidade usual do Sistema de Justiça brasileiro, Marco Antônio Heredia Viveiros acabou preso 20 anos após o cometimento do delito (CAMPOS, 2008, p. 19).
Foi diante de tamanha morosidade processual e da utilização indiscriminada dos meios de defesa protelatórios por parte de seu agressor que Maria da Penha levou seu caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso nº 12.051/OEA, obtendo a condenação do Estado brasileiro no ano de 2001, por descumprimento do artigo 7º da Convenção de Belém do Pará, assim como dos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CALAZANS; CORTE, 2011, p. 56).
Foi nesse panorama que o Projeto de Lei nº 4.559/2004, elaborado por um grupo de trabalho interministerial, composto pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Casa Civil da Presidência da República, Advocacia Geral da União, Ministério da Saúde, Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República e outros grupos voltados aos estudos e lutas de gênero, foi sancionado em 2006, recebendo a denominação de Lei Maria da Penha em virtude da condenação à reparação simbólica imposta ao Brasil à autora da denúncia na Corte Interamericana (OLIVEIRA, 2013, p. 2).
Nesse contexto, esclarece-se que o foco do presente estudo é uma inovação legislativa e processual trazida pela Lei nº 11.340/2006: as medidas protetivas de urgência. Figura sui generis, de natureza jurídica ainda indefinida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátrias, são tais medidas, previstas entre os artigos 18 e 24 da lei, as de mais fácil acesso às mulheres que buscam o auxílio do poder estatal, sem necessidade de advogado, de modo a, por pedidos de proteção ao Judiciário, manterem sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (PIRES, 2011, p. 125).
Ocorre que, mesmo representando o instrumento mais acessado pelas jurisdicionadas do referido diploma legal, tais medidas têm sido interpretadas apenas com o condão de resguardar direitos da mulher agredida, o que por si só não satisfaz o apelo social de punição do agressor e ou de qualquer medida que de fato possa prevenir a ocorrência dos fatos trazidos emergencialmente a juízo, em especial pelo processo de naturalização da violência de gênero, que comumente leva o agressor a não perceber suas ações ou omissões como violência, frequentemente responsabilizando a vítima por seus descontroles, bem como levando a mulher a não se perceber como vítima de violência de gênero ou, ainda, de introjetar culpa pela violência sofrida.
Assim, observa-se a complexidade da relação agressor-agredida em todos os tipos de violência, mas em especial no que tange à violência psicológica e ou moral, fortemente atrelada às demais modalidades de violência ou mesmo considerada a porta de entrada para o início das demais modalidades (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p. 99). Tanto a adoção de um vetor punitivo, em resposta a apelos sociais, quanto o uso exclusivo das medidas protetivas de urgência explicitadas entre os artigos 22 a 24 da Lei Maria da Penha aplicados a cada caso concreto, são insuficientes para fazer cessar a continuidade da lesão ou ameaça de lesão aos direitos humanos das mulheres, uma vez que o agressor é, assim como a vítima e seus julgadores, pessoa inserida na sociedade, cujas assujeitações inserem-se em uma dinâmica em que, em maior ou menor grau, em termos conscientes ou inconscientes, a mulher é ainda significada como um ser humano naturalizado como infravalorado, devendo ser subordinada a seu companheiro e ainda manter a família a qualquer custo.
O que se percebe é que, geralmente, a decretação de prisão nos casos de violência doméstica é uma forma de punir o agressor pela desobediência à medida protetiva aplicada, e não uma responsabilização direta pelo ato violento ou uma reflexão ou reeducação do agressor frente à violência de gênero, como expressamente previsto na Lei Maria da Penha, já que apenas na ínfima minoria dos casos levados ao Judiciário há início de ação penal (PIRES, 2011, p. 144-145).
É nesse sentido que se utilizou como estratégia de pesquisa para a proposição do presente estudo a análise do Parecer do Ministério Público do Maranhão nos autos do Processo nº 11437-60.2015.8.100001 – Ação de Cumprimento de Ação de Fazer e Obrigação de Não Fazer –, no qual, diante do descumprimento de acordo homologado no Processo nº 30722.10.2003.8.10.0001, em que o executado comprometera-se a uma série de responsabilidades parentais, as quais vinha descumprindo. O Ministério Público entendeu, consubstanciada a violência psicológica à filha de ambas as partes proferida em sentença de mérito exarada pela Vara Especializada em Violência Doméstica de São Luís-MA, pugnar pela inserção do agressor em grupo reflexivo de responsabilização e reeducação, prevista no artigo 45 da Lei Maria da Penha, sem considerar o pleito uma execução de pena, mas sim uma medida a proteger a vítima e prevenir futuras lesões a sua saúde psicológica, ou seja, pugnou o Ministério Público pela reeducação enquanto medida protetiva de urgência.
1 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NA LEI Nº 11.340/2006
As Medidas Protetivas de Urgência estão previstas no Capítulo II da Lei Maria da Penha, distribuindo-se expressamente entre os artigos 18 a 24 do diploma legal e dividindo-se entre aquelas que obrigam o agressor e as voltadas às ofendidas.
Elenca a Lei Maria da Penha um rol de medidas para dar efetividade ao seu propósito: assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. São previstas medidas inéditas, que são positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja vítima não fosse somente mulher. Deter o agressor e garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole está a cargo tanto da polícia como do juiz e do próprio Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. A Lei traz providências que não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos artigos 22 a 24. Encontram-se espraiadas em toda a Lei diversas medidas também voltadas à proteção da vítima que cabem ser chamadas de protetivas (DIAS, 2007, p. 78).
Conforme aduz Amom Albernaz Pires (2011, p. 125), são tais medidas as mais acessadas pelas mulheres que buscam a intervenção estatal, uma vez que, para além da agilidade no seu deferimento – encaminhadas ao Judiciário no expediente das delegacias – não há a necessidade de capacidade postulatória, ou seja, acompanhamento de um advogado.
Do mesmo modo, há ainda a segurança à mulher agredida – muitas vezes envolvida em quadros de dependência financeira, ou mesmo emocional, como na Síndrome da Mulher Agredida (SAUÁIA; ALVES, 2016, p. 92-93) – de que seu agressor apenas será encarcerado em caso de desobediência à determinação judicial (PIRES, 2011, p. 125).
Uma das grandes novidades da Lei Maria da Penha é admitir que medidas protetivas de urgência do âmbito do Direito das Famílias sejam requeridas pela vítima perante autoridade policial. [...] Requerida a aplicação de quaisquer dessas medidas protetivas, a autoridade policial deverá formar expediente a ser encaminhado ao juiz (art. 12, III). Quer por falta de expressa determinação legal, quer por se revelar esta exigência incabível, não há como se exigir que as medidas protetivas sejam pleiteadas por meio de procurador ou defensor. Mesmo que a Lei garanta à mulher em situação de violência acesso aos serviços da Defensoria Pública ou da Assistência Judiciária Gratuita em sede policial (art. 28), não condiciona o pedido de tutela de urgência à representação por advogado (DIAS, 2007, p. 80).
Especificamente em relação aos artigos 18 a 21, Seção I, do texto legal, observam-se as Disposições Gerais no que tange ao tratamento e processamento de tais medidas. De modo simplificado, recebido o expediente, deverá o magistrado, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, conhecer e deferir a medida que considerar plausível, assim como determinar o encaminhamento da ofendida a órgão de assistência judiciária, quando for o caso, além da comunicação ao Ministério Público, para que tome as devidas providências.
Ressalte-se, nesse ponto, que a partir da formação do expediente, exige-se o registro e autuação próprios, separados dos autos do inquérito policial e da ação penal (LAVIGNE; PERLINGEIRO, 2011, p. 295).
Voltando-se às medidas positivadas no texto da lei, torna-se importante ressaltar que o rol trazido entre os artigos 22 a 24 é apenas exemplificativo, “não esgotando o rol de providências protetivas passíveis de adoção, consoante ressalvado no artigo 22, § 1º e no caput dos artigos 23 e 24” (DIAS, 2007, p. 79).
Adentrando-se à Seção II, observam-se as medidas protetivas que obrigam o agressor, artigo 22, sendo elas:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Nesse sentido, o que a Seção aborda é a intenção de se distanciar da mulher agredida física, psicológica, moral, sexual ou patrimonialmente, as possibilidades de que perdurem ou repitam-se situações de violência contra ela, seus familiares ou testemunhas da agressão. Faz-se importante destacar a ressalva de que o agressor doméstico considerado por este dispositivo legal não se restringe à figura de um homem, mas pode incidir sobre outras mulheres ou pessoas que possuam vinculação doméstica e ou familiar com a vítima.
Como se trata de relações regidas pela gramática sexual, podem ser compreendidas pela violência de gênero. Mais do que isto, tais violências podem caracterizar-se como violência doméstica, dependendo das circunstâncias. Fica, assim, patenteado que a violência de gênero pode ser perpetrada por um homem contra outro, por uma mulher contra outra. Todavia, o vetor mais amplamente difundido da violência de gênero caminha no sentido homem contra mulher, tendo a falocracia como caldo de cultura. Não há maiores dificuldades em se compreender a violência familiar, ou seja, a que envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a consaguineidade e a afinidade. Compreendida na violência de gênero, a violência familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais frequente o primeiro caso (SAFFIOTI, 2004, p. 71).
No que tange às medidas protetivas de urgência direcionadas à ofendida, Seção III, artigos 23 a 24, têm-se um rol de condutas oferecidas à mulher agredida e seus dependentes. Inicialmente, no artigo 23, observam-se duas modalidades de medidas oferecidas à vítima. São elas:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos.
No inciso I, a providência poderá tomar caráter jurisdicional, quando solicitada pelo magistrado ou autoridade policial, como também converter-se em uma medida de cunho administrativo, quando o Ministério Público, fazendo uso de seu direito à requisição de serviços públicos de segurança, a requisitar. Outrossim, as demais medidas – incisos II a IV –, revestem-se sob o manto do âmbito das relações familiares e do Direito de Família (DIAS, 2007, p. 83).
Em relação ao artigo 24 da Lei, têm-se a proteção ao direito patrimonial da mulher vulnerabilizada, como demonstram os incisos que se seguem.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
Diante do acima exposto, como aponta Caroline de Brito Silva (2015, p. 14), todas as medidas direcionadas à ofendida devem ser requeridas pela vítima à autoridade policial, uma vez que é a mesma a pessoa legítima para intentá-las, não cabendo nem ao magistrado, ou mesmo à autoridade policial, seu deferimento de ofício.
2 DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA COMO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência remonta às origens da humanidade. Percebem-se as constantes disputas de poder que envolvem a convivência humana na sociedade ao longo da história, enredadas pelo ódio e vontade de se aniquilarem povos ou indivíduos. Apesar de seu caráter sócio-histórico, a violência passa a tornar-se questão de saúde pública à medida que começa a afetar a saúde individual e coletiva dos membros da sociedade (MINAYO, 2005, p. 10).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação (DAHLBERG; KRUG, 2007, p. 1.165).
Perceba-se que o uso do termo “poder” na definição da Organização Mundial de Saúde é revelador quanto à potencialidade da violência em relações de assimetria social, quando uma das partes se vê vulnerabilizada, tal qual ocorre nos casos de violência pautados no gênero.
A violência não é uma, é múltipla. De origem latina, o vocábulo vem da palavra vis que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. No seu sentido material o termo parece neutro, mas quem analisa os eventos violentos descobre que eles se referem a conflitos de autoridade, a lutas pelo poder e a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens. Suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas, segundo normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos legais da sociedade. Mutante, a violência designa, pois – de acordo com épocas, locais e circunstâncias – realidades muito diferentes. Há violências toleradas e há violências condenadas (MINAYO, 2005, p. 13).
É nesse sentido que se pode afirmar haver modalidades de violência construídas historicamente, que perduram nas sociedades, encontrando-se naturalizadas, posto que os sujeitos que as cometem acreditam estar exibindo um comportamento absolutamente normal, logo tolerável e minimizável. A violência pautada no gênero amolda-se a esta categoria (MINAYO, 2010, p. 23), sendo a violência doméstica e familiar uma de suas expressões mais cruéis.
Nesse contexto, destaca-se a ocorrência de uma modalidade especial de violência, não apenas por ser o segundo tipo mais denunciado ao Disque 180 ou nas delegacias especializadas, mas também por se fazer presente, quer isoladamente quer acompanhando a ocorrência de todos os demais tipos de violência, apresentando intenso poder de dano e consequência. Segundo a divisão do Ministério da Saúde, a violência doméstica pode ser dividida em quatro modalidades de violência – dentro das quais se inserirão aquelas trazidas pelo artigo 7º da Lei Maria da Penha. Desdobra-se, portanto, a violência entre física, sexual, negligência – omissão de responsabilidade de um ente familiar em relação a outro – e psicológica (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p. 96).
De modo aproximado, a Lei nº 11.340/2006 aborda em seu artigo 7º as formas de violência contra a mulher, fazendo a ressalva de existirem outras formas diferentes daquelas positivadas no texto legal, o que demonstra a clara vontade do legislador em se atentar às especificidades do caso concreto, visando assim obter a máxima proteção da mulher agredida. O legislador traz como espécies de violência contra a mulher sob o manto da lei a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: [...]
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
A violência psicológica pode ser caracterizada como “toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa” (DAY et al, 2003, p. 10). Sua inserção no plano da violência doméstica e familiar é de extrema importância, uma vez que, para além de sua alta incidência – representando 31,10% das denúncias de violência à Central de Atendimento à Mulher no primeiro semestre de 2016 (COMPRIMISSO E ATITUDE, 2017, p. 1), é a mais frequente entre as jurisdicionadas da Vara Especializada em Violência Doméstica de São Luís-MA (2016, p. 24), locus do presente estudo de caso.
A prática da violência psicológica ainda é uma invisibilizada no sistema de justiça, arraigada a fortes concepções patriarcais da sociedade em que os sujeitos estão inseridos, incluindo-se os operadores do direito. Destaque-se que em modalidade doméstica e ou intrafamiliar a violência psicológica ocorre de modo cíclico, repetitivo e cronificado, compromete a autoestima e poder de reação da vítima, visando predominantemente seu controle, constrangimento e humilhação.
Outra dificuldade em se lidar com a violência doméstica na modalidade psicológica é que, conforme apontam estudos na área, ela geralmente vê-se interseccionada pelas demais formas de violência (SCHRAIBER et al, 2007, p. 802), sendo, portanto, subnotificada quando ocorre de modo exclusivo ou ignorada quando complementada por outra agressão mais aparente.
Esse tipo de violência ocorre primariamente, e perdura durante todo o ciclo de violência; somando-se a essa, com o passar do tempo outras formas de violência vão sendo incorporadas. Dessa forma, a violência psicológica ocorre sempre a priori. Observa-se nas vítimas sofrimento psíquico, segundo elas mais intenso do que a violência na forma de agressão física. Admitem seu caráter silencioso, crônico, comprometedor da saúde psicológica da mulher (FONSECA et al, 2012, p. 310).
É uma “porta de entrada” para as demais modalidades de violência, em que o agressor deprecia tanto a autoestima da vítima, a ponto de lhe fazer crer em seu suposto desvalor, humilhando-a ou ridicularizando-a, de modo que chegue a um ponto onde não mais reagirá às agressões vindouras (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p. 99).
Ademais, os impactos da violência psicológica são profundos na mulher vitimada. A literatura da área de saúde vem relatando desde problemas emocionais, advindos de crenças de desvalor e autodepreciação, assim como doenças psicossomáticas, podendo, o quadro geral redundar na prática ou tentativa de suicídio por parte da vítima (FONSECA et al, 2012, p. 310).
No presente estudo de caso percebeu-se uma prática duplicada de violência psicológica. O Parecer do Ministério Público do Maranhão analisado nos autos da Ação de Cumprimento de Obrigação de Fazer e Obrigação de Não Fazer, Processo nº 11.437-60.2015.8.10.0001, refere-se à intenção da exequente em ver cumprido o acordo homologado nos autos do Processo nº 30722.10.2013.8.10001 pelo executado, nomeadamente em relação a algumas responsabilidades parentais dele em relação à filha de ambas as partes.
No mesmo parecer, a promotora de Justiça rememora o magistrado do reconhecimento da prática de violência doméstica psicológica por parte do exequente em relação à filha de ambas as partes, nos autos do Processo nº 140-53.2015.8.10.0002, sentenciado na Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de São Luís-Maranhão.
Observe-se que os impactos emocionais e à saúde física da mulher vítima de violência psicológica vêm-se agravados quando o caso envolve crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento. Conforme apontam Cecy Dunshee de Abranches e Simone Gonçalves de Assis:
Alguns problemas associados à convivência de violência psicológica na infância e constatados nos estudos foram: mau rendimento escolar; problemas emocionais (ansiedade, depressão, tentativa de suicídio e transtorno de estresse pós-traumático – TEPT); ser vítima de violência na comunidade e na escola, transgredir normas e vivenciar violência no namoro (ABRANCHES; ASSIS, 2011, p. 846).
De modo contínuo, salta aos olhos a extensa produção processual no deslinde da demanda ora analisada, fato este reconhecido pela mesma promotora de Justiça parecerista, em outro Parecer do Ministério Público do Maranhão na Ação de Cumprimento de Obrigação de Fazer proposta pelo executado deste estudo de caso em face da progenitora da filha de ambos, Processo nº 384-82.2015.8.10.0001, em que o agressor imputa à mãe da adolescente o descumprimento de acordo judicial. “[...] o Autor vem descumprindo as cláusulas do Acordo, além de manter uma convivência sem a harmonia com a filha, vem ingressando com queixas crime contra a Requerida, caracterizando uma perseguição desenfreada em forma de assédio processual” (MARANHÃO, 2016, p. 7).
O que fica nítido pelo parecer da promotora de Justiça, diante da diversidade de recursos, ações de cumprimento de sentença e desrespeito a acordos previamente consensuados pelas partes é que o executado do primeiro parecer analisado – e exequente do parecer acima – pratica assédio processual à mãe da adolescente vítima de violência psicológica e moral.
A finalidade desejada pelo assediador não é a exclusão do seu adversário desta relação, pela sua exposição a situações desconfortáveis e humilhantes, mas o intento é outro: retardar a prestação jurisdicional e/ou o cumprimento das obrigações reconhecidas judicialmente, em prejuízo da outra parte, reservando a esta todos os ônus decorrentes da tramitação processual. Entende-se, em linhas gerais, que assédio desta natureza consiste no exercício abusivo de faculdades processuais, da própria garantia da ampla defesa e do contraditório, pois, a atuação da parte não tem a finalidade de fazer prevalecer um direito que se acredita existente, apesar da dificuldade em demonstrá-lo em juízo, nem se cuida de construção de teses sobre assuntos em relação aos quais reina discórdia nos tribunais, a exemplo de uma matéria de direito, de interpretação jurídica, complexa e de alta indagação (PAROSKI, 2009, p. 121-122).
Perceba-se, contudo, que o assédio processual, modalidade de assédio moral, consubstancia-se em outra modalidade de violência: doméstica psicológica contra a exequente. Tal modalidade se expressa, inclusive, quando as relações de afeto desfeitas geram questões inacabadas ou mágoas e ressentimentos (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p. 97), podendo o agressor se utilizar do assédio processual, tal qual se vislumbra no caso concreto, para retirar a tranquilidade da vítima, causando-lhe potencialmente ansiedade e transtornos psicossomáticos como os elencados acima.
É diante desse contexto que a Promotora de Justiça pugna no parecer dos autos do Processo nº 11.437-60.2015.8.10.0001 pela inserção do executado em Grupo Reflexivo de Responsabilização e Reeducação para Homens Autores de Violência, em funcionamento na Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme previsão do artigo 45 da Lei Maria da Penha.
3 O USO DA REEDUCAÇÃO DO AGRESSOR COMO MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA
A Lei Maria da Penha prevê em seu artigo 35, inciso V, a possibilidade de a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios criarem e promoverem centros de educação e reabilitação dos agressores. Desse modo, no artigo 45 da mesma lei, impõe-se a modificação do artigo 152 da Lei nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais, acrescentando-se um parágrafo único com o seguinte teor:
Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. [...]. Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.”
Em que pese a inclusão do parágrafo único do artigo 152 à Lei de Execução Penal, não se vislumbra o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação do citado artigo 45 da Lei Maria da Penha como modalidade de pena, o que também se apreende do parecer em estudo.
O artigo 152 da Lei de Execução Penal vê-se incluído no Capítulo II – Das Penas Restritivas de Direitos, Seção III – Da Limitação de Fim de Semana do referido diploma legal, cujo caput é claro: “Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas”.
Concebendo-se a pena como “[...] a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora” (DELMANTO, 2002, p. 67), percebe-se que o que limita o bem jurídico liberdade de quem pratica o ilícito penal e se vê subsumido ao caput do artigo 152 é a limitação de fim de semana, não o curso que poderá ser ofertado durante a referida limitação.
Mais ainda, a vontade do legislador vê-se explícita quando fala que os cursos e palestras poderão ser cumpridos “durante o tempo de permanência” no cumprimento da pena, não podendo ser confundidos, então, com esta, sendo apenas uma atividade a qual o magistrado pode determinar o comparecimento do agressor durante o seu cumprimento, qual seja, a limitação de fim de semana. Assistir às palestras ou participar de cursos de reeducação não consiste em limitar o bem jurídico liberdade, tão somente é uma opção do que pode ser feito durante tal cerceamento.
Coadunando-se a tal entendimento, o Fórum Nacional de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – FONAVID, coordenado por magistrados titulares de todas as varas especializadas em violência doméstica e familiar do país enunciou: “O juiz, a título de medida protetiva de urgência, poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor para atendimento psicossocial e pedagógico, como prática de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher”.
Do mesmo modo, importante que se leve em consideração as bases axiológicas do texto da Lei Maria da Penha quando do estudo da possibilidade de inserção da reeducação do agressor como Medida Protetiva de Urgência.
Diante desse cenário, o exame das prognoses legislativas feitas ao tempo da tramitação do Projeto de Lei originário da Lei Maria da Penha (PL 4.559/2004) e a sua interpretação sistemática permitem concluir que a lógica que deve nortear a sua aplicação não é aquela típica das varas criminais comuns, em que se busca verificar a existência do crime, identificar o autor e puni-lo, quando a vítima tem o papel circunscrito ao de simples testemunha dos acontecimentos. O tratamento dado pela Lei Maria da Penha à violência contra a mulher baseada no gênero coloca como meta superior a proteção máxima e integral da mulher, isto é, a proteção mais ampla possível dos bens jurídicos de sua titularidade tais como a sua integridade física, psíquica, sexual, patrimonial e moral a partir de uma visão integrada dos campos cível e penal. Não se trata, portanto, de mera busca de um culpado e de sua consequente punição (de mera verificação da autoria, da materialidade e da tipicidade da conduta), mas também, e prioritariamente, de se resguardar a mulher-vítima da violação ininterrupta de seus direitos (enumerados exemplificativamente nos arts. 2º e 3º da Lei) e de empoderá-la no sentido de ter cada vez mais consciência desses direitos e de agir de conformidade com eles, para libertá-la de uma situação de passividade, fazendo-os valer perante as diversas instâncias do sistema de justiça especializado de violência contra a mulher e sendo capaz de romper ou de não contrair relacionamentos violentos, marcados por forte diferenciação de gênero, ou de pelo menos ter o poder de promover mudanças neles (PIRES, 2011, p. 124-125).
É nesse sentido que no artigo 22 da Lei Maria da Penha, quando trata das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, o legislador elenca o rol de medidas e explicita que são as citadas “dentre outras”, ou seja, trata-se de um rol exemplificativo, muito mais acertado à dinamicidade das complexas relações que envolvem a violência baseada no gênero. Esse entendimento tem sido crescente entre os julgados nacionais, a exemplo de decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso no julgamento do Habeas Corpus nº 01708029220168110000 170802/2016:
Depreende-se, do que dos autos consta, que o Juízo de primeira instância estabeleceu diversas medidas protetivas de urgência, a exemplo da obrigação para que o paciente compareça, semanalmente, a programa do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), destinado a coibir a violência doméstica e familiar (fl. 14), em decisão contra a qual se insurge o impetrante (fls. 2 a 9). Sem razão, contudo. Primeiro, porque o rol de medidas protetivas aplicáveis em face do agressor é exemplificativo (art. 22, caput, da Lei nº. 11.340/2006), e se assim o é nada impede que o magistrado, desde que de modo fundamentado, como ocorre na espécie, imponha outras medidas além daquelas descritas pelo legislador. E segundo porque a própria Lei de Execuções Penais, em seu art. 152, parágrafo único, expressamente autoriza a prolação de comandos judiciais dessa natureza ao estipular que “Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”. [...] Diante desse cenário, é de se notar que a providência adotada, a par de atender a comandos constitucionais (ex vi art. 226, § 8º, da CF), busca incutir no paciente o senso de respeito à integridade física e psíquica da mulher, revelando-se, nessa medida, crucial para promover o seu desenvolvimento humano e garantir a harmonia familiar. (MATO GROSSO. Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Habeas Corpus nº 01708029220168110000 170802/2016, Relator Des. Rondon Bassil Dower Filho, 2016, p. 3).
Do mesmo modo, no parágrafo 1º do artigo 22 o legislador rememora sua preocupação com a proteção máxima da mulher, quando explicita: “§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público”.
Ora, não exige muita hermenêutica a percepção de que podem ser aplicadas outras medidas protetivas de urgência para além das elencadas no artigo 22, bastando ao legislador que as demais providências, que serão aplicadas enquanto medidas, estejam previstas no texto legal.
Amolda-se tal caso à Reeducação do Agressor, não apenas por sua previsão no artigo 45 quando da inclusão no cumprimento da pena de limitação de fim de semana, como também quando se vê positivada no artigo 8º, inciso VIII, a necessidade de “promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia” enquanto medida integrada de prevenção da violência doméstica. Do mesmo modo, mais uma vez o legislador prevê a reeducação do agressor, quando em seu artigo 26 dispõe acerca da possibilidade de o Ministério Público requisitar serviços de educação.
É o que se percebe no parecer estudado. O pedido de inclusão no Programa de Reeducação do Agressor prima, não apenas, pela interrupção imediata da violência a qual as vítimas vinham sendo afligidas, mas, considerando o contexto reconhecido de assédio processual e a necessária continuidade da relação entre agressor e filha, visa prevenir futuras agressões.
Observa-se, também, que a atuação da Promotora de Justiça tanto no parecer analisado, contido nos autos do Processo nº 11.437-60.2015.8.10.0001, quanto em seu parecer ministerial conclusivo antecessor, proferido no Processo nº 30722.10.2003.8.10.0001, acertadamente considerou a existência de processos conexos entre as mesmas partes em curso simultaneamente na Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e na Vara da Família da Comarca de São Luís-MA, demonstrando a importância de promotores e magistrados atentarem para a necessidade de se inteirarem de processos conexos entre as mesmas partes quando os mesmos estiverem em curso nas duas varas em questão.
Recentemente, a Medida Protetiva de Urgência (Processo nº 140-53.2015.8.10.0002 (124722015) – Vara Esp. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher) foi sentenciada em 02 de agosto do ano em curso, reconhecendo a prática de violência doméstica em sua modalidade psicológica [...] e fazendo referência à decisão contida na Ação de Obrigação de Fazer, a qual tramitou, inicialmente, na Vara da Infância e Juventude e encontra-se em curso em Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e que este assuma o ônus do tratamento psicológico da filha e dele também participe. (MARANHÃO, 2016, p. 7).
Resta inconteste a necessidade de magistrados, promotores de justiça e advogados atuantes em varas de família atentarem-se para a existência de violência doméstica contra as mulheres e filhos nas demandas sobre as quais trabalham, especialmente no que tange a ações de modificação de guarda propostas após o deferimento de uma Medida Protetiva de Urgência, ou mesmo diante do ingresso de ações penais nas varas especializadas em violência doméstica.
Por possuírem, muitas vezes, convergência não apenas em relação às partes – integrantes de lides nas varas de família e especializadas em violência doméstica –, como compartilharem a mesma raiz dos problemas que as levaram a serem judicializadas, é comum que as demandas em ambas as varas tenham relações de interdependência, a ponto de decisões ou posicionamentos em uma ação definirem o cumprimento de decisões em outra ação. Ou seja, há que se observar se as lides levadas às varas de família não possuem fator etiológico na violência doméstica ou vice-versa.
É comum que as demandas referentes à violência doméstica também tragam conflitos a serem judicializados nas varas de família, o que resta evidente em inúmeras decisões judiciais pelo território nacional.
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. VARA DE CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E 7ª VARA DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. PRETENSÃO AFETA AO JUÍZO DE FAMÍLIA. Não obstante existir uma ação de medidas protetivas de urgência na 1ª Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, tal procedimento em nada interfere no processamento e julgamento da ação de oferecimento de alimentos, conquanto nesta última, o requerente limita-se a postular o recebimento por parte da requerida, de quantia que entende suficiente para sustento de menor impúbere. Logo, evidencia-se que requerida ação de alimentos está adstrita ao direito de família. Competência da Vara de Família. Precedentes. Unanimidade. (PARÁ, 2011, p. 1).
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ÃÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR E MEDIDA PROTETIVA. CONEXÃO DE DEMANDAS. VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES E VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. GUARDA DE MENOR – COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE MATÉRIA – LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO DOS FEITOS EM VISTA DE NÃO SE TRATAR DE COMPETÊNCIA RELATIVA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO ATÉ QUE SE FINDE O JULGAMENTO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (BAHIA, 2010, p. 1).
É desse modo que se vislumbra como fator preventivo de decisões conflitantes, que por sua vez podem potencializar os conflitos judicializados ao invés de minimizá-los, a capacitação de juízes, promotores de justiça, defensores públicos e advogados atuantes nas varas de família quanto às interfaces dessas lides e possíveis práticas de violência doméstica ou intrafamiliar, principalmente quanto àquelas referentes à aplicação da Lei Maria da Penha.
As demandas trazidas às Varas de Família são complexas e multifacetadas porque ocorrem entre partes contrárias unidas por intensos afetos, mesmo que negativos. As partes não são estranhas entre si, tendo em geral coabitado e nutrido sentimentos e expectativas em relação aos relacionamentos estabelecidos. Logo, o manejo e decisões judiciais em Varas de Família devem almejar não apenas resolver objetivamente o conflito trazido, mas também promover a paz social em um contexto de educação jurídica que requer habilidade de mediação e conciliação do magistrado (SAUAIA; CARVALHO; VIANA, 2011, p. 205).
A desconsideração de existência de uma relação entre ações de ambas as varas pode definir prática de violência institucional, potencializando conflitos ao invés de resolvê-los ou minimizá-los, o que se concebe evidente quando analisados casos concretos. Não é incomum o assédio processual por parte do agressor, como referido no Parecer estudado, diante do deferimento de uma Medida Protetiva de Urgência, ou mesmo quando se está diante do ingresso de uma ação penal na Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. É comum que o agressor intente a alteração de guarda em uma Vara de Família como forma de retaliação e de intimidação da mulher em prol de fazê-la recuar das denúncias judicializadas.
Caso a atuação dos operadores do direito veja-se alijada das análises e percepções afetas à violência doméstica e ou intrafamiliar de gênero, corre-se o risco, por exemplo, de modificar a guarda, mesmo que esta, comprovadamente, atente contra a dignidade ou mesmo contra a integridade física da criança ou adolescente em questão.
Prosseguindo-se na análise do parecer em estudo, percebe-se que, aliado às penas previstas na Lei Maria da Penha ou mesmo à instituição das Medidas Protetivas de Urgência, a inclusão da obrigatoriedade de comparecimento dos agressores aos centros de educação e reabilitação pode de fato constituir a principal medida a possibilitar que se alcance maior eficácia dos objetivos do diploma legal (PIRES, 2011, p. 21), uma vez que o enfrentamento das alocações sociais e significações de gênero construídas histórica, cultural e socialmente poderão ser ressignificadas ideativamente e reintrojetadas emocionalmente pelo agressor, em última análise, contribuindo inclusive para sua proteção, evitando que ele reincida nos crimes que antes sequer reconhecia como atos de violência.
Repise-se, nesse ponto, que o próprio texto da Lei Maria da Penha em seu artigo 19, parágrafo 2º, diante dos fins sociais aos quais a norma se destina e do preceito constante em seu artigo 6º de compreensão da violência doméstica enquanto violação aos direitos humanos, prevê a possibilidade de substituição ou cumulação das medidas protetivas intentadas por outras de maior eficácia – dentre as quais se inclui a proposição do presente estudo, uma vez que a reeducação do agressor acaba por se mostrar mais consentânea à ressignificação da violência por este e impedimento de sua reincidência (SAUÁIA; ARRUDA; MELO, 2011, p. 3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei nº 11.340/2006, denominada Maria da Penha como reparação simbólica à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, fruto de condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, por descumprimento do artigo 7º da Convenção de Belém do Pará, assim como dos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, representa um dos mais avançados diplomas legais de proteção de mulheres vítimas de violência em ambiente doméstico e familiar.
A referida norma apresenta o instrumento das Medidas Protetivas de Urgência, previstas entre os artigos 18 a 24, e que representam a ação mais acessada pelas jurisdicionadas no país. As referidas medidas intentam interromper de modo imediato as lesões ou ameaças de lesão a direito a que as vítimas estão submetidas no momento em que buscam a autoridade judicial, representando, muitas vezes, o primeiro contato dessas mulheres com o Poder Judiciário a fim de ver interrompido o ciclo de violência.
A popularidade dessas ações deve-se não apenas à celeridade de sua tramitação, mas também à abrangência, englobando medidas ao agressor, à mulher, seus filhos e testemunhas. Do mesmo modo, por não representarem o encarceramento de seus companheiros/ex-companheiros, pessoas com quem frequentemente guardam vínculos afetivos ou mesmo dependências econômicas, as jurisdicionadas passam a utilizar as Medidas Protetivas de Urgência sem solicitar o início da ação penal, intentando apenas que aquela situação imediata de lesão ou ameaça de lesão seja interrompida.
Ocorre, porém, que a violência contra a mulher, compreendida enquanto modalidade de violência de gênero possui complexidades advindas de sua natureza que acabam por manter a vítima em um quadro cíclico e retroalimentável de agressões, sendo a violência psicológica a força motriz dessa continuidade. A isso se deve o fato de ser essa forma de violência de gênero responsável pela diminuição da autoestima da vítima, fazendo-a crer em pensamentos de desvalor a ponto de acreditar ser merecedora da violência sofrida, o que, indubitavelmente, comprometerá sua saúde física e psíquica, não raro redundando em tentativas de suicídio.
É diante da análise do presente estudo de caso, por meio do Parecer do Ministério Público do Maranhão nos autos do Processo nº 11.437-60.2015.8.10.0001, e do delineamento da violência psicológica como nociva à vítima, causadora de danos a sua saúde física e mental, especialmente quando se tratar de pessoa em desenvolvimento, que se compreendeu a necessidade de reeducação do agressor como medida passível de prevenir futuras agressões e lesões imediatas à integridade psicológica da vítima.
Isso porque devido às especificidades da relação agressor-agredida, na qual os conceitos patriarcais responsáveis pela concretização e respectiva aceitação da violência são inseridos socialmente por ambas as partes, a medida mais eficaz para que esse ciclo seja interrompido é a reassimilação de tais conceitos por parte do agressor.
Desse modo, vislumbrou-se que a previsão constante no artigo 45 da Lei Maria da Penha de inserção da reeducação do agressor ao parágrafo único do artigo 152 da Lei de Execução Penal, não reveste tal medida de caráter de pena. Outrossim, demonstrou-se que o rol de medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor é exemplificativo, estando explícito no texto legal a possibilidade de decretação de medida diversa, desde que voltada à proteção mais eficaz da vítima em conformidade com o caso concreto.
Não apenas, ao se compreender as vicissitudes da violência psicológica e as complexidades das relações de afeto que perduraram até a culminância da violência doméstica, restou nítido por meio do caso estudado, que é comum que as demandas levadas às varas especializadas em violência doméstica contra a mulher possuam interfaces com aquelas de mesmo conflito raiz judicializadas em varas de família.
É comum o assédio processual por parte dos agressores, a exemplo de pedidos de guarda unilateral dos filhos ou de diminuição de pensão alimentícia, quando iniciadas as ações penais nas varas de violência doméstica. Isso demanda dos profissionais de ambas as varas o uso de conhecimentos interdisciplinares, assim como a percepção do conflito originário de uma mesma raiz e das circunstâncias de suas respectivas tramitações, de modo a efetivamente reduzir os danos desses conflitos.
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Recebido em: 02.08.2017
Aceito em: 05.06.2018
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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ISSN: 2178-2466