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O ABANDONO AFETIVO DEVE SER INDENIZADO? REFLEXÕES JURÍDICAS, PSICOLÓGICAS E SOCIAIS

SHOULD THE AFFECTIVE ABANDONMENT BE COMPENSATED? LEGAL, PSYCHOLOGICAL AND SOCIAL REFLECTIONS

Lorena FonsecaI

Alexandre de Pádua CarrieriII

I Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Mestranda em Direito. E-mail: lorena.fonseca@outlook.com

II Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Doutor em Estudos Organizacionais. E-mail: aguiar.paduacarrieri@terra.com.br

E-ISSN: 2178-2466

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i35.2700

Recebido em: 02.07.2018

Aceito em: 12.08.2019

Sumário: 1 Considerações iniciais. 2 Retrato das famílias contemporâneas. 3 Reparabilidade do dano moral. 4 Análise multidimensional da responsabilidade civil por abandono afetivo. 5 Considerações finais.

Resumo: A legislação brasileira preceitua que compete aos pais a criação, educação, companhia e guarda do filho menor. Ocorre que, em muitos casos, os pais não agem de acordo com o que é esperado de seu papel social e os possíveis resultados disso são a falta de convivência e de amparo afetivo. Discute-se, neste trabalho, se o abandono afetivo decorrente do descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar poderia ensejar indenização por dano moral. Para responder à problematização, foi feito o uso da documentação indireta (doutrina, jurisprudência), além de documentação direta (pesquisa de campo), que consistiu na coleta de dados obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas com juízes, psicólogos e sociólogos. Para analisar os dados foi utilizado o método qualitativo de análise de conteúdo. Constatou-se que só com a análise do caso concreto é possível verificar quando o descumprimento das funções provoca dano passível de indenização. É necessário ponderar como e por quem foram exercidos os lugares paterno e materno na infância e, a partir disso, conferir os efeitos, a culpa do genitor e o nexo de causalidade. A indenização por abandono afetivo é adequada para compensar a negativa de amparo moral. Além do papel compensatório, há uma função punitiva para o ofensor e um caráter pedagógico de desmotivação social da conduta lesiva.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Dano psicossocial. Reparação civil.

Abstract: Brazilian law stipulates that it is up to the parents to create, educate, accompany and to guard the minor child. It turns out that, in many cases, parents do not act in accordance with what is expected of its social role and the possible outcomes of this are the lack of coexistence and affective support. It is discussed, in this paper, whether the affective abandonment due to noncompliance of duties resultant of family power could lead to compensation for moral damage. In response to questioning, it was made use of the indirect documentation (doctrine, jurisprudence), plus direct documentation (field), which consisted of the collection of data obtained by means of semi-structured interviews with judges, psychologists and sociologists. To analyze the data we used the qualitative content analysis method. It was noted that only with the analysis of the case it is possible to check when the breach of duties causes damage subject to compensation. It is necessary to consider how and by whom were exercised the paternal and maternal places in childhood and, from there, check out the effects, the parent’s fault and causation of the damage. The compensation for affective abandonment becomes adequate to compensate for the negative moral support. In addition to the compensatory role, there is a punitive function for the offender and a pedagogical character of social demotivation of the damage conduct.

Keywords: Affective abandonment. Psychosocial Damage. Civil Repair.

1 Considerações iniciais

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) priorizou a família sócioafetiva à luz da dignidade da pessoa humana, conferiu proteção especial a ela, base da sociedade (art. 226). Além disso, garantiu como dever da família assegurar à criança e ao adolescente a convivência familiar (art. 227) como meio de preservar a dignidade e a afetividade. Nessa esteira, quando do exercício do poder familiar, compete aos pais a criação, educação, companhia e guarda dos filhos menores, conforme consta no art. 1634, incisos I e II do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/02).

Ocorre que, em muitos casos, os pais não agem de acordo com o que é esperado de seu papel social e os possíveis resultados disso são a falta de convivência, de amparo afetivo, moral e psíquico para a criança. A ausência de uma das referências (materna ou paterna) pode acarretar a violação de direitos próprios da personalidade humana, e, em razão disso, valores como honra, dignidade, moral e reputação social podem sofrer prejuízos substanciais.

O tema do presente trabalho é, portanto, o caráter indenizatório do abandono afetivo nas relações parentais1. Será feita uma análise multidimensional da temática entre algumas das Ciências Sociais Aplicadas (direito, psicologia e sociologia). Adotar-se-á nesta pesquisa uma postura pós-positivista, reconhecendo que o direito é produto de relações sociais pluralistas, por vezes, conflitantes e contraditórias. Portanto, não se pensa neste estudo como algo a ser estruturado de forma sistêmica, mas problematizada, que se faz a partir de análises de casos concretos e de posicionamentos científicos aplicados, assumindo que não há verdades absolutas advindas de construções sociais relativas.

A problematização ficará no campo de cabimento, ou não, de indenização na esfera cível por abandono afetivo e as hipóteses estão centradas na possibilidade da psicologia e da sociologia fornecerem elementos que corroborem a existência de um dano que justifique tal indenização. Para responder à problematização, será feito o uso da documentação indireta (doutrina, jurisprudência), além de documentação direta (pesquisa de campo), que consiste na coleta de dados diretamente no campo onde se situam os fatos ou fenômenos. Para isso, foram realizadas entrevistas, com o objetivo de formar entendimento da pesquisadora acerca do assunto. Utilizou-se, como unidade de análise, a possibilidade de reparação civil no caso de abandono afetivo, enquanto que, as unidades de observação foram as opiniões obtidas mediante entrevistas semiestruturadas com dois juízes, dois psicólogos e dois sociólogos, todos experientes e atuantes em campos correlatos com o interesse teórico deste trabalho.

Para a análise dos dados, foi utilizado o método qualitativo de análise de conteúdo, que consiste, segundo Rodrigues e Leopardi (1999), em uma condução sistemática de descrições teóricas e práticas que são utilizadas de forma a descrever e interpretar, como um todo, o conjunto de informações obtidas sobre determinado problema, que surge de uma interpretação pessoal feita pelo pesquisador a partir de sua percepção dos dados. Pode-se classificar a pesquisa como qualitativo-descritiva que, segundo Duarte e Furtado (2000), traduz-se pela descrição de um determinado problema e sua elucidação através de um levantamento de dados que contribuam para a construção de um entendimento mais aprofundado sobre o assunto. Tal pesquisa se caracteriza pelo aspecto de análise subjetiva e abordagem diferenciada dos métodos quantitativos usuais.

O presente artigo está dividido em cinco partes. Após esta seção introdutória, traçar-se-á um retrato das famílias contemporâneas. Posteriormente, será apreciada a reparabilidade do dano moral. Por fim, será feita uma análise multidimensional da responsabilidade civil por abandono afetivo e, finalmente, serão expostas as considerações finais. É a lógica da presente pesquisa.

2 Retrato das famílias contemporâneas

A família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu grande influência dos modelos de família romano, canônico e germânico. Só recentemente, em função das transformações históricas, culturais e sociais, é que a família perdeu parte do caráter canonista e dogmático intocável, adaptando-se à realidade (GONÇALVES, 2012a). Outrora, no Código Civil de 1916, a família era tida como unidade produtiva e reprodutiva, sendo legitimamente protegida somente com a instituição do casamento. Só com a transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva é que se colocou em voga o desenvolvimento da personalidade dos seus membros, trazendo uma feição de ética e solidariedade para as relações (FARIAS; ROSENVALD, 2010).

A CRFB/88 absorveu essa transformação e adotou uma nova ordem de valores que privilegia a dignidade da pessoa humana. A nova Constituição:

“Instaurou a igualdade ente o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como a união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico”. (DIAS, 2007, p. 30-31)

Monteiro (2007) explica que dadas as linhas mestras dos principais institutos do direito privado pela Constituição se fazia necessário uma regulamentação mais ampla dos institutos do direito civil por meio de um novo diploma legal, a fim de fornecer balizas e regulamentar as relações privadas. Isso por que, não seria crível, segundo Farias e Rosenvald (2010), que a lei ficasse presa aos valores pertencentes ao passado, alheia à realidade dos valores vigentes diante do quadro evolutivo do homem e da sociedade. Valores estes que fizeram surgir um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado que tem como mola propulsora o afeto.

Foi neste contexto que entrou em vigor o CC/02, buscando atualizar aspectos essenciais do direito de família e preservar a coesão familiar, dando a família moderna um tratamento compatível com a realidade social (DINIZ, 2012a). Apesar desse avanço, alguns estudiosos (Dias, 2007; Farias e Rosenvald, 2010) sustentam que as regras jurídicas são insuficientes e limitadas ao atendimento da dignidade da pessoa humana, fazendo-se necessária uma interpretação conforme a Constituição, interpretando a lei a partir da Lei Maior. Essa compreensão constitucionalizada do direito civil impõe que todos os princípios estejam conectados diretamente com a legalidade constitucional, operando de acordo com as linhas mestras do sistema garantista da Constituição. Por isso, os princípios devem ser utilizados como fio condutor da hermenêutica, no sentido de preservar os valores mais significativos da ordem jurídica

Um dos princípios basilares a serem utilizados é o da dignidade da pessoa humana, uma vez que este consagra a preocupação com os direitos humanos e com a justiça social. A dignidade da pessoa humana é um macroprincípio do qual irradiam todos os demais, como a liberdade, autonomia privada e cidadania (DIAS, 2007). É por meio da proteção da dignidade da pessoa humana que se busca harmonizar as relações familiares através da tutela dos direitos da personalidade dentro da família, centro de preservação da pessoa e da essência do ser humano (MONTEIRO, 2007).

Moraes (2004) ensina que são os princípios jurídicos da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da integridade física e moral que fornecem substrato material para a dignidade. Assim, segundo a autora, a dignidade se desdobra em quatro postulados. O primeiro é o reconhecimento pelo sujeito moral (ético) da existência de outros sujeitos iguais a ele. O segundo é a garantia de respeito à sua integridade psicofísica. O terceiro é a vontade livre e a autodeterminação. Por fim, o quarto, é fazer-se integrante de um grupo social, garantindo a não marginalização (MORAES, 2004).

Atualmente, outro importante princípio a ser utilizado no âmbito das relações familiares é o da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, pois seu surgimento alterou, em parte, o governo da família baseado no patriarcalismo, igualando os direitos e deveres do marido e da mulher ou dos companheiros, buscando estabelecer, assim, total paridade tanto nas relações patrimoniais, como nas pessoais, no exercício da sociedade conjugal ou convivencial (DINIZ, 2012a).

Nessa esteira, há também o princípio do pluralismo das entidades familiares que deixa sob o manto da proteção do direito das famílias vários arranjos familiares, porquanto são unidades que geram comprometimento mútuo, envolvimento pessoal e patrimonial (DIAS, 2007). Assim, “não se pode mais falar em família, mas sim em famílias. São recompostas, ampliadas, monoparentais, hetero ou homossexuais, socioafetivas, entre tantas outras formas de viver o afeto e a solidariedade” (SILVA, 2004, p. 30). Serejo (2004) observa que, mesmo diante das mudanças de estrutura e dinâmica interna, a instituição da família continuou prestigiada no nosso ordenamento jurídico, sobretudo se observarmos a Constituição a reconheceu como base da sociedade e lhe assegurou essencial proteção do Estado (art. 226, CRFB/1988).

Por último, e não menos importante, há o princípio da afetividade. Este princípio é corolário do respeito e da dignidade da pessoa humana, norteador das relações e da solidariedade familiar. A afetividade transforma a ordem-jurídico-positivo-formal em uma ordem jurídica personalista que privilegia a pessoa, seus interesses afetivos e sua realização no seio da comunidade familiar (DINIZ, 2012a). Dias (2007) explica que, apesar de o afeto não estar está expressamente previsto, este princípio se encontra no âmbito de proteção da Constituição. A autora ainda afirma que o afeto não é fruto da biologia, mas busca, com seu reconhecimento jurídico, a garantia de felicidade como direito a ser alcançado. Neste sentido, a jurisprudência tem se posicionado:

“CIVIL. DIVÓRCIO INDIRETO (POR CONVERSÃO). REQUISITOS PARA DEFERIMENTO. PRÉVIA PARTILHA DE BENS. INEXIGIBILIDADE. NOVA

PERSPECTIVA DO DIREITO DE FAMÍLIA. ARTS. 1.580 E 1.581 DO CC/02. 1. A regulamentação das ações de estado, na perspectiva contemporânea do fenômeno familiar, afasta-se da tutela do direito essencialmente patrimonial, ganhando autonomia e devendo ser interpretada com vistas à realização ampla da dignidade da pessoa humana. 2. A tutela jurídica do direito patrimonial, por sua vez, deve ser atendida por meio de vias próprias e independentes, desobstruindo o caminho para a realização do direito fundamental de busca da felicidade. 3. O divórcio, em qualquer modalidade, na forma como regulamentada pelo CC/02, está sujeito ao requisito único do transcurso do tempo. 4. Recurso especial conhecido e não provido STJ. Processo: REsp 1157273 / RN RECURSO ESPECIAL 2009/0189223-0 Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: T3 - Terceira Turma. Data do Julgamento: 18/05/2010”. (Destaque nosso).

Nota-se, assim, que o afeto pode ser utilizado como fundamento jurídico solucionador dos mais variados conflitos dentro do direito de família, sendo base fundante das diversas formas de relacionamento atuais (FARIAS e ROSENVALD, 2010). Contudo, Groeninga (2004) pondera que não se pode cair no senso comum, equiparando afeto ao amor, porquanto sua função dentro da família vai além. O afeto possibilita vivências afetivas de forma segura, o balizamento do amor e da agressividade. A afetividade pode ser analisada em dois aspectos: o social e o econômico.

Social, primeiramente, porque, a família é um espaço de integração social que afasta uma compreensão egoística e individualista das entidades familiares para se tornar um ambiente seguro, de boa convivência e de dignificação dos seres humanos (FARIAS; ROSENVALD, 2010). Restando claro, segundo Canezin (2006), que a família tem uma função social com o escopo de humanizar e a socializar, pois estimula os filhos a se relacionarem com o meio físico e social e também a responderem às demandas necessárias a inserção no contexto social de forma plena.

Já quanto ao aspecto econômico, há uma resistência ao modelo econômico-político quando as famílias sobrevivem sob a égide do afeto, vez que, independente da configuração que apresentem, limitam o individualismo pregado pelo sistema neoliberal. Ao educarem os filhos comprometidos com seus desejos, aceitando a falta, constituem uma construção humana e criam uma alteridade ao sistema (RODRIGUES; ABECHE, 2010).

Neste contexto, em que a pessoa humana foi colocada como centro protetivo do direito, surgiu também a Lei 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Tal Estatuto veio proteger o menor agora, foco da ordem jurídica contemporânea, devendo ser interpretado em consonância com as regras constitucionais de elevação da dignidade humana, não se admitindo uma hermenêutica setorial e isolada do ordenamento jurídico (TEIXEIR; SÁ, ٢٠٠٤).

Dada a vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até 18 anos, a CRFB/1988 consagrou os direitos da criança e do adolescente como direitos fundamentais, incorporando assim a doutrina da proteção integral (DIAS, 2007). A proteção integral, bem como o melhor interesse da criança e a paternidade responsável são princípios basilares do Estatuto e têm como finalidade garantir que a criança seja na maioridade sujeito da própria vida e goze de forma plena seus direitos fundamentais. Nota-se, assim, que toda a base principiológica do ECA visa promover o bem da criança e do adolescente para que possam se estruturar como sujeitos, construir sua autonomia responsável, de modo a formar adultos saudáveis e capazes de um salutar trânsito jurídico (TEIXEIRA; SÁ, ٢٠٠٤).

O ECA também mudou o instituto do poder familiar. Acompanhando a evolução das relações familiares, o estatuto concedeu o sentido de proteção, com características de deveres e obrigações dos pais em relação aos filhos. Anteriormente à CRFB/1988 o poder familiar tinha uma acepção de dominação na qual os pais tinham somente direitos sobre os filhos (DIAS, 2007). Com essa nova configuração, o poder familiar pode ser definido como sendo:

“Um conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho” (DINIZ, 2012a, p. 601).

A matéria do exercício do poder familiar também está disciplinada no art. 1634 do CC/2002. Tal artigo elenca um extenso rol de deveres inerentes a esse poder. Entretanto, não está previsto “o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de dar amor, afeto e carinho” (DIAS, 2007, p. 382). Neste sentido, Teixeira (2005a) esclarece que a missão constitucional dos pais não se reduz a vertentes patrimoniais, pois são deveres deles assistência, criação e educação dos filhos menores. Ademais, a essência existencial está na afetividade que é propiciada pelo desvelo e pela convivência familiar.

Concentraremos, neste momento, nas disposições dos incisos I e II que preveem que cabe aos pais dirigir educação aos filhos, tendo-os sob sua guarda e companhia, sustentando-os e criando-os. A previsão do inciso primeiro de criação e educação é, de todas, a mais importante, pois é encargo dos genitores a formação dos filhos com a finalidade de “torná-los úteis a si, à família e à sociedade” (MONTEIRO, 2007, p. 350). A formação também se estende à direção espiritual e moral, à capacitação física, intelectual e social, na medida em que são respeitados os direitos da personalidade do filho menor e lhes é garantida a dignidade como seres humanos em desenvolvimento (DINIZ, 2012a). Essa atitude dos pais é tão fundamental na formação da criança que, caso o progenitor se mostre faltoso, há previsão de reprimendas de ordem civil – perda do poder familiar, art. 1638, II, CC/2002) e criminal – crimes de abandono material, moral e intelectual, arts. 224 a 246 do Código Penal (VENOSA, 2013).

Migrando para o segundo inciso do art. 1634 do CC/2002, temos a disposição de que assiste aos pais o dever-direito de terem os filhos em sua companhia e guarda. Nessa matéria, o pai e a mãe têm rigorosamente os mesmos direitos. Infere-se disso, de acordo com Tartuce e Simão (2012) que, ainda que haja separação judicial ou dissolução de união estável, não há que se falar em alteração das relações entre pais e filhos, vez que o disposto no art. 1632 traz o direito de convivência familiar, imputando aos pais o dever de terem os filhos sob sua companhia.

Essa convivência se faz importante, porque a família é lugar privilegiado para o desenvolvimento psicofísico do menor, é locus de realização do ser humano. Nela, o menor é protagonista, uma vez que está numa condição de desenvolvimento e de edificação do caráter. Por isso, o bem-estar dele deve ser alcançado a todo custo, mobilizando a todos para alcançar esse objetivo (TEIXEIRA; SÁ, 2004). Neste sentido se posiciona Costa (2005, p. 33):

“Deixar de conviver com o filho, negar o amparo afetivo, é violar direito fundamental do filho. Daí o direito-dever de visitar os filhos quando, por não viverem sob o mesmo teto ambos os pais, apenas um deles detém a guarda. Assim, o outro tem o direito de visitar o filho, mas principalmente tem o dever, pois o filho menor, criança ou adolescente, tem prioridade em nosso ordenamento jurídico, conforme dispõe a Constituição Federal no art. 227”.

Diante do exposto, resta esclarecido que os institutos da CRFB/1988, do CC/2002 e do ECA tem por escopo a proteção integral e desenvolvimento salutar da criança e do adolescente, agora sujeitos de direitos fundamentais. Por isso, o exercício da autoridade parental, por meio da criação, educação, guarda e companhia se faz essencial na formação da criança. Assim, através da afetividade responsável e da convivência familiar, protege-se a criança de toda negligência e cria-se um ambiente propício para promoção de sua dignidade.

3 Reparabilidade do dano moral

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2012), para que a responsabilidade civil se opere no âmbito do Direito Privado, culminando na sujeição do agressor ao pagamento de compensação pecuniária à vítima, quatro requisitos são necessários, quais sejam: 1- ação ou omissão humana voluntária, 2- culpa ou dolo, 3- nexo de causalidade e 4-dano.

O dano pode ser de ordem moral ou material. “O dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade”24. Somente com o advento da CRFB/1988 é que se tornou indubitável a possibilidade de reparação por dano moral, pois a matéria foi elevada ao status de direitos e garantias fundamentais, sendo prevista expressamente no seu art. 5º, incisos V e X. Assim, segundo Souza (2009, p. 256):

“Saímos de uma situação de negação absoluta de reparação do dano moral que tinha como seu principal argumento, o fato de a moral não ter valor pecuniário [...] até chegarmos ao reconhecimento de que a moral pode ser objeto, sim, de reparação, uma vez que se trata de um bem jurídico e, como tal, merece ser reparado toda vez que é agredido”.

Além disso, a CRFB/1988, no seu artigo 1°, inciso III, elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, assim, não poderia o constituinte deixar de reconhecer o cabimento da reparação por dano moral. Essa disposição, segundo Moraes (2004), consagrou a dignidade da pessoa humana como sendo um princípio fundamental, assentando-a como alicerce da ordem jurídica democrática.

Ainda no que concerne às nuances do dano moral, Gonçalves (2012b) preleciona que este atinge o ofendido como pessoa e não lesa seu patrimônio, uma vez que os bens lesados compõem os direitos da personalidade. São atingidos o bom nome, a honra, a dignidade, a intimidade e a imagem, acarretando ao lesado sofrimento, tristeza, dor, vexame e humilhação.

É importante ressaltar que o dano moral não se caracteriza por essa gama de sentimentos propriamente ditos. Estes são apenas estados de espírito consequenciais do dano, sendo contingentes e variáveis de acordo com cada caso (GONÇALVES, 2012b). Para que se caracterize o dano moral, deve ser observada não a natureza do direito subjetivo atingido, mas sim o efeito da lesão jurídica, ou seja, o caráter de sua repercussão sobre o lesado (DINIZ, 2012b).

Até mesmo os danos psíquicos incluem-se na categoria de danos morais indenizáveis, pois implicam necessariamente na modificação da personalidade, além de sintomas palpáveis como depressão, bloqueio e inibições (VENOSA, 2007). No entanto, também poderá incidir responsabilização por dano moral ainda que não se tenha essa variação psíquica, bastando, para tanto, o desconforto anormal traduzido em dor ou padecimento moral. Desse modo, “pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 83). Por essa razão, há a possibilidade de reconhecimento de dano moral em pessoas que sequer são passíveis de detrimento anímico como, por exemplo, doentes mentais, pessoas em estado vegetativo, criança em tenra idade. Isso por que, qualquer que seja o estado biopsicológico, o ser humano é detentor de bens integrantes da sua personalidade.

Hoje, é possível caracterizar o dano moral quando violados direitos da personalidade, mesmo se não vinculados diretamente à dignidade humana, quais sejam, quando atingidos a imagem, o bom nome, a reputação, as relações afetivas, aspirações, convicções políticas, religiosas ou filosóficas. Logo, restará caracterizado o dano moral, em sentido lato, quando violados direitos da personalidade e a consequente ofensa à pessoa (CAVALIERI FILHO, 2010).

Entretanto, é firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de não haver dano moral em ocasiões que apenas gerem incômodo, dissabor e indignação, pois isso não tem qualquer repercussão no mundo exterior. Neste sentido, Cavalieri Filho (2010, p. 87) corrobora:

“Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia”.

Partindo para a linha de arbitramento do dano moral, os estudiosos sustentam certa dificuldade de mensuração, por se tratar de aspecto imaterial. Venosa (2007) explica que o juiz deverá valer-se da experiência, levando em conta a condição social e econômica dos envolvidos. Isso para que o valor indenizatório não seja donativo, nem premiação. Cavalieri Filho (2010) ensina que na fixação do quantum debeatur, o juiz deverá ter em mente o princípio de que dano não pode ser fonte de lucro, devendo a indenização ser tão somente suficiente para reparar o dano e nada mais. O princípio da lógica do razoável deverá ser usado, pois a razoabilidade permite uma conclusão adequada que vise à sanção proporcional ao dano.

Em arremate, Diniz (2012b) assevera que na quantificação do dano moral, além da utilização da razoabilidade, deve-se atentar ao arbitramento com bom senso e moderação, para que ele seja proporcional ao grau de culpa. O juiz se atentará, de igual forma, à gravidade da ofensa, ao nível socioeconômico do lesante, à realidade da vida e às particularidades do caso.

No que se refere à natureza jurídica da reparação do dano moral, a doutrina majoritária entende que a indenização tem um caráter misto de pena e satisfação pecuniária. A natureza satisfativa ou compensatória ocorre para atenuar a ofensa causada, objetiva suavizar certos males pelas vantagens que o dinheiro pode proporcionar, atenuando até certo ponto o dano injustamente causado. Contudo, é preciso esclarecer que não há pagamento pela dor sofrida, em razão da natureza inindenizável e da imoralidade da tarifação desse sentimento (DINIZ, 2012b). O que ocorre é que a:

“Natureza jurídica da reparação do dano moral é sancionadora (como consequência de um ato ilícito), mas não se materializa através de uma “pena civil” e sim por meio de uma compensação material ao lesado, sem prejuízo de outras funções acessórias da reparação civil”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 123)

Já a natureza penal se deve ao fato da indenização ser uma sanção que visa à diminuição do patrimônio do ofensor. A reparação do dano moral servirá de lenitivo, atenuando o sofrimento havido, mas também será sanção, desestimulando o agente para que não lese a personalidade de outrem (GONÇALVES, 2012b). Há casos em que o lesado busca com a ação exatamente a punição do ofensor. Pessoas famosas, uma criança com tenra idade, um doente mental objetivam a punição de um comportamento censurável e não necessariamente uma compensação (CAVALIERI FILHO, 2010).

Outrossim, casos em que há dolo ou culpa grave, também se adota a indenização punitiva. Isso demonstra uma mudança de paradigma da responsabilidade civil que atende dois objetivos: a prevenção e a punição. Neste sentido, foi aprovado na IV Jornada de Direito Civil o enunciado n. 379 do Conselho da Justiça Federal2: “o art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”.

Percebe-se, em suma, que, no âmbito civil, os estudiosos em sua maioria consideram que a responsabilização por dano moral detém essencialmente três aplicabilidades: a compensação do dano causado à vítima, a desmotivação social da conduta lesiva e a punição do ofensor, todas, por meio da reparação civil.

4 Análise multidimensional da responsabilidade civil por abandono afetivo

Hodiernamente, há de se “considerar a família como uma entidade real e concreta cuja significação e cujas necessidades talvez não estejam mais definidas unicamente pela lei e pelo arbítrio do juiz” (HIRONAKA, 2001 p. 6). Isso por que o direito de família é um ramo “delicado”, no qual as questões sociais e psicológicas devem ser consideradas, a fim de que se compreenda a realidade das partes (DIAS, 2007, p. 80)

Resta claro, assim, que no direito a realidade deve ser “constituída e colorida pela subjetividade e pelos afetos”, vez que o excesso de objetividade e especialidade torna o conhecimento “de certa forma, esquizofrênico. Esquizo – aquele que tem o pensamento fragmentado, que desconhece a realidade, justamente por desconhecer-se em sua realidade de sujeito humano” (GROENINGA, 2004, p. 252).

Nessa perspectiva, faz-se necessário mesclar direito com psicanálise, psicologia e sociologia, a fim de desenvolver um trabalho integrado que permita compreender a emoção e o grau de complexidade das relações das partes, vez que é insuficiente o conhecimento técnico-jurídico para tanto (DIAS, 2007). Por isso é “fundamental tomar consciência e legitimar a existência do nível psíquico das emoções, ao invés de estar à mercê, sob a pretensa justificativa da racionalidade (FÁVARO, 2005, p. 226).

Pereira (2003) explica, baseado em Jacques Lacan, que a família não é um grupo biológico, mas sim um grupo cultural responsável pela estruturação psíquica. Nele, cada membro (pai, mãe, filho) tem uma atuação de lugar e de função. Tal estruturação está acima do direito e deve ser regulada de forma a manter a família, uma vez que isso reflete na existência de cidadãos. Neste sentido, posicionou-se o psicólogo P13 entrevistado:

“Na psicologia nós vamos falar de função materna e função paterna que são essas funções que vão dar para a criança uma condição de proteção, de afeto que permitirá que ela se sinta segura e isso não necessariamente é pelo pai biológico, pela mãe biológica. Então, a função do pai e da mãe de proteger, de assegurar tranquilidade para o desenvolvimento da criança, não precisa ser por essas figuras biologicamente dadas”.

Por isso que a família é “referência fundamental para que a criança se desenvolva, é na família que, independente de sua configuração [...] se aprendem e se incorporam valores éticos e onde são vivenciadas experiências afetivas, representações, juízos e expectativas” (SILVA, 2004, p. 132).

Esta referência se faz necessária, porque o ser humano nasce com uma natureza instintiva e impulsiva, próxima a de um animal. Essa natureza é composta pela sexualidade e pela agressividade, sendo transformada através da criação e da educação. Por isso, as funções e os lugares que os adultos têm na vida de uma criança são essenciais. O desenvolvimento psíquico precisa de “três vértices – bebê, pai e mãe –, entre os quais são vivenciados os afetos que unem e que a afastam – a sexualidade e a agressividade” (GROENINGA, 2008. p. 26).

Diante disso, da noção de que cada membro desempenha uma função na formação psíquica dos filhos, Pereira (2003) analisa que a presença dos pais restaria essencial. A função materna representa amor e proteção constantes para o bebê. “Quando olhado amorosamente, sente-se seguro para fechar os olhos e dormir [...] A mãe ao amamentar, embalar e cantar deixa impressões eternas dos afetos que são transmitidos neste momento” (SOUZA, 2013, p. 1). Dessa forma, nota-se que a função materna tem um papel que mais se relaciona com flexibilidade, com afeto e com conforto.

A essencialidade das funções foi destacada por Freud que, por meio da lenda grega de Édipo, analisou que o desejo da criança pela mãe deve ser interditado por outro. Sendo este outro quem metaforiza e exerce a função paterna (PEREIRA, 2003). Assim, o pai exerce a função de quebrar a simbiose entre a mãe e o bebê, vez que desde o nascimento este ocupa uma função fundamental de completude da mãe, de extensão até que aconteça o corte (SOUZA, 2013).

Ademais, nota-se que “a fala da mãe quando fala do pai é decisiva e dá referência de Lei. ‘Nem que seja como escreve o psicanalista Celio Garcia: - Quando seu pai chegar, você vai ver!’” (PEREIRA, 2003, p. 127). Nessa linha de intelecção, Araújo (2006, p. 26) explica que “o Pai entra [...] como a Lei que vem dar à criança, e mais tarde ao adolescente, o continente necessário para que ele se estruture como um sujeito social”.

Abdon (2013) acrescenta que além da noção de lei, a função paterna se caracteriza por dar limites à criança, sendo isso essencial para inseri-la na cultura e no mundo. A autora ainda esclarece que:

“Isso se inicia muito cedo, quando o pai impede o bebê de ficar com a mãe em tempo integral, facilitando momentos de ausência da mãe para com o filho. O pai entra num mundo que antes era só da mãe e do bebê; a função paterna é basicamente essa: permitir ao bebê que tenha sua vida própria, independente da mãe” (ABDON, 2013, s.p.).

Isto posto, nota-se que o não exercício dessas funções pode ocasionar um déficit para a criança em desenvolvimento, vez que que são fundamentais:

“Para a estruturação da personalidade e para a inserção do sujeito no mundo, então, isso pode gerar um sentimento de inadequação, de não pertencimento ao mundo, de insegurança e até níveis de agressividade. Nós temos uma agressividade natural, e a gente vai aprendendo a lidar com isso a partir da educação, de princípios e de limites e isso, a partir do momento que a criança não experimenta situações que vão dando uma inserção moral do que é certo e errado, do que pode e não pode na convivência humana, isso pode levar até níveis mais trágicos que chega a transtorno de personalidade. Então, a gente não nasce com uma personalidade pronta, ela vai se construir ao longo do processo de desenvolvimento e partir dessas relações, assim, pode trazer uma série de prejuízos na dimensão que a pessoa vai se tornar” (P1 ENTREVISTADO).

Neste sentido, Silva (2004, p. 132) corrobora esclarecendo que desde o nascimento até à fase adulta, todo o crescimento e desenvolvimento se baseia na “auto-estima, no senso de moralidade, responsabilidade, empatia e de outros aspectos ligados à formação da personalidade”. Por isso, segundo a autora, a convivência familiar se faz determinante na formação da personalidade e no ingresso da criança.

Baseado no exposto, há uma corrente que defende que haveria possibilidade de reparação no âmbito civil quando os pais descumprem seu dever de convivência familiar e de cuidado para com os filhos, causando-lhes danos à integridade psíquica. Isso por que a omissão de um dos pais no que concerne “ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeada de afeto, carinho, atenção, desvelo” caracterizaria o abandono afetivo capaz de ensejar uma demanda no judiciário, vez que a CRFB/88 exige dos pais, da família e da sociedade um tratamento primordial à criança e ao adolescente (HIRONAKA, 2015, p. 4).

Dias (2007, p. 407) corrobora com tal entendimento e esclarece que “a omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação”. Nesta linha de intelecção, Venosa (2007, p. 271-272) também se posiciona a favor:

“Sustenta-se modernamente, com razão, que ofende a dignidade do filho não só a ausência de socorro material, como a omissão no apoio moral e psicológico. O abandono intelectual do progenitor com relação ao filho menor gera, sem dúvida, traumas que desaguam no dano moral”.

Deste modo, o genitor ausente, qual seja, aquele que descumpre as responsabilidades do poder familiar esculpidas no arts. 1566, 1634 I e II do CC/2002 e no art. 22 do ECA, enquadrar-se-ia perfeitamente entre os atos ilícitos (TEIXEIRA, 2005b).

Contudo, para que haja possibilidade de reparação no âmbito civil, há necessidade de caracterização do dano à personalidade do indivíduo, causando prejuízo de ordem psíquica. Além disso, necessita-se a “comprovação da culpa do genitor não-guardião, que deve ter se ocultado à convivência com o filho, e deliberadamente se negado a participar do desenvolvimento de sua personalidade, de forma negligente ou imprudente” (HIRONAKA, 2015, p. 8). E, ainda que se comprove a culpa do genitor, há de se demonstrar o nexo de causalidade entre o abandono culposo e o dano vivenciado.

Outro reflexo da possibilidade de reparação paterno-filial por abandono afetivo seria alertar a sociedade para o exercício da paternidade responsável, vez que um possível fim da conjugalidade não encerraria a corresponsabilidade pela prole, devendo ser, portanto, preservado o poder familiar de ambos (SILVA, 2004). Nessa linha de raciocínio, o juiz entrevistado J14 se posiciona:

“Nas ações que fazemos aqui de divórcio, de guarda de criança é uma “luta”, porque a maioria das crianças não tem a presença paterna, o pai está com a mãe e não com o filho, rompeu o relacionamento com a mãe, quase sempre, rompe com o filho, então a gente tem que começar mudar essa cultura, porque o rompimento com a mãe em nada impede o relacionamento com o filho, este deve ser sempre fortalecido a cada dia”.

Desse modo, a indenização por abandono afetivo mostra-se didática, pois reconheceria o significado de convívio entre pais e filhos, mesmo que separados, tutelando a necessidade afetiva como bem jurídico. Pereira (2012) corrobora explicando que a indenização tem função reparatória e pedagógica. Se não há nenhuma sanção às regras e princípios jurídicos de que os pais são responsáveis pela criação e educação de seus filhos, e isto é dar afeto, estará instalando e endossando a irresponsabilidade paterna (ANGELUCI, 2006).

Ao fazermos uma análise interdisciplinar, notamos que com tal reparação civil busca-se cercar a criança de todo garantismo possível. Por isso, o que fica em voga na temática não são os valores pecuniários, mas a grande importância dos pais na formação pessoal e na conquista da dignidade como fim em si mesma

De outro viés, é preciso compreender, não só o aspecto jurídico, mas a emoção, a limitação afetiva e outros elementos que vão “além das noções de senso comum que percebem manifestações de amor ou de desamor” (FÁVARO, 2005, p. 217). Por isso, faz-se necessário atentar a vários aspectos antes de imputar uma indenização por abandono afetivo. Primeiramente deve-se observar como se deu na infância os papéis materno e paterno e se houve dano decorrente do não exercício. Hironaka (2012, p. 16) entende que ambos os pais concorrem para o “desenvolvimento estrutural, psíquico, moral e ético do filho, cabendo à mãe um papel que mais se relaciona com a flexibilidade, com o afeto e com o conforto, enquanto ao pai cabe um papel que mais se relaciona com a fixação do caráter e da personalidade”. Entretanto, o entrevistado P1 esclarece:

«Às vezes, a mulher pode exercer função paterna, enquanto o homem pode também exercer a função materna. Então [...] na função materna temos a dimensão do cuidado, de prover as necessidades básicas, da alimentação, do afeto como nutriente para o desenvolvimento. E na função paterna está a dimensão de uma formação moral, do certo e errado e de vinculação do sujeito com o mundo. Mas não necessariamente isso vai estar ligado à figura de homem e mulher. São funções diferentes que vão inserção do sujeito ao mundo, um numa dimensão da relação consigo mesmo e outro da ligação do sujeito com a realidade externa».

Isso poderia ocorrer por que, para a psicanálise, a paternidade e maternidade são funções. Logo, o pai pode ser uma série de pessoas, quais sejam, o genitor, marido da mãe, o avô, o tio, aquele que reconhece a criança será o que exerce a função de pai, por exemplo (PEREIRA, 2003). Essas funções são “desenvolvidas pelas pessoas que rodeiam a criança ao nascer. Mesmo na impossibilidade de se saber pai e mãe, há quem ocupe essas inscrições e lugares a partir das primeiras inscrições e respostas da criança” (SOUZA, 2013, p. 1).

A partir disso, vislumbram-se algumas possibilidades. Um só genitor exercendo ambas as funções, paterna e materna; pessoas que rodeiam a criança exercendo alguma função; ou mesmo a hipótese de não exercício dessas funções, ainda que se tenha a convivência com os pais. Neste sentido, o juiz J25 explica:

Muitas vezes o pai pode conviver com o filho a vida toda, mas ele é ausente, ele não tem aquela intimidade com o filho, não tem aquela simbiose, ele é sempre fechado, já outros não, até afastados fisicamente eles conseguem conviver com o filho cercado de carinho, de afeto. Então, isso é muito relativo.

O entrevistado P1 coadunando com essa ideia afirma que “tem crianças que são criadas pelo pai e pela mãe e ainda sim vão ser carentes de uma formação. Então não é a presença física que diz isso”. Este psicólogo entrevistado ainda afirma que “vemos crianças que foram criadas só pela mãe e ainda sim elas têm um bom desenvolvimento, uma boa condição. Óbvio que essa mãe vai ter que se desdobrar, dando conta de algo para além da condição dela”.

Infere-se disso que restaria essencial o exame do caso concreto para verificar como foram exercidas as funções de mãe e de pai na vida da criança para, a partir disso, verificar se há dano psíquico decorrente do não exercício das funções, bem como se estão preenchidos os outros elementos caracterizadores da responsabilidade civil.

Outro aspecto a ser observado in casu, diz respeito às questões de ordem pessoal dos pais, visto que cuidar do outro é resultado de uma sensação subjetiva de quem gosta e decide conviver. A convivência exige tempo, disposição e habilidade “na medida da nossa possibilidade e afetividade” (FÁVARO, 2005, p. 218). Por isso, Diniz (2013) entende que no atual conceito de família, baseado na afetividade, seria ineficaz e até prejudicial à criança submetê-la a uma convivência familiar forçada, sem existência de amor.

Isto posto, percebe-se que além dos fatores externos de relação entre pais e filhos, há um aspecto ligado à subjetividade do genitor que deve ser levado em consideração:

“De repente são pessoas que tem dificuldade de afeto, às vezes até de contato físico, o que, para criança, isso é muito importante. Ser tocada, ser acariciada. Às vezes há adultos que tem muita restrição em relação a isso e não toca, não brinca com a criança, não se aproxima, não dá espaço para a expressão da criança, não reconhece a criança como pessoa portadora de desejos, de necessidades. Então isso tudo pode inibir o desenvolvimento” (P1 ENTREVISTADO).

Por isso, dado o fato de que as questões afetivas são independentes da consciência e estão diante de um complexo sistema interativo da constituição humana, pode se tornar difícil a subsunção ao dever ser normativo (FÁVARO, 2005). Neste sentido, Tartuce (2011, p. 231) analisando a decisão do Superior Tribunal de Justiça que afastou a condenação por dano morais contra o pai6, afirma que “o afeto não pode ser imposto na [...] relação parental, não sendo o caso de um dever jurídico”. É também neste sentido que o entrevistado J2 se posiciona:

«É preciso avaliar as circunstâncias em que se deu esse afastamento [...] Primeiro, que é difícil você provar culpa, seja ela strictu ou dolo, porque o pai abandonou [...] E, por fim, você não pode obrigar ninguém a amar ninguém. Isso “vem de dentro”, se não há espontaneidade, não posso transformar isso em dinheiro. “Então me compense em dinheiro”, então, a pessoa não estava querendo não era isso. Se ela aceita dinheiro em lugar de afeto, de amor e de carinho, então, não era isso que ela estava querendo. Então, por essas razões eu sou terminantemente contra essa espécie de responsabilidade”.

Além disso, há de se atentar para que a reparação por abandono afetivo não se torne instrumento de vingança e enriquecimento ilícito. O Min. Fernando Gonçalves do STJ em sede do REsp nº. 757.411/MG afirmou que “com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex- companheiro a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso”7. O mesmo posicionamento tem o psicólogo entrevistado P28: “então, muitas vezes, a indenização por abandono afetivo é uma de dizer ‘pai, eu existo, eu estou aqui’, é muito mais para vingar, do que para reparar. Uma sentença judicial não vai resgatar o afeto”. Por isso que, segundo o entrevistado P1:

“Uma avaliação psicológica consegue verificar isso, porque, de repente, alguém que até teve um provimento afetivo, quer penalizar o pai. Então, a psicologia tem meios sérios, testes psicológicos, testes de avaliação de personalidade que são instrumentos eficazes na avaliação de uma dimensão mais subjetiva”.

A resistência ao acolhimento das pretensões indenizatórias decorrentes da rejeição paterna e do descumprimento do dever de convivência explica-se pelo risco de se instalar uma indevida indústria indenizatória e uma monetarização do afeto, com uma avalanche de pessoas requerendo aos tribunais indenização por todo sofrimento nas relações amorosas (PEREIRA, 2015). Por isso, deve-se analisar cada relação paterno-filial, pois:

“Uma coisa é aquele genitor(a) que, por circunstâncias adversas da vida, afasta-se do filho, porém, é pautado de sentimentos de amor e responsabilidade; e outra coisa é a figura paterna e/ou materna que, por intencionalidade, não conseguirão, durante uma vida, demonstrar nenhum sentimento positivo acerca da prole” (OLIVEIRA JUNIOR, 2012, p. 9).

Portanto, o exame interdisciplinar deve ser feita in casu, pois nem sempre há dano moral indenizável “ou porque não houve dano, ou porque não houve abandono, ou porque não estava estabelecida a relação paterno-filial da qual decorre a responsabilidade em apreço, ou, finalmente, porque não se estabeleceu o imprescindível nexo de causalidade (HIRONAKA, 2012, p. 5).

Outro importante aspecto da temática é o sociológico, visto que a família tem essa função socializadora, por permitir à criança adaptar-se ao meio em que vive. Os pais são modelos da sociedade e transmitem a seus filhos os valores dessa cultura (SCHREIBER, 2001). Por isso, conforme o entrevistado S29, “é extremamente visível e perceptível atitudes e comportamentos de crianças e adolescentes que tiveram convívio com seus familiares [...] porque eu vou reproduzir aquilo que me foi ensinado”. Por essa razão, a ausência de uma figura de referência para a criança e para o adolescente, pode fazer:

“Brotar um vazio profundo, fruto da convicção pessoal de ser incapaz de agir como uma entidade, dirigir a própria vida, modificar a atitude das pessoas em relação a si mesmo, ou exercer influência sobre o mundo que nos rodeia, o que culmina com a renúncia da pessoa em sentir e a querer” (MAY, 2004, p. 22).

As consequências disso são “distúrbios de comportamento, com baixa auto-estima, problemas escolares, de relacionamento social e sensação da perda de uma chance, mesmo que ilusória, de ser completo e mais feliz” (SOUZA, 2012, p. 5). Neste cenário, o sociólogo entrevistado S110, analisando o abandono afetivo, afirma que “não dá para generalizar de jeito nenhum, nem com pesquisas quantitativas podemos generalizar, mas podemos dizer que é um elemento forte de exclusão social”.

Como exposto, o cuidado e o afeto tem grande importância no ordenamento jurídico, especialmente no que tange às relações parentais, vez que a “capacidade de desenvolver-se como sujeito e bem se relacionar socialmente depende diretamente de se ter recebido tais valores nos primeiros anos de vida, quando o menor está a moldar sua personalidade” (PEREIRA, 2004, p. 389). Araújo (2006, p. 29) explica que o exercício da função paterna, por exemplo, é “espaço de subjetivação do exercício do poder, entendido como a representação da Lei, como representação simbólica do mundo”. Por isso, a indenização por abandono afetivo tem uma importância político-social, sendo veiculada diretamente a “gravidez na adolescência, altos índices de criminalidade, entre tantos outros exemplos de disfunções familiares” (PEREIRA, 2012, s.p.). De igual modo, ponderou o entrevistado S2:

“Se você trabalha na perspectiva só da caracterização dessas crianças e jovens em conflito com a lei [...] são crianças de ausência de afeto, com um ambiente desestruturado, onde os pais, na maioria, tem baixa qualificação profissional, baixo índice de escolaridade, são jovens [...]”.

Nessa linha de intelecção, Araújo (2006, p. 49) explica que “para o adolescente desviante a invisibilidade começa cedo. Ela começa em casa a partir da experiência de rejeição, e se prolonga na vida social, por meio do acúmulo de manifestações sucessivas de abandono, desprezo e indiferença, culminando na estigmatização”. Por isso, ressaltou o entrevistado S2 “uma forma de eu sair da minha invisibilidade é ser rebelde, é ser agressivo, eu tenho que gritar para que alguém me veja. Ninguém está me vendo, porque ele pode e eu não posso [...]”. Este entrevistado, referindo-se aos abandonados afetivamente, ainda acrescenta “o que nós mais queremos no mundo é visibilidade, quem quer ficar invisível? Então, essas crianças são invisíveis”. Por essa razão é que:

“Mudanças profundas na forma de as pessoas se relacionarem precisam ser efetivadas para que possamos resgatar a confiança da criança e do adolescente no “mundo adulto”, restituindo-lhe o sentimento de esperança no futuro. Não posso me esquecer, entretanto, que também é preciso que o poder público se alie a este processo e que haja vontade política para regulamentar as medidas que efetivariam a aplicação do ECA em sua totalidade”. (ARAÚJO, 2006, p. 137)

Neste sentido, entrevistado S2 atentou-se à necessidade de fomento Estatal e asseverou que a “criança e jovem, carentes, abandonados têm custo alto para a sociedade”, e que por isso “temos que começar a repensar as chamadas políticas públicas, porque é muito mais eficaz você perceber no processo da prevenção, inserção, integração na sociedade, por meio da escola, clubes, atividades de lazer, curso profissionalizante”.

Pelos motivos expostos, parte da parte da doutrina brasileira se posiciona a favor da reparação civil por abandono afetivo, com objetivo de se evitar também esses danos psicossociais. Quando os pais negam convivência, amparo afetivo, moral e psíquico, direitos da personalidade humana são violados. Segundo Pereira (2015, p. 2):

“A esta desatenção e a este desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção, carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas à sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas abandonadas afetivamente”

Nas lições de Madaleno (2013, s.p.), a indenização repararia “o agravo psíquico sofrido pelo filho rejeitado pelo genitor [...] preenchendo o espaço e o vazio deixados com a aquisição de qualquer outro bem material que o dinheiro da indenização possa comprar”.

As sequelas dessa violação psíquica podem ser averiguadas “por laudos periciais de especialistas: Psicólogos, Assistentes Sociais, dentre outros; prova documental, como boletins escolares e fotografias; depoimentos de testemunhas, além de interrogatório minucioso do Juiz competente” (SOUZA, 2012, p. 5). Contudo, cabe indenização “desde que comprovada a conduta nociva do genitor (intencional ou decorrente da negligência ou imprudência), o dano aos direitos da personalidade dos filhos e o nexo entre a conduta e o dano” (BRAGA, 2011, p.71). Ou seja, não é qualquer abandono que gera a obrigação de indenizar. Destarte, o que se pretende de fato é “a disseminação do valor pedagógico e do caráter dissuasório da condenação. Isso pode ser um significativo fator de reforma de valorações sociais e de alteração de paradigmas jurídicos” (HIRONAKA, 2012, p. 33).

Em suma, apesar de posições em sentido contrário, filiamo-nos à corrente que considera razoável a atuação do Estado, por meio do judiciário, que impõe aos pais que indenizem seus filhos por abandono afetivo, vez que a presença afetiva permite a interiorização de regras morais, dá referência de autoridade e contribui para o processo de desenvolvimento e integrações sociais. Além disso, a reparação civil nesses casos coloca em voga para a sociedade o exercício da paternidade/maternidade responsável e permite o desenvolvimento sócio-psico-cultural das crianças e adolescentes. Sendo, por fim, uma maneira de compensar o dano à dignidade e à integridade psicossocial feridas.

5 Considerações finais

O presente trabalho objetivou constatar se o abandono afetivo dos pais em relação aos filhos daria ensejo à reparação civil. Buscou averiguar, de forma interdisciplinar, se a falta de convivência familiar causaria um dano psicossocial na criança ou adolescente passível de indenização. Além disso, procurou atentar se todos os outros elementos caracterizadores da responsabilidade civil estariam presentes quando do abandono paterno-filial.

Primou-se por uma análise atenta à nova configuração familiar, aos princípios civil-constitucionais de proteção da criança e do adolescente e ao exercício da autoridade parental. Notou-se, em suma, que apesar das mudanças na configuração das famílias, a função familiar se faz importante pela influência circular e recíproca entre os membros. A família permite a presença de modelos estruturantes na vida da criança e do adolescente, propiciando um ambiente de desenvolvimento, bem estar e de edificação do caráter do menor.

Por isso, o exercício do poder familiar, faz-se essencial, vez que com a guarda, educação, companhia e criação dos filhos, criam-se condições para a estruturação da criança como sujeito. Esse exercício, como função-dever, dá direção à criança, garantindo-lhe o seu melhor interesse e sua proteção integral.

Deste modo, o fim da conjugalidade não poderia encerrar a corresponsabilidade pela prole, vez que, por meio de uma perspectiva psicológica-social, ambas as funções são essenciais na formação da criança. Tanto a função materna relacionada ao afeto, ao conforto, quanto à função paterna ligada à noção de lei, à transmissão de valores e à interiorização de regras morais.

Entretanto, constatou-se que só com a análise do caso concreto é possível verificar quando o descumprimento das funções provoca dano passível de indenização. É necessário ponderar como e por quem foram exercidos os lugares paterno e materno na infância do requerente e, a partir disso, conferir os efeitos na personalidade e no ingresso na vida adulta.

Além disso, há de se notar se houve culpa do genitor não guardião e se há nexo de causalidade entre essa conduta e o dano sofrido. Por isso, a análise in casu é essencial, vez que somente desse modo é razoável constatar se houve deliberadamente abandono, dano e liame causal entre ambos.

Assim, caso seja verificado os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, não há óbice para não indenização, já que são notórios os prejuízos de ordem psíquica e o início do processo de exclusão social decorrente do não exercício de dadas funções na vida do filho.

Deste modo, em respostas às hipóteses elaboradas, a psicologia e a sociologia podem fornecer substrato, através de laudos e estudos, para analisar se há lesão a interesse juridicamente tutelável, provando-a de forma real.

Através disto, a indenização por abandono afetivo se torna adequada para compensar uma possível disfunção social e a negativa de amparo moral. Assim, além do papel compensatório, há uma função punitiva para o ofensor e um caráter de desmotivação social da conduta lesiva. À vista disso, alerta-se a sociedade, de forma pedagógica, para o exercício da paternidade responsável e busca-se alteração de valores sociais e paradigmas jurídicos.

Se assim for concebida, a indenização estará em consonância com a hermenêutica de proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, da dignidade humana e da preservação da família como espaço de afeto, de socialização, de desenvolvimento psíquico e de exercício da autoridade parental para edificação do menor.

Do contrário, feita uma análise simplista e monofacetada, distante da humanização e da consideração do afeto nas relações familiares, pode-se chegar a uma monetarização das relações, reduzindo o instituto a instrumento de vingança filial. Tornando a reparação, assim, de difícil subsunção normativa.

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1 A) “Justiça condena pai a pagar R$ 100 mil por abandono afetivo”. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/09/04/justica-condena-pai-a-pagar-r-100-mil-por-abandono-afetivo.htm?cmpid=fb-uolnot. Acesso em: 9 set. 2015.

B) “STJ condena pai a indenizar filha por abandono afetivo”. Disponível em: http://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/3106388/stj-condena-pai-a-indenizar-filha-por-abandono-afetivo. Acesso em: 9 set. 2015.

2 Disponível em: http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296. Acesso em: 28 jun. 2013.

3 P1: Sigla utilizada para remeter ao primeiro psicólogo entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, ago./set., 2013.

4 J1: Sigla utilizada para remeter ao primeiro Juiz de Direito entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, Ago./Set., 2013.

5 J2: Sigla utilizada para remeter ao segundo sociólogo entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, ago./set. 2013.

6 Responsabilidade civil – Abandono moral – Reparação – Danos morais – Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não dando ensejo a aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido STJ, REsp nº. 757.411/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, voltou vencido o Min. Barros Monteiro, que dele não conhecia. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e César Asfor Rocha votaram com o Ministro relator. Brasília, 29 de novembro de 2005.

7 Idem.

8 2: Sigla utilizada para remeter ao segundo psicólogo entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, Ago./Set., 2013.

9 S2: Sigla utilizada para remeter ao segundo sociólogo entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, Ago./Set., 2013.

10 S1: Sigla utilizada para remeter ao primeiro sociólogo entrevistado na pesquisa “Responsabilidade civil por abandono afetivo: Uma análise multidimensional do dano”. Entrevista semiestruturada concedida à Lorena Fonseca Silva discente no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Montes Claros, ago./set. 2013.



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