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MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COLETIVOS: ADEQUANDO O ACESSO À JUSTIÇA AOS CONFLITOS PÓS-MODERNOS

MEDIATION OF COLLECTIVE DISPUTES: ADAPTING ACCESS TO JUSTICE TO POSTMODERN CONFLICTS

Guilherme Maciulevicius Mungo BrasilI

Lídia Maria RibasII

I Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasil. Mestrando em Direito Humanos. E-mail: glhrmbrsl@gmail.com

II Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos pela UFMS, Campo Grande, MS, Brasil. Doutora em Direito. E-mail: limaribas@uol.com.br

E-ISSN: 2178-2466

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i35.2700

Recebido em: 23.12.2018

Aceito em: 12.08.2019

Sumário: Introdução. 1 Conflito coletivo como produto da globalização e seus contornos na pós-modernidade. 2 Possibilidade e adequação da mediação em conflitos coletivos. 2.1 Possibilidade. 2.2 Adequação. 2.3 Fundamento em quatro ondas de acesso à justiça. 3 Mediação intercultural como paradigma. Conclusões. Referências.

Resumo: A globalização trouxe profundas mudanças na sociedade, inaugurando a era pós-moderna e fazendo surgir conflitos massificados e difusos. Surge, diante disso, a preocupação com a maneira adequada de tutelar juridicamente tais situações coletivas no âmbito interno. A noção de acesso à justiça é, assim, revisitada e reconstruída para esse intento. Com a concepção de um modelo de acesso à justiça multiportas, aponta-se a mediação como modelo adequado para tutela de situações coletivas. A mediação cria um espaço democrático e inclusivo em que os envolvidos podem resolver suas disputas construtivamente, fortalecendo suas relações sociais. Nesse ponto, alerta-se que a questão coletiva deve ser tratada com uma perspectiva intercultural, reconhecendo, cruzando e validando as diferentes concepções de dignidade humana dos grupos envolvidos no problema. O trabalho emprega o método dedutivo, com fim exploratório e descritivo e meio de pesquisa bibliográfico.

Palavras-chave: Globalização. Direitos coletivos. Justiça multiportas. Mediação. Democracia.

Abstract: Globalization has brought profound changes in society, inaugurating the postmodern era and giving rise to mass and diffuse disputes. Therefore, raises the concern with the adequate way to protect legally the collective situations in the internal scope. Thus, the notion of access to justice is revisited and reconstructed for this purpose. Conceiving a multi-door justice model, the mediation is pointed out as an appropriate model for protecting collective situations. It creates a democratic and inclusive space in which those involved can resolve their disputes constructively, strengthening their social relations. It is alerted that the collective question must be treated with an intercultural perspective, recognizing, crossing and validating the different conceptions of human dignity of the groups involved in the problem. The article uses the deductive method, with an exploratory and descriptive purpose and a bibliographical mean.

Keywords: Globalization. Collective rights. Mediation. Multidoor justice. Democracy.

Introdução

O processo de globalização trouxe consigo mudanças de magnitude sem precedente na História da humanidade. Ainda se desconhece seu potencial pleno, mas os espaços e tempos diminuídos nas últimas três décadas, quando o fenômeno ganhou impulso, são indicativos de que ainda há fronteiras espaciais para se apagar e pessoas para unir, numa espiral de integração do globo progressivamente frenética e intensa. O conceito de Modernidade não se adequa aos sistemas-mundo. As transformações da Pós-Modernidade atingiram todos os aspectos da vida humana, como o cultural, o estético, o familiar, o econômico e, sobretudo, as formas em que se dão as relações sociais. Na atual era pós-moderna, as relações recíprocas entre os indivíduos são cada vez mais velozes, efêmeras e dinâmicas; os conflitos são massificados e difusos. Vive-se o tempo do imediatismo, da ansiedade, da incerteza, do Prozac e das metanfetaminas, dos viajantes aéreos, dos crimes de plástico, da internet das coisas (internet of things).

O Direito, capaz de influenciar a sociedade enquanto é influenciado por ela, está inserto no mundo globalizado ao mesmo tempo em que tem a pretensão de regulá-lo. Logo, a ciência jurídica, notadamente por seus poros abertos em tempos de pós-positivismo, tem sofrido expressivas mudanças nesse contexto social. São essas mudanças o objeto do presente trabalho. O conflito coletivo, produto que é da globalização, é a forma de desavença humana própria dos dias de hoje, trazendo consigo a indagação sobre quais seriam as abordagens mais acertadas para sua tutela jurídica interna. Surge, dessa constatação, a mediação como forma possível e adequada de solucionar esse tipo de conflito.

Cientificamente, já se discute a resolução consensual de conflitos coletivos, baseada na inadequação do modelo heterocompositivo adjudicatório para a composição de questões tão complexas e multifacetadas.

Com efeito, é partir da revisão bibliográfica do assunto e com uso dos métodos descritivo e exploratório, que se quer contribuir para a solidificação de uma base teórica a esse respeito, com uma perspectiva zetética.

Inicialmente, sem exaurir tema de tamanha complexidade, descreve-se a era pós-moderna a partir do surgimento do processo de globalização, que foi concebido na Revolução Industrial do século XVIII, começou a engatinhar nos anos 60 do século XX e passou a correr, de forma irrefreável, nas primeiras décadas do século XXI. Isso se faz para demonstrar como os conflitos coletivos se relacionam com esse contexto.

O segundo ponto do desenvolvimento se ocupa do acesso à justiça no que toca aos conflitos coletivos, compreendido o direito de aceder ao Direito como um sistema multiportas capaz de oferecer a maneira mais adequada de solucionar as questões postas, no caso identificada como a mediação.

Ao fim, alerta-se para a necessidade da adoção do diálogo intercultural como paradigma na resolução consensual de conflitos coletivos, tendo em vista que essa espécie de demanda, por sua abrangência, abarca pessoas as mais distintas, levando a um choque de culturas e, nessa medida, de perspectivas de diversas sobre a dignidade humana. Apenas um processo de diálogo com a inclusão e entrecruzamento dessas perspectivas, superando visões universalistas e relativistas, tem condições de garantir a efetivação adequada e harmônica dos direitos debatidos, sem criar exclusões.

Pretende-se desenvolver, sob essas luzes, as bases de um modelo de resolução de conflitos coletivos democrático e com maior nível de participação em relação à heterocomposição, por meio do qual os envolvidos possam resolver suas disputas construtivamente, fortalecendo suas relações sociais, identificando interesses subjacentes ao conflito, promovendo relacionamentos cooperativos, explorando estratégias que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias e educando-se para uma melhor compreensão recíproca.

1 Conflito coletivo como produto da globalização e seus contornos na pós-modernidade

Os direitos coletivos, também chamados de transindividuais, são aqueles que não se cingem ao âmbito privado, transcendendo-o, mas que tampouco se confundem com o interesse público. Esses direitos “são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade” (PRADE apud ZAVASCKI, 2014, p. 32). São os direitos próprios da era da globalização, cujo surgimento, daqueles e desta, remonta à Revolução Industrial do século XVIII1, com o início das relações humanas de massa e com a formação de corpos sociais médios, que encontram nos sindicatos sua primeira manifestação2.

A globalização identifica um processo de integração mundial em um sistema único de mercado baseado na economia capitalista e na alta circulação de bens, informações, produtos e pessoas. Trata-se, não obstante, de termo polissêmico: para Eric Hobsbawn (2007, p. 9), por exemplo, a globalização é “um conjunto único de atividades interconectadas que não são estorvadas pelas fronteiras locais e que provocou um profundo impacto político e cultural, sobretudo na sua forma atualmente dominante de um mercado global livre e sem controles”; Boaventura de Souza Santos (2004, p. 244), por sua vez, descreve que “a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estenda sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival”.

É possível também identificar diferentes formas de globalizações. O mencionado autor português divide os processos de globalização em hegemônicos e contra-hegemônicos. Em linhas muito gerais, os processos hegemônicos são orientados pela lógica de acumulação e apropriação, caracterizando-se por tornar os interesses do bloco no poder em interesses gerais. Por outro lado, os processos contra-hegemônicos reúnem diversos movimentos locais que lutam contra os efeitos da globalização hegemônica, sendo orientados para a solidariedade e o bem comum de todos (SANTOS, B. S., 2011).

Embora não se adote uma concepção única de globalização, é certo que a chamada “compressão tempo/espaço” figura como lugar-comum entre os mais diversos conceitos. Com ela se quer fazer referência ao “processo social pelo qual os fenómenos [sic] se aceleram e se difundem pelo globo” (SANTOS, B. S., 2004, p. 245). Assim, a despeito da apontada polissemia, o termo “globalização” necessariamente traz consigo a noção de que as relações humanas se concretizam de forma cada vez mais veloz e independentemente do espaço físico que separa os envolvidos. A expressão máxima dessa compressão tempo/espaço é a constatação de um suposto “fim da geografia”3.

O processo de unificação do globo terrestre iniciou-se com a Revolução Industrial inglesa do século XVIII, intensificou-se na década de 60 do século XX (HOBSBAWN, 2007, p. 9) e culminou, no fim dos anos 90 do mesmo século, no fim da Modernidade, multiplicando as relações humanas, desde então, em proporção geométrica.

Na Pós-Modernidade, com efeito, a sociedade cartesiana foi substituída pela sociedade dinâmica. Antes, de acordo com o contexto social e econômico em que se nascia, podia-se prever, do início ao fim, o caminho que a vida tomaria; os dias se repetiam, de forma previsível e segura. Na sociedade pós-moderna, todos, idealmente, nascem livres e podem tomar os caminhos que lhes aprouverem; os dias são imprevisíveis, permeados por incertezas e riscos.

O contrato social moderno, com os contornos liberais de John Locke, entrou em crise. Conforme Boaventura de Souza Santos, na sociedade pós-moderna, em que “o estado de natureza é a ansiedade permanente em relação ao presente e ao futuro, o desgoverno iminente das expectativas, o caos permanente nos atos mais simples de sobrevivência ou de convivência” (SANTOS, B. S., 1999, p. 46), faz-se necessária a “construção de um novo contrato social4.

Eis o tempo em que os Estados, em sua atual configuração, veem-se diante do desafio de regular atividades e proporcionar a fruição de direitos em mundo interconectado, plural e articulado de forma coletiva e difusa. É que, com a globalização, o Estado se debilita, na medida que vai perdendo o domínio sobre as variáveis que influem na sua economia, de modo que se deteriora “sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas, de regulamentação e fiscalização do seu mercado interno, e com isso o seu poder de garantir a eficácia dos direitos sociais” (SARMENTO, 2004, p. 44).

Vive-se hoje a era das lesões a interesses em larga escala, levadas a efeito por indivíduos integrados entre si e que atingem grande número de pessoas, determináveis ou não. A globalização, a esse propósito, “para a grande maior parte da humanidade [...] está se impondo como uma fábrica de perversidades”5 (SANTOS, M., 2001, p. 19). O capitalismo de mercado foi ofuscado pelo capitalismo financeiro, que, dominado pelas pessoas que investem e baseado na especulação6, alastrou-se pelo mundo “pilhando”7 mercados inteiros. A recente faceta do capitalismo de vigilância (surveillance capitalism) tem a missão de violar a intimidade de indivíduos de todo o mundo, coletando informações pessoais e mercantilizando-as, tendo inclusive o condão de influenciar o resultado de eleições. Os problemas migratórios se recrudesceram com os contornos atuais da xenofobia. As minorias, contrastadas com o padrão hegemônico global, tendem a ser deixadas à margem. As lesões ao meio ambiente, viabilizadas por uma proteção inadequada, violam interesses de toda a humanidade.

Surge a legítima preocupação com uma “estratégia de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, economicamente sustentada e socialmente includente” (SACHS, 2008, p. 118-119), apresentando como consequência a concepção de uma justiça intergeracional, consistente numa herança ambiental, social e econômica positiva para as gerações futuras.

Os conflitos eminentemente pós-modernos, como se vê, são aqueles advindos da dinâmica das massas, dos corpos sociais intermediários titulares de direitos próprios, dos interesses do gênero humano, isto é, transindividuais. No âmbito jurídico interno, tais situações conflitivas demandam tutela específica e adequada, em um regime de solução de controvérsias atento a suas características e peculiaridades. Surge nesse cenário a mediação como possibilidade para a resolução dos conflitos da atualidade.

2 Possibilidade e adequação da mediação em conflitos coletivos

O acesso à justiça tem sofrido expressiva ressignificação nos últimos tempos. Inicialmente, ele se limitava ao acesso ao Judiciário, sendo plenamente satisfeito com a concepção de um direito de ação abstrato e uma jurisdição inafastável. Passou-se a entender, após, que o acesso à justiça se traduzia não só no rompimento da inércia da jurisdição, mas, necessariamente, em um acesso à ordem jurídica justa, com procedimentos judiciais adequados e garantidores da questão de fundo debatida. Hoje, porém, se vai além.

O acesso à justiça “passar a ser um direito de acesso ao direito, de preferência sem contato ou sem passagem pelos tribunais” (COSTA; SILVA, 2009, p. 19). É que o processo judicial heterocompositivo deixou de ser o centro dos métodos de solução de controvérsia, mostrando-se como ferramenta extrema, de ultima ratio, para essa finalidade. Agora, “o direito de acesso aos tribunais é um direito de retaguarda, sendo seu exercício legítimo antecedido de uma série de filtros” (COSTA; SILVA, 2009, p. 19).

O foco sai da alternatividade e se centra na adequação das formas de resolução de conflitos8. A mudança não ocorre apenas como fuga a um Judiciário em crise; ela se dá, antes, porque os meios alternativos são meios de obtenção de uma solução que se quer justa. Paula Costa e Silva alerta que as alternative dispute resolutions (ADR) só serão vistas de forma verdadeiramente positiva “se forem entendidas como boas em si – e não como boas por referência a um sistema que não dá resposta atempada aos problemas dos cidadãos” (COSTA; SILVA, 2009, p. 36).

Assim, o acesso à justiça não se cinge à possibilidade de bater às portas do Judiciário, mas, antes, se realiza de forma plena com o oferecimento de várias portas para o jurisdicionado, que, para ficar nos exemplos típicos, pode optar pela arbitragem, pela conciliação ou pela mediação, a par da solução judicial heterocompositiva, formando-se em seu benefício, assim, um sistema de justiça multiportas (multi-door justice).

É com esse embasamento que se propõe a mediação como forma de solucionar controvérsias de espectro transindividual, em um modelo democrático e dialético de resolução de conflitos coletivos, com a participação dos que pleiteiam a solução – representados por um terceiro legítimo – e daqueles com atribuição para resolver a questão, com a construção de soluções que definam em conjunto e considerando reciprocamente suas necessidades e limitações.

2.1 Possibilidade

As construções científicas em torno da resolução consensual de conflitos costumam ter por base situações individuais e, muitas vezes, privatísticas, como questões envolvendo o direito de família ou de vizinhança. São dois, basicamente, os argumentos para sua utilização nessa seara: quando se opta pela mediação, o conflito posto tende a ser mais rapidamente solucionado em comparação a um Judiciário soterrado de ações; em segundo lugar, e mais importante, é a qualidade da solução atingida, pois, na resolução consensual, os envolvidos são empoderados e constroem, eles próprios, o deslinde do problema, aumentando dessa forma a possibilidade de cumprimento espontâneo do acordado.

Ocorre que essas constatações não estão adstritas ao âmbito privado. A mesma linha intelectiva e os benefícios mencionados se aplicam, sem qualquer embaraço, no trato de questões coletivas:

“Não obstante seja inegável o impacto da utilização dos meios consensuais na redução do prazo para solução da controvérsia [...], uma das maiores vantagens de viabilizar o caminho consensual é o fato de permitir que as partes envolvidas construam uma solução efetivamente compatível com seus legítimos interesses e necessidades — a qual, se pode (e algumas vezes, deve, como no caso dos conflitos envolvendo entes públicos) ter em conta parâmetros jurídicos, propicia, além de uma criativa interpretação conjunta da norma, que sejam levados em conta também outros interesses legítimos que as normas jurídicas aplicáveis eventualmente não foram capazes de captar” (SOUZA, 2012, p. 44).

Há, contudo, um temperamento em relação à mediação privada: os conflitos envolvendo a administração pública, em princípio, estariam jungidos à legalidade e à indisponibilidade do interesse público. Não obstante, o regime jurídico administrativo não representa um óbice real à consensualidade na esfera pública9.

Isso porque não há direitos absolutos, de modo que, em caso de colisão de interesse público indisponível, administrado pelo Estado, com interesses fundamentais dos cidadãos, deve haver, no espaço de construção do consenso, a conciliação entre eles. Para Luis Alberto Warat, nos procedimentos e no espaço construído pela mediação, a única norma que comanda o processo integrativo entre as partes é a lei da necessidade e não da normatividade10. Dessa forma, não há negação ou disponibilidade de direitos, o que ocorre é a harmonização deles à vista das necessidades e limitações dos envolvidos

Pode-se, ainda, ao se reconhecer o caráter inexorável de determinado direito em jogo, mercê de seu caráter público, manter intocado seu núcleo duro e construir soluções sobre questões periféricas, como “definir prazos, condições, lugar e forma de cumprimento” (SOUZA, 2012, p. 101). Não é por outra razão que a resolução consensual se mostra possível inclusive no âmbito dos atos de improbidade administrativa: a despeito de previsão legal que, em tese, a proíbe, sempre se tem a possibilidade para ajustamentos contemplando questões secundárias, mantendo-se incólume o cerne indisponível.

Logo, e considerando que “así como el proceso colectivo puede concluir con una sentencia de efectos extensivos a la totalidad de los afectados [...] la transacción puede lograr válidamente tal virtualidad expansiva” (GIANNINI, 2014, p. 679), a mediação é possível – e desejável – em relação a conflitos individuais da mesma forma em que o é no que toca aos coletivos, somando-se, dessa forma, os benefícios da resolução consensual aos da tutela coletiva de direitos.

2.2 Adequação

O modelo heterocompositivo tradicional, porquanto adversarial, em parcela significativa dos casos não resolve a lide real, mas apenas a lide processual. Decisões são proferidas, mas nem sempre a desavença entre os litigantes é extinta; ao contrário, é comumente acirrada. Assim, além de não se satisfazer na oportunidade o fim último do processo, a apaziguação social, deixa-se aberto caminho para eclosão de novo conflito entre os envolvidos, sobretudo diante da complexidade e multipolaridade imanentes às questões coletivas.

A conflituosidade própria do modelo adversarial faz com que se tenha uma visão negativa de conflito, que, nessa situação, sempre terá um perdedor e um ganhador, em uma relação ganha-perde (win-lose). Essa ideia parte do equivocado pressuposto de que todas as relações sociais são pautadas na competição e, portanto, impõem um jogo de soma zero, no qual, para que haja um vencedor, um dos competidores deve necessariamente levar o adversário à derrota.

Superando esse paradigma, a mediação concebe o conflito de forma positiva, em que se pode e deve haver uma relação ganha-ganha (win-win). É que, nesse modelo de solução de conflitos, é possível maximizar ganhos cooperando com o outro participante, antes visto como adversário. Além disso, umas das premissas básicas da resolução consensual de conflitos é a efetiva participação e o empoderamento dos envolvidos. São eles os exclusivos responsáveis pelo desfecho da questão controvertida. Em um cenário em que as próprias partes constroem de forma conjunta os termos e condições para resolução do conflito, ainda que representados, existe uma desejável inclusão democrática. Há, pois, uma quebra da estrutura vertical da jurisdição, possibilitando que a justiça passe a ser praticada de forma horizontal.

Por essas razões, um dos campos em que a “mediação se tem revelado altamente benéfica nos seus resultados têm sido no da responsabilidade das pessoas coletivas” (COSTA; SILVA, 2009, p. 76), estendendo seu alcance “a zonas como a dos conflitos ambientais, a dos conflitos que envolvem a administração pública [...], a das indenizações por prestação de serviços de saúde” (COSTA; SILVA, 2009, p. 77). Isso se dá porque já se começou a entender que “em termos de autonomia, cidadania, democracia e direitos humanos, a mediação pode ser vista como a sua melhor forma de realização” (WARAT, 2018, p. 17), como aqui se defende.

2.3 Fundamento em quatro ondas de acesso à justiça

O italiano Mauro Cappelletti encabeçou, entre os anos 60 e 70 do século XX, um movimento dedicado ao estudo do acesso à justiça, em especial das causas de ineficiência do Judiciário. O conjunto desse trabalho é conhecido como Projeto Florença e os principais resultados foram publicados, por Cappelletti e Bryant Garth, na obra “Acesso à Justiça”. Em seu trabalho, os autores desenvolvem três conjuntos de medidas necessárias para garantir efetivo acesso à justiça, denominando-os de as três “ondas de acesso à justiça”. As medidas convergem para fundamentar justamente a resolução consensual de conflitos coletivos.

Cappelletti e Garth identificaram os seguintes obstáculos para o acesso à justiça: a) “custas judiciais”, com o que apontam os gastos necessários à condução do processo; b) “possibilidades das partes”, como seus recursos financeiros e sua aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa; c) “problemas especiais dos interesses difusos”, ponto no qual se evidencia que, conquanto possuam os interesses transindividuais grande importância à sociedade, o benefício individual para que uma pessoa pleiteie a tutela desses interesses não a estimula a fazê-lo, deixando-os, assim, a descoberto. Descrevem, ainda, um “fator complicador” consistente no fato de que os “obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 28).

Esses problemas são contrapostos pela primeira e pela segunda ondas de acesso à justiça. O necessário acesso à justiça pelos hipossuficientes econômicos é o objeto da primeira. A segunda volta-se à reivindicação eficiente dos direitos e interesses difusos. Os modelos de proteção e efetivação de direitos individuais não se amoldavam adequadamente aos coletivos: a coisa julgada não poderia estar limitada apenas aos que compunham a lide, considerada a absoluta inviabilidade de reunião em um processo de todos os indivíduos interessados, muitas vezes indeterminados; a legitimidade para agir deveria ser conferida a pessoas ou entidades capazes de representar os interesses do corpo social intermediário. Por isso, a abrangência das decisões em questões coletivas passou a ser ampla e a legitimidade para tutelar os interesses desse gênero, extraordinária.

Portanto, propõe-se que, com a tutela coletiva de direitos, não haja desestímulo à tutela em razão dos gastos com o processo, arcados pelo substituto processual. Também não subsistirá a preocupação acerca da capacidade de o titular reconhecer seus direitos, já que, em tese, o representante da coletividade é quem irá identificar o interesse transindividual lesado. Ainda, há a efetivação da economia processual em proporção superlativa, uma vez que se concentra em um único expediente interesses de uma miríade de indivíduos. Outrossim, os mencionados “problemas especiais dos interesses difusos” e o “fator complicador” são infirmados na tutela coletiva de direitos, já que os interesses, coletivamente considerados, possuem vulto bastante à estimulação da adoção de medidas de tutela.

Mas as conclusões sobre o acesso à justiça não param aí. A terceira onda repousa na percepção de que o só franqueamento do processo aos hipossuficientes e a existência de um modelo de tutela coletiva não bastam para a adequada solução das questões coletivas. Para tanto, afigura-se necessário adequar o processo a uma crescente preocupação com a relação interpessoal existente entre as partes. Deve haver, nessa medida, uma humanização na resolução de conflitos. Para que se atinja esse intento, nas palavras dos autores, deve-se adotar “mecanismos de interferência apaziguadora”, é dizer, a mediação:

“A representação judicial – tanto de indivíduos quanto de interesses difusos – não se mostrou suficiente, por si só, para tornar essas mudanças de regras “vantagens tangíveis” ao nível prático. [...] Não é possível, nem desejável resolver tais problemas com advogados apenas, isto é, com uma representação judicial aperfeiçoada. Entre outras coisas, nós aprendemos, agora, que esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis. [...] Cada vez mais se reconhece que, embora não possamos negligenciar as virtudes da representação judicial, o movimento de acesso à Justiça exige uma abordagem muito mais compreensiva de reforma. Tal como foi enfatizado pelos modernos sociólogos, as partes que tendem a se envolver em determinado tipo de litígio também devem ser levadas em consideração. Elas podem ter um relacionamento prolongado e complexo, ou apenas contatos eventuais. Já foi sugerido que a mediação ou outros mecanismos de interferência apaziguadora são os métodos mais apropriados para preservar os relacionamentos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 26-27).

Fala-se ainda em uma quarta onda de acesso à justiça, que também confirma teoricamente um modelo de resolução consensual de conflitos coletivos. O inglês Kim Economides, que participou do Projeto de Florença, partindo das três ondas mencionadas, propõe uma quarta, baseada no exame do acesso à justiça sob a perspectiva da oferta dos serviços jurídicos e não da demanda. Para ele, além de se identificar quem e em que condições busca a solução de determinado conflito (demanda do serviço jurídico), aprimorando esse processo de busca, é necessário que os operadores do Direito estejam preparados e qualificados para dar a solução mais adequada a esse conflito (oferta do serviço jurídico). Dessa forma, a quarta onda de acesso à justiça “expõe as dimensões ética e política da administração da justiça e, assim, indica importantes e novos desafios tanto para a responsabilidade profissional como para o ensino jurídico” (ECONOMIDES, 1999, p. 72).

Economides percebeu, sob essa perspectiva, que a “experiência quotidiana dos advogados e a proximidade da Justiça cegam a profissão jurídica em relação a concepções mais profundas de justiça (interna ou social) e, consequentemente, fazem com que a profissão ignore a relação entre justiça civil e justiça cívica” (ECONOMIDES, 1999, p. 72). Há, portanto, a necessidade de o ensino jurídico preparar “os futuros advogados para atenderem às necessidades [...] do público, não apenas inculcando conhecimento, em termos do ensino do método e do ofício legais, mas comunicando algo de valor e do potencial da lei em termos de seu poder de transformar as relações sociais e melhorar a condição humana” (ECONOMIDES, 1999, p. 76), como a mediação.

O aprimoramento da oferta da prestação da justiça em relação à consensualidade coletiva justifica-se ante a necessidade de conscientizar os operadores do Direito a seu respeito, qualificando-os para que a realizem ou encaminhem o problema com que se deparam para sua realização. O ensino e, por consequência, o conhecimento jurídico ordinários de hoje ainda não dão conta dessa tarefa11. Deve-se compreender, além de todos os benefícios da resolução consensual de conflitos, que mediar não é barganhar12, tampouco se resume a uma pergunta solta no início de audiências judiciais: “Doutor, tem acordo?”. A mediação é atividade interdisciplinar, para além de uma teoria pura do Direito que ainda deixa resquícios nos bancos acadêmicos, exigindo, portanto, qualificação e mudanças profundas na forma de ver, aprender e ensinar o Direito.

3 Mediação intercultural como paradigma

“A mediação é uma forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos” (WARAT, 2018, p. 17). Nela, o intuito de satisfação das necessidades substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. O paradigma ecológico13, descrito por Luis Alberto Warat, é uma crítica à autonomia individualista da modernidade, propondo, em tempos pós-modernos, uma percepção da realidade em suas inter-relações e não como pura soma de entidades individuais. Essa perspectiva amplia a pura ótica intersubjetiva dos humanos e tenta incluir também a consideração das interdependências e interligações com os seres vivos e com os ecossistemas e a biosfera. Ela impõe, assim, uma mutação na percepção da realidade, especialmente na relação com a natureza e na construção do entorno social. Exige uma nova compreensão do próprio ser humano, uma superação da concepção solipsista e centrada puramente nos interesses humanos para chegar a uma compreensão ecossistêmica do ser humano.

O espaço ecológico, evidentemente, é composto pelo processo da globalização ao mesmo tempo em que o compõe e nessa perspectiva deve ser encarado. Com efeito, a globalização possui uma função simultânea de agregação e segregação de pessoas. Ao mesmo tempo em que aproxima complexos humanos espacialmente distantes, isola os indivíduos que não acompanham esse processo planetário14.

Essa dupla função da globalização foi identificada por Boaventura de Souza Santos. O autor define como produto da homogeneização mundial o “localismo globalizado”, consistente no “processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso, seja a atividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast food americano ou a sua música popular” (SANTOS, B. S., 2004, p. 246). Do outro lado está o “globalismo localizado”, relativo à segregação de pessoas que, excluídas do processo de globalização, sofrem a pressão de não pertencerem ao restante do mundo; nas palavras do autor, trata-se do “impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, as quais são, por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos transnacionais” (SANTOS, B. S., 2004, p. 246).

Localismos globalizados e globalismos localizados compõem o modelo de globalização. Como alternativa a esse modelo socialmente nocivo, assomam-se o cosmopolitismo15 e o patrimônio comum da humanidade16. “Localismos globalizados e globalismos localizados são a globalização de-cima-para-baixo, neoliberal ou hegemônica; cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade são a globalização de-baixo-para-cima, solidária ou contra-hegemônica” (SANTOS, B. S., 2004, p. 249).

Para atingir a forma ideal de globalização, Boaventura propõe a superação da dicotomia universalismo cultural/relativismo cultural por meio de uma concepção multicultural dos Direitos Humanos, instrumentalizada pelo que denomina de “hermenêutica diatópica”. Segundo o autor, a luta pela dignidade humana nunca será eficaz se assentar em canibalização ou mimetismo cultural.

O que se busca é um “diálogo intercultural sobre a dignidade humana que pode levar a [...] uma concepção que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis” (SANTOS, B. S., 2004, p. 255). Em uma releitura pós-moderna da igualdade material de Aristóteles, o autor assume como premissa de sua hermenêutica diatópica a aceitação do seguinte imperativo transcultural: “temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, B. S., 2004, p. 272).

Joaquin Hererra Flores também identifica a inadequação das visões universalistas (abstratas, formais e de racionalidade jurídica) e relativistas (localistas, culturais e de racionalidade material) dos Direitos Humanos, propondo como solução um “universalismo de chegada ou de confluência” ou um “universalismo de contrastes, de entrecruzamento, de mesclas”. A tese se pauta do diálogo a partir da visão complexa da humanidade, tendo como objetivo uma síntese harmônica das diferentes opções de direitos, pois “se a universalidade não se impõe, a diferença não se inibe; sai à luz” (FLORES, 2002, p. 22).

O multiculturalismo, se entendido como o só reconhecimento de várias perspectivas sobre a dignidade humana, não é o suficiente. É necessário, para a adequada penetração dos direitos no tecido social, o entrecruzamento das perspectivas, manifestado numa concepção interculturalista. Herrera Flores afirma que a visão abstrata universalista adota um multiculturalismo conservador, que compreende a existência de várias culturas, mas “somente uma pode considerar-se o padrão ouro do universal” (FLORES, 2002, p. 20), já a visão localista e relativista produz um multiculturalismo liberal de tendência progressista: “todas as culturas são iguais, não há mais que se estabelecer um sistema de affirmative actions, para que as ‘inferiores’[...] possam aproximar-se à hegemonia, mas, ao estilo do politicamente correto, respeitando sempre a hierarquia dominante (FLORES, 2002, p. 21).

O modelo desejado é de um universalismo que sirva de impulso para abandonar todo tipo de visão fechada e que seja “a favor de energias nômades, migratórias, móbiles, que permitam deslocarmo-nos pelos diferentes pontos de vista sem a pretensão de negar-lhes, nem de negar-nos, a possibilidade de luta pela dignidade humana” (FLORES, 2002, p. 23).

O campo de aplicação, seja de uma hermenêutica diatópica, seja de expansão de um universalismo de contrastes, é justamente o espaço ecológico dos conflitos coletivos. Nele se imiscuem pessoas, determinadas ou não, determináveis ou não, das mais diversas origens, histórias, condições sociais, nacionalidades, religiões; de diferentes orientação sexual, identidade de gênero, raça, cor, etnia etc. O choque de culturas se dá nesse âmbito heterogêneo.

Daí porque não basta aplicar a mediação na resolução de conflitos coletivos. Ela deve ser adjetivada, qualificada como intercultural, tal qual descrita pelo espanhol Carlos Giménez: uma modalidade de resolução consensual de conflitos em situações sociais de multiculturalidade, cujo os escopos são a “comunicación y comprensión mutua, el aprendizaje y desarrollo de la convivencia, la regulación de conflictos y la adecuación institucional, entre actores sociales o institucionales etnoculturalmente diferenciados” (Giménez, 1997, p. 142). O processo consensual deve estar atento às especificidades dos grupos envolvidos e ser capaz de temperar os contrastes evidenciados pela miscigenação de diferentes, integrando-os em um diálogo de reconhecimento mútuo.

Conclusões

No presente artigo, foi adotada uma perspectiva zetética do tema proposto, que passou ao largo das análises dogmáticas que, inexoravelmente, a resolução consensual de conflitos envolve. Não se ignora a importância de construções positivas a esse respeito, mas se acredita que elas são consectárias de constatações do mundo dos fatos, aqui abordadas. O exame histórico e sociológico do problema, como deflui das constatações expostas ao longo do trabalho, revela que a mediação é um mecanismo possível e adequado para a resolução de conflitos coletivos, próprios dos dias atuais.

Com efeito, a globalização, símbolo da Pós-Modernidade, e os direitos coletivos são noções intrinsecamente ligadas, desde sua gênese conjunta, na primeira Revolução Industrial, até os dias de hoje, marcados pela circulação cada vez mais veloz de bens, serviços, informações e pessoas. É no bojo dessas relações humanas que se assomam os conflitos envolvendo interesses coletivos.

No panorama atual do acesso à justiça, concebido como sistema multiportas baseado na oferta da solução mais adequada a determinado gênero de conflito, à tutela jurisdicional heterocompositiva se relega um papel secundário, de retaguarda. A mediação, pois, deve ser preferida nas questões que envolvam conflitos transindividuais.

Conforme deflui do trabalho, a mediação de conflitos coletivos inclui, é eminentemente democrática. Nela ganham voz os cidadãos, os membros de minorias, os administrados e também os administradores.

No espaço de realização da mediação coletiva também se opera a interação de diferentes formas de ser e estar no mundo, próprias do cenário multicultural da globalização. Por isso, a mediação coletiva evita a canibalização ou o mimetismo de culturas quando observado o paradigma intercultural, isto é, de entrelaçamento e reconhecimento mútuo das diferenças.

Por todas essas razões, espera-se divulgar os benefícios do modelo de resolução consensual descrito, contribuindo para a implementação de uma base teórica sobre a resolução consensual de conflitos coletivos, bem assim, ao discutir tema tão atual e inquietante, despertar o interesse de soma à construção desse modelo, com enfoque nas questões advindas do mundo globalizado e do tempo pós-moderno.

Referências

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1What does the phrase ‘the Industrial Revolution broke out’ mean? It means that some time in the in human history, the shackles were taken off the productive power of human societies, which henceforth became capable of the constant, rapid and up to the present limitless multiplication of men, goods and services(HOBSBAWN, 1996, p. 28).

2 “[...] os sindicatos surgiram como um grupo social suficientemente forte e definido para captar aquele interesse [coletivo] e protegê-lo. [...] O ponto fulcral da questão reside em que, por meio da atividade sindical, o interesse coletivo revelou-se como uma realidade autônoma, distinta dos interesses de cada um dos sindicalizados, bem como distinta dos interesses pessoais do sindicato em si, como pessoa jurídica” (MANCUSO, 2013, p. 74-75).

3 “[...] pode-se cada vez com mais confiança falar atualmente do ‘fim da geografia’. As distâncias já não importam, ao passo que a idéia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no ‘mundo real’. Parece claro de repente que as divisões dos continentes e do globo como um todo foram função das distâncias, outrora impositivamente reais devido aos transportes primitivos e às dificuldades de viagem.” (BAUMAN, 1999, p. 19).

4 “Trata-se de um contrato bastante diferente do da modernidade. É, antes de mais, um contrato muito mais inclusivo porque deve abranger não apenas o homem e os grupos sociais, mas também a natureza. Em segundo lugar, é mais conflitual porque a inclusão se dá tanto por critérios de igualdade como por critérios de diferença. Em terceiro lugar, sendo certo que o objetivo último do contrato é reconstruir o espaço-tempo da deliberação democrática, este, ao contrário do que sucedeu no contrato social moderno, não pode confinar-se ao espaço-tempo nacional estatal e deve incluir igualmente os espaços-tempo local, regional e global. Por último, o novo contrato não assenta em distinções rígidas entre Estado e sociedade civil, entre economia, política e cultura, entre público e privado. A deliberação democrática, enquanto exigência cosmopolita, não tem sede própria, nem uma materialidade institucional específica” (SANTOS, B. S., 1999, p. 60).

5 Para o autor, no mundo globalizado, “o desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção [...]” (SANTOS, M., 2001. p. 19-20).

6 “Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país. E não esqueçamos que de cada cem dólares que circulam diariamente no globo apenas dois pertencem à economia real. Os mercados financeiros são uma das zonas selvagens do sistema mundial, talvez a mais selvagem. A discricionariedade no exercício do poder financeiro é total e as consequências para os que são vítimas dele — por vezes, povos inteiros — podem ser arrasadoras.” (SANTOS, B. S., 1999, p. 55).

7 Para utilizar a expressão de Ugo Mattei e Laura Nader, que exemplificam sua aplicação no contexto argentino do fim do século XX: “Foi Carvallo quem decidiu, sob os aplausos do Consenso de Washington, estabelecer uma taxa de conversão fixa de paridade entre o peso e o dólar, em 1991, inaugurando assim a nova fase de hegemonia mais ousada do pós-comunismo dos Estados Unidos. O resultado desse câmbio fixo foi a entrega da soberania econômica argentina a esse país [...] Pouco mais de dez anos depois da ousada atitude de Carvallo, sucederam-se cinco presidentes em poucas semanas, e o peso foi por fim ‘libertado’ do dólar. Uma corrida aos bancos seguiu-se à dramática desvalorização do peso, e os depositantes descobriram que as retiradas estavam rigorosamente limitadas, o que provocou protestos de rua e violentos distúrbios, de Buenos Aires a Salta. Os argentinos haviam descoberto que sua economia, inclusive a parte mais valiosa do setor público, e em particular sua poupança, tinham sido pilhadas. Pouco depois, muitos pequenos investidores nos Estados Unidos e na Europa se deram conta do mesmo triste fado das poupanças que haviam investido nos títulos da dívida argentina. Ao longo dos mesmos dez anos, as grandes seguradoras de Wall Street [...] haviam abocanhado cerca de 1 bilhão de dólares por terem afiançado os títulos do governo argentino. Foram muitos os responsáveis pela pilhagem que abalou a vida de 57 por cento do povo argentino, hoje oficialmente pobre, apesar de viver em um dos países mais pródigos em riquezas naturais do planeta” (MATTEI; NADER, 2013, p. 60-61).

8 “Na verdade, se o exercício de direito de ação através de tribunais arbitrais ou de tribunais judiciais consubstancia uma verdadeira relação de alternatividade, o mesmo não sucede se, de um lado, colocarmos a mediação e conciliação e, de outro, exercício do direito de ação através de tribunais, sejam estes judiciais ou arbitrais. Neste caso, a única relação que, num Estado de Direito, pode legitimamente existir é uma relação de adequação. A mediação e a conciliação serão modos legítimos de resolução de conflitos se forem os modos adequados de resolução desses conflitos. Esta observação não é inconsequente pois ela repercute efeitos sobre a compatibilidade constitucional de soluções que impliquem a criação de entraves processuais ou desvantagens patrimoniais no acesso aos tribunais” (COSTA; SILVA, 2009, p. 35).

9 “[...] a indisponibilidade dos direitos não é conceito absoluto, e sim relativo, permitindo que direitos transindividuais possam ser objeto de transação pelos legitimados para sua defesa [...] a negociação da melhor solução por meio do ajustamento é apenas o meio mais rápido e distante de demandas improfícuas e perenizadas, muitas vezes com resultados inferiores, o que semeia uma justiça desmoralizada (NERY, 2012, p. 151 e 155).

10 “Recorrendo à mediação deveríamos, a princípio, deixar de lado as principais funções operativas, míticas e políticas do sistema jurídico. Em seu lugar, surge a resolução jurídica dos conflitos que atenda a uma satisfação de todas as partes e que está baseada em uma proposta autorregulada por elas mesmas, com o apoio de um mediador, que colabora na escuta, na interpretação e na transformação. Uma proposta jurídica de resolução de conflitos que escapa do normativismo” (WARAT, 2018, p. 20).

11 Luís Alberto Warat, por exemplo, tece duras críticas ao ensino do Direito, constatando que seus os operadores perderam a sensibilidade, preocupando-se exclusivamente com uma verdade que “deve ser descoberta por um juiz que pode chegar a pensar a si mesmo como potestade de um semideus na descoberta de uma verdade que é só imaginária” ou mesmo construída “a partir do sentido comum teórico dos juristas, a partir do imaginário da magistratura, um lugar de decisão que não leva em conta o fato de que o querer das partes pode ser diferente do querer decidido” (WARAT, 2018, p. 23).

12 “[...] a barganha posicional deixa de atender aos critérios básicos de produzir um acordo sensato, de modo eficiente e amistoso. [...] À medida que se presta maior atenção às posições, menos atenção é voltada para o atendimento dos interesses subjacentes das partes. O acordo torna-se menos provável. Qualquer acordo obtido pode refletir uma divisão mecânica da diferença entre as posições finais, em vez de uma solução cuidadosamente elaborada para atender aos interesses legítimos das partes. O resultado é, com frequência, um acordo menos satisfatório do que poderia ter sido para cada um dos lados” (FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 22-23). Baseados, entre outras, nessa premissa, os autores desenvolvem o modelo de mediação de Harvard, que propõe a separação das pessoas do problema; a concentração nos interesses e não nas posições; as invenções de opções de ganhos mútuos; e a criação de critérios objetivo.

13 “Proponho a denominação ‘ecocidadania’ como referência globalizante de uma resposta emancipatória sustentável, baseada na articulação da subjetividade em estado nascente, da cidadania em estado de mutação e da ecologia no conjunto de suas implicações. A ‘ecocidadania’ representa uma transformação ética, estética, política e filosófica profunda. Seria a possibilidade de criar um novo eixo emancipatório (para a autonomia individual e coletiva) que possa ocupar, na tarefa de recomposição permanente da sociedade, o lugar dos antigos e já trivializados valores emancipatórios” (WARAT, 2004, p. 251).

14 “A globalização tanto divide como une; divide enquanto une – e as causas da divisão são idênticas às que promovem a uniformidade do globo. Junto com as dimensões planetárias dos negócios, das finanças, do comércio e do fluxo de informação, é colocado em movimento um processo ‘localizador’, de fixação no espaço. Conjuntamente, os dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente as condições existências de populações inteiras e de vários segmentos de cada população. O que para alguns parece globalização, para outros significa localização; o que para alguns é sinalização de liberdade, para muitos outros é um destino indesejado e cruel” (BAUMAN, 1999, p. 7-8).

15 “[...] cosmopolitismo é a solidariedade transnacional entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos pela globalização hegemônica. Quer se trate de populações hiper-localizadas (eg., os povos indígenas da cordilheira dos Andes) ou hiper-transnacionalizadas (e.g., populações deslocadas pela guerra ou por grandes projetos hidro-elétricos, imigrantes ilegais na Europa ou na América do Norte), estes grupos experienciam a compressão do espaço-tempo sem terem sobre ela qualquer controle. O cosmopolitismo que defendo é o cosmopolitismo do subalterno em luta contra a sua subalternalização” (SANTOS, B. S., 2004, p. 248-249).

16 “Trata-se de temas que apenas fazem sentido enquanto reportados ao globo na sua totalidade: a sustentabilidade da vida humana na Terra, por exemplo, ou temas ambientais como a proteção da camada de ozônio, a preservação da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos marinhos. Incluo ainda nesta categoria a exploração do espaço, a lua e outros planetas, dadas as interações globais físicas e simbólicas, entre elas e o planeta Terra” (SANTOS, B. S., 2004, p. 249).



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ISSN: 2178-2466