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PROTAGONISMO DE LUTA INDIGENISTA E A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS

THE PROTAGONISM OF INDIGENOUS PEOPLES STRUGGLES AND THE CONSTRUCTION OF INDIGENOUS PEOPLES HUMAN RIGHTS

 

Odete Maria de OliveiraI

Helenice da Aparecida Dambrós BraunII

Isadora e Sá GiachinIII

 

I Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), Chapecó, SC, Brasil. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNOCHAPECÓ. (Doutora em Direito). E-mail: odetedemaria@gmail.com

II Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), Chapecó, SC, Brasil. (Doutora em Direito).

III Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), Chapecó, SC, Brasil.

 

DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i33.2984

Processo de avaliação: Double Blind Review

Autoras Convidadas

 

Sumário: Considerações iniciais. 1 Princípios fundamentais sobre os direitos humanos. 1.1 O surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. 1.2 O profundo significado dos direitos reconhecidos universais. 2 Os primeiros instrumentos dispondo sobre os direitos dos povos indígenas. 2.1 A Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano-III, de 1940. 2.2 A Convenção n. 107 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1957. 2.3 A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1989. 3 Trajetória de tentativas na construção dos direitos humanos dos povos indígenas. 3.1 Registros preliminares de um difícil projeto. 3.2 O protagonismo indigenista e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Considerações finais. Referências.

Resumo: A pesquisa ocupa-se com a proteção dos Povos Indígenas, esquecidos nos diferentes continentes do Planeta, durante séculos dizimados, violentados, excluídos pelos Estados e sociedades. O Direito Internacional e os direitos humanos buscaram o seu reconhecimento como sujeitos de direitos internacionais, mas com poucos resultados. O objeto desse estudo tenta refletir sobre essa abordagem, indagando: A variável de específicos direitos humanos indigenistas poderá resultar em uma eficiente medida? Usando o método hipotético-dedutivo e a pesquisa bibliografia, o texto estrutura-se em três partes: aborda a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; primeiros instrumentos voltados aos direitos indígenas – Convenções de 1940, 1957, 1969 – e, finalmente, a trajetória da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas adotada em 2007. Na conclusão são apresentadas considerações sobre a construção de autênticos Direitos Humanos Indigenistas como instrumentos de eficaz sustentabilidade.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Direitos Internacionais. Povos Indígenas. Indigenismo.

Abstract: The research deals with the protection of the Indigenous Peoples, forgotten in all different continents of the Planet, who have been decimated, violated and excluded by States and societies for centuries. International law and the Universal Declaration of Human Rights sought the recognition of the Indigenous Peoples as subjects of international rights, but with few results. This study aims to reflect on this approach, asking: Can the indigenous human rights variable result in an efficient measure? Using the hypothetical-deductive method and bibliographical research, the article is structured in three parts: first, it addresses the 1948 Universal Declaration of Human Rights; second, it analyses the instruments of indigenous rights – the Conventions of 1940, 1957, 1969; and third, it examines the trajectory of the Declaration of the Rights of Indigenous Peoples adopted in 2007. In the conclusion, a careful consideration is presented on the construction of authentic Indigenous Human Rights as an instrument of effective sustainability.

Keywords: Human Rights. International Rights. Indigenous Peoples. Indigenism.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Durante séculos, os direitos de proteção da vida e de defesa do patrimônio dos Povos Indígenas foram esquecidos pelos Estados e sociedades, então dizimados, violentados e marginalizados. Essas entidades impediram sua participação no âmbito internacional e o reconhecimento como sujeitos de direitos. Nesse sentido, os diretos internacionais e os direitos humanos pouco avançaram. Esta abordagem constitui o objeto de conhecimento deste estudo, cujo problema de pesquisa se conduz na indagação: A construção de direitos humanos indigenistas seria medida eficaz para dirimir essa complexa questão?

Essa desumana exclusão fez emergir um movimento político de resistência indigenista global, passando a congregar povos nativos dos diferentes continentes do Planeta, conhecido como Movimento de Resistência do Quarto Mundo, surgido na segunda metade do século 20. Dessa forma, esses povos lutaram para romper tão pesada barreira e buscar o reconhecimento de ser o real sujeito de seus direitos e também na construção de direitos humanos específicos, auxiliados por organizações não governamentais e pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Usando o método hipotético-dedutivo e a consulta bibliográfica de livros, artigos e sites da Internet, tendo como referências obras renomadas no assunto, com destaque nas pesquisas de Braun1 e Orue,2 o estudo estrutura-se em três partes. Inicialmente, dedica-se aos princípios fundamentais sobre os direitos humanos, de 1948, anotando o profundo significado desses direitos reconhecidos como universais, servindo de direção teórica deste artigo. Historicamente, na sequência, aborda os primeiros instrumentos internacionais preocupados com os direitos indígenas – a Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano–III, de 1940, as Convenções n.107 e n.169 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1957 e 1989. No final, observa a trajetória de tentativas objetivando a construção de específicos Direitos Humanos Indigenistas, reunindo antecedentes desse difícil projeto e observando o disposto na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, de 2007 e, que após 12 anos de longa espera, foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Como conclusão, considerando as medidas de proteção existentes ineficazes, as autoras sugerem instrumentos de sustentabilidade indigenista à proteção dos povos nativos.

1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Aproximadamente na metade do século XX surgiu a primeira convenção internacional denominada Declaração Universal dos Direitos Humanos, com o principal objetivo de dar proteção aos povos, orientada pelo princípio fundamental de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Nesse processo de construção, desde o início até a sua promulgação, ocorreram antecedentes históricos relevantes e que contribuíram para a sua criação, como a Declaração de Direito Norte-Americano de 1776 e a Declaração Francesa de 1789, marcando a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais, procurando dar segurança de legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei (BRAUN, 2017, p. 35).

A era de internacionalização dos direitos humanos iniciou na segunda metade do século XVIII e terminou com a Segunda Guerra Mundial, em 1945, tendo como objetivo o reconhecimento do direito dos humanus e de sua humanitatis, a luta contra a escravidão e a regulação sobre a sua proteção (HUNT, 2009). Neste estudo serão abordadas essas questões, com ênfase à fundamental importância do disposto na Declaração dos Direitos Universais, de 1948.

1.1 Surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal de 1948 emergiu em um contexto histórico bem conflituoso e não reafirmando a noção de direitos individuais do século XVIII, como a igualdade diante da lei, as liberdades de expressão, a religião, o direito de participação política, a proteção da propriedade privada e a proibição da tortura e da punição cruel, mas avançando expressamente ao proibir a escravidão, inserir o sufrágio universal, direitos de ir e vir, de os indivíduos terem uma nacionalidade, casar e trabalhar com uma remuneração digna, do descanso, lazer, educação, entre outros direitos (BRAUN, 2017).

De acordo com Hunt (2009, p. 206), a Declaração surgiu “numa época de endurecimento das linhas de conflito da Guerra Fria [...] expressava um conjunto de aspirações em vez de uma realidade prontamente alcançável. Delineava um conjunto de obrigações morais para a comunidade mundial, mas não tinha nenhum mecanismo de imposição.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 217 A (III), em 10 de dezembro de 1948, por 48 votos e 8 abstenções. Está estruturada em trinta artigos que definem os direitos essenciais, iguais e inalienáveis de todos os seres humanos como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (FERREIRA FILHO, 2010).

No Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos está presente a concepção de que os direitos humanos têm sua raiz na dignidade e no valor da pessoa humana e no artigo 1º firma o princípio que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, independente de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou condição social.

Para Comparato (2010, p. 240), a Declaração está sedimentada em três princípios axiológicos: da liberdade, da igualdade e da fraternidade. O princípio da igualdade está previsto em seu no artigo II. Há violação desse princípio quando ocorrer tratamento diferenciado em relação a um indivíduo, isto é, quando a pessoa é tratada como ser inferior, em razão da diferença de raça, costume ou gênero, nesse sentido, motivando que seja cultivada a tolerância e o respeito mútuo entre os seres humanos. O princípio da liberdade, inserido nos aspectos político e individual, está previsto nos seus artigos VII a XIII, XVI a XXI. O princípio da fraternidade ou solidariedade, base dos direitos econômicos e sociais, está descrito nos artigos XXII a XXVI, requisitos essenciais de proteção às classes ou grupos sociais mais fracos. Essa Declaração estende-se a sistemas de proteção a novos setores, como o direito de asilo às vítimas de perseguição e o direito de todos terem uma nacionalidade.

Carrillo Salcedo (1999) compara a Declaração como um templo: o átrio (o Preâmbulo), nele estão os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade e a proibição de discriminação de qualquer espécie. Segundo o autor, esse templo possui quatro colunas que sustentam o pórtico. Na primeira estão os direitos e as liberdades de ordem pessoal – o direito à vida, dignidade e à segurança do ser humano, às garantias contra a escravidão, tortura e a prisão arbitrária, de interpor recursos judiciais contra abusos de ordem política.

Já na segunda estão os direitos do indivíduo em suas relações com os grupos (artigos 12 a 17 da Declaração), abrangendo o direito de o indivíduo não sofrer interferências na sua vida pessoal, familiar, em sua residência e correspondência, ataques a sua honra e reputação. Igualmente o direito de circular livremente, sair e regressar de qualquer país, buscar asilo em caso de perseguição, direito a uma nacionalidade, contrair matrimônio e fundar uma família, considerada elemento essencial de uma sociedade e ainda o direito à propriedade individual ou coletiva.

Na terceira destacam-se as faculdades do espírito, compreendendo as liberdades políticas e os direitos políticos fundamentais (artigos 18 a 21 da Declaração), que se traduzem no direito à liberdade de expressão, consciência e crença religiosa, o direito de liberdade de associação e de participar da vida política, votar e ser votado, o direito de acesso ao serviço público. Finalmente e na última coluna estão os direitos econômicos, sociais e culturais (artigos 22 a 27 da Declaração), relacionados ao direito do trabalho, seguridade social, liberdade sindical, educação, descanso, vida cultural e proteção à criação artística.

Observa Braun (2017, p. 38) que os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos são classificados em duas categorias. A primeira compreende os direitos civis e políticos, previstos no artigo 3º até o artigo 21 e a segunda os direitos econômicos, sociais e culturais, inseridos nos artigos 22 a 28 da Declaração. Outro marco importante configura-se na concepção de que o único regime político que respeita os direitos humanos é o democrático e único caminho legítimo para a organização do Estado.

Formalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus Estados-membros. Parte da doutrina entende que o documento não possui força vinculante. Comparato não compartilha dessa posição, dizendo que é de um formalismo extremo, na atualidade “reconhece-se que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não” (2010, p. 239).

1.2 O profundo significado dos direitos reconhecidos universais

Sobre o significado desse magno documento destinado à humanidade, Cançado Trindade observa que no decorrer de cinco décadas de extraordinária projeção histórica a Declaração adquiriu a autoridade que seus redatores jamais teriam imaginado (1999, p. 25-27).

A Declaração possui o significado de um código e de plataforma comum de ação por parte dos Estados que a aprovaram, consolidando a afirmação de uma ética universal ao proclamar um consenso a respeito de valores de origem universal a serem seguidos pelos entes estatais e, como anota Piovesan, a Declaração contém características especiais e únicas. A primeira é sua amplitude, apresenta “um conjunto de direitos e faculdades sem as quais o ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual” (2006, p. 130). A segunda é a universalidade, aplicável a todas as pessoas, independente de país, raça, religião e sexo. Ao aprovar essa Declaração, a comunidade internacional reconheceu que cada ser humano faz parte da sociedade humana, na condição de sujeito do Direito das Gentes, tendo sua proteção internacional assegurada por esse documento tão significativo para a ordem mundial.

Esse documento de 1948 também estabelece o princípio da indivisibilidade de direitos, ao catalogar os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, agrupando o valor da liberdade com o valor da igualdade. Nesse contexto histórico, os direitos humanos aparecem como resposta aos abusos cometidos pelos Estados, têm o objetivo de coibir a sua atuação e de que deveriam conduzir-se observando a legalidade e os direitos fundamentais (BRAUN, 2017, p. 39).

Na significativa Declaração Universal dos Direitos Humanos estão contidas as premissas básicas, já que os direitos nela previstos são inerentes à pessoa humana e anteriores a toda e qualquer forma de organização política e social. As ações de direitos humanos não ficam adstritas apenas à ação do Estado, mas também nos instrumentos de proteção internacional desses direitos, quando as medidas internas de cada ente estatal não conseguem salvaguardar tais direitos.

Em sua ótica histórica, a Declaração firmou a concepção integral e holística de todos os direitos humanos. Foi além das divisões ideológicas do mundo de seu próprio tempo, colocou no mesmo plano as categorias de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. “Os direitos proclamados compreenderam os de caráter pessoal, os atinentes às relações do indivíduo com grupos e o mundo exterior, as liberdades públicas e os direitos políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e culturais” (CANÇADO TRINDADE, 2016).

A Declaração é um dos poucos instrumentos jurídicos internacionais que realizou significativa revolução jurídica no campo dos direitos humanos, com projeção no direito interno dos Estados. Suas normas estão presentes nas Constituições de inúmeros países e serviram de parâmetro às legislações nacionais com o objetivo de proteção dos direitos de todos os seres humanos.

Nesse prisma, sua importância revela-se em ser o primeiro instrumento jurídico de direitos humanos elaborado por uma organização internacional. Até nos dias atuais, esse documento universal serve de modelo à discussão e ação na esfera internacional sobre os direitos humanos (FERREIRA FILHO, 2011).

Após décadas da adoção do instrumento de 1948, percebe-se que seu significado encontra-se no tema principal de sua agenda: a proteção dos direitos humanos de todos os povos. Considerando-se a existência de diferentes posições ideológicas dos Estados, os princípios da universalidade e da indivisibilidade desses direitos são questões nodais desse instrumento e que possibilitou a projeção em diversos tratados, no plano global e regional, nas Constituições e legislações nacionais.

Em suma, a Declaração abriu caminho para que outros tratados ou instrumentos de proteção dos direitos humanos fossem firmados e aplicados nos planos global, regional e nacional. Assim, observa-se que na contemporaneidade o grande desafio que se apresenta no campo dos direitos humanos diz respeito à marginalização e exclusão social crescente da população. Como exemplo os Povos Indígenas, referindo-se à diversificação de violações contra eles praticadas e à impunidade de seus perpetradores. Essa constatação faz observar, por outro lado, a necessidade de adoção de medidas enérgicas, além daquelas já existentes, anotando-se aqui: de específicos diretos humanos dos povos indígenas.

Os significados históricos e ontológicos da Declaração são extraordinários, serviram como passos iniciais para que os Estados adotassem tratados e demais instrumentos de proteção aos povos indígenas, no exemplo de convenções, tanto para a aplicação nos planos internacionais como nacional e regional, regulamentando os primeiros direitos dos povos indígenas.

2 PRIMEIROS INSTRUMENTOS DISPONDO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS INDÍGENAS

Depois de longas lutas em busca do reconhecimento de seus direitos e de suas singulares identidades coletivas – degrau por degrau – finalmente, os Povos Indígenas, no século XX, foram conquistando interessantes resultados por meio de instrumentos jurídicos internacionais, firmados e ratificados por vários Estados. Uma construção complexa, edificada gradativamente em torno dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, os quais atribuiriam a eles – definitivamente – a titularidade e o gozo dos direitos humanos individuais e coletivos, além do reconhecimento de personalidade jurídica de agir no plano internacional para obter proteção as suas vidas e defesa a seus patrimônios e riquezas naturais e, igualmente, a reparação em casos de violações de seus direitos (LOUREIRO, 2015).

Nesse sentido, a partir da década de 40 do século XX começaram a surgir os primeiros instrumentos internacionais sobre os direitos dos Povos Indígenas. Entre eles, destacaram-se três convenções de relevância, editadas nos anos de 1940, 1957 e 1989, sinalizando políticas em matéria de proteção indígena, dessa forma abrindo sensibilidade e visibilidade aos Estados e à sociedade internacional. Em virtude da importância de cada uma delas, a seguir serão abordadas individualmente.

2.1 A Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano – III, de 1940

A Convenção III foi firmada por dezoito países durante o Congresso Internacional de Pátzcuaro, no México, em 1940. Em decorrência dessa Convenção criou-se o Instituto Indigenista Interamericano (III), de natureza intergovernamental, constituindo-se como organismo especializado da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1953. O seu objetivo era buscar a coordenação de políticas indigenistas dos Estados membros e promover a investigação e a capacitação para o desenvolvimento indígena.

Centrando-se na questão indígena, o Congresso de Pátzcuaro almejava institucionalizar políticas indigenistas de modelo integracionista, com base no paradigma mexicano, raiz de um novo constitucionalismo social, surgido em 1917. A partir desse Congresso de 1940, ocorreu uma revisão das políticas assimilacionistas que os Estados haviam adotado no século XIX, vigente a ideologia liberal e que conduzia ao desaparecimento dos indígenas (BRAUN, 2017, p. 44).

Nesse aspecto, destaca Fajardo (2009, p. 17): “sob o ideal de Estado-nação, todos os países latino-americanos haviam dado medidas para dissolver os ‘povos de índios’, de herança colonial, a fim de ‘converter os índios em cidadãos’. No entanto, o desaparecimento legal de comunidades, terras coletivas e foros não havia convertido os índios em prósperos parceiros, mas em servos de fazenda, marginalizados do Estado e dos benefícios social”.

Os países que ratificaram a Convenção elaboraram estudo e compilação da legislação indigenista, criaram institutos e instauraram políticas indigenistas e integracionistas (FAJARDO, 2009). A partir do Congresso de Pátzcuaro, diversos congressos foram realizados, possibilitando o intercâmbio de informações sobre a situação dos Povos Indígenas e de experiências de políticas indigenistas dos governos.

A citada Convenção III foi importante por décadas, por marcar a pauta das políticas indigenistas. No entanto, em virtude de crises financeiras não conseguiu prosseguir. Atualmente consta como acervo documental e não de orientação política indigenista.

2.2 A Convenção n. 107 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1957

Nessa evolução de resistência e persistência indigenistas, os Povos Indígenas foram vencendo suas exclusões e após uma década da Conferência do México, de 1940, finalmente observações e recomendações por eles apresentadas às diversas conferências foram adquirindo o estatuto de Direito Internacional, reconhecido na realização da XL Conferência Internacional do Trabalho, órgão legislativo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesse sentido, a Convenção n. 107 e a Recomendação n. 104, ambas de 1957, constituíram-se nos primeiros mecanismos jurídicos trabalhistas na ordem internacional, então dirigidos aos povos nativos.

A OIT tornou-se uma das agências especializadas do Sistema das Nações Unidas em 1946, inicialmente criada já em 1919, em consideração ao pactuado no Tratado de Versalhes. Ao pôr fim à Primeira Guerra Mundial, entendia esse Tratado que a paz mundial seria conquistada com fundamento na justiça social. Trata-se de uma organização diferenciada pela sua estrutura tripartite, reunindo representantes de governos, empregadores e trabalhadores em seus organismos executivos e no corpo diretivo. Com sede em Genebra-Suíça, no início do século XXI reunia 183 Estados membros.

Finalmente, nos anos 50, a OIT, a partir do Acordo n. 107, de 1957, origem da Convenção n. 107, desse mesmo ano, começou a ocupar-se com a questão indigenista, estabelecendo padrões mínimos de proteção aos Povos Indígenas, assegurando a eles proteção e também a outras populações tribais e semitribais de países independentes, entrando em vigor em 1959, quando ratificada por 18 Estados membros.

O princípio básico da Convenção está visível em seu título, A Integração e a Proteção das Populações Indígenas, Tribais e Semitribais em Países Independentes. No artigo 1º, parágrafo 2º, a Convenção n. 107 referencia que o termo semitribal engloba os grupos de pessoas que em um determinado tempo irão perder suas características tribais, mas ainda não integrados na sociedade, o que deixava latente a visão integracionista desse documento (MARTINS, 2009).

A respeito dessa visão integracionista, ressalta-se que tal ideologia teve início nos anos de 1940, perdurando até a década de 1970, refletindo dois enfoques: o culturalista e o estruturalista. Sobre eles, anota Ikawa (2010, p. 517): no primeiro havia hierarquias entre culturas. A cultura indígena era considerada inferior, sendo necessário alocar a cultura dominante, devendo integrar-se à cultura nacional. Essa visão materializou-se com a divulgação de diversos materiais de homogeneização: cartilhas, cursos de formação de professores, utilização da língua nacional e outros.

Já o enfoque estruturalista referia-se às questões indígenas, como problemas socioeconômicos e desconsiderava a questão cultural. A integração deveria acontecer “pela via econômica, pela implementação de obras de infraestrutura, pela assistência técnica produtiva, por projetos assistenciais” (IKAWA, 2010, p. 518). Embora com direções diferentes, ambos os enfoques visavam à transformação das comunidades indígenas, com um modelo mais adequado para a ideia de nação e desenvolvimento.

Na década de 50, as condições de trabalho dos povos indígenas mostravam o desrespeito aos seus direitos fundamentais, entre os quais a sua identidade, língua, cultura e organização social. Como forma de combater essa situação, o Sistema da Organização das Nações Unidas, governos, organizações de empregadores, trabalhadores e a OIT criaram alguns mecanismos para coibir ações que se alastravam no contexto mundial, entre eles, a Convenção n. 107, de 1957.

O documento de 1957 tem por base o Programa Indigenista Andino – Missão Andina – dirigido pela OIT nos anos 50, evidenciando problemas enfrentados por indígenas no campo do trabalho (trabalho forçado, abuso nos sistemas de contratação e outros), questões decorrentes da desapropriação territorial indígena.

Esse documento de 1957 incluiu um programa no qual se evidenciam os resquícios da doutrina da tutela das instituições, das pessoas, dos bens e trabalho das populações indígenas. O reconhecimento das culturas e formas de organização social e política dos grupos indígenas, abrangendo a questão das terras que tradicionalmente ocupavam na época, constituiu um importante precedente internacional, que serviu de base para o reconhecimento posterior de direitos dos Povos Indígenas (GUGEL, 2015). Contudo, afirma Royo (2007, p. 95), a Convenção n. 107 caiu em descrédito no final dos anos 70, em virtude de sua forte carga assimilacionista.

Essa Convenção incorporou direitos que extrapolavam a questão laboral, como aqueles referentes ao direito consuetudinário e à terra, centrando-se no reconhecimento de direitos aos indígenas. O documento de 1957 iniciou sua vigência na época da Guerra Fria, em um contexto interno de movimentos sociais, rebeliões indígenas e campesinas por terras. Alguns países realizaram reformas agrárias, reconhecimento de grupos indígenas, direitos sociais, sindicalização, adoção de formas cooperativas de trabalho, reconhecimento parcial da cultura, idiomas e costumes dos Povos Indígenas (LUCAS, 2010).

Nesse período, o objetivo do Estado era promover o desenvolvimento e a modernização conforme modelo adotado. Segundo Fajardo, “Embora o Convênio se preocupe pelo reconhecimento de direitos aos indígenas, ainda pressupõe certa minoria indígena e faz descansar no Estado o papel decisório sobre as políticas a serem aplicadas aos indígenas” (2009, p. 19).

Sobre o Movimento de Resistência dos Povos Indígenas, Roncato (2018, p. 176-177) observa que a Convenção reúne em seu texto questões problemáticas e inconsistentes, como o caso da perspectiva de assimilação desses povos nativos à nação, por se encontrarem em um estágio de civilização menos adiantado, “como se sua identidade fosse um estado ‘provisório‘ numa tendência ‘inevitável‘ de incorporação ao Estado, algo que fica evidente na redação do seu artigo 2.”, refletindo uma visão que leva a entender que povos menos civilizados deveriam ser conduzidos a um estágio mais avançado por meio de uma assimilação forçada.

Com o passar do tempo e sua nova realidade, as medidas integracionistas e assimilacionistas propostas na Convenção n. 107 começaram a entrar em choque com o conteúdo emancipatório da Carta das Nações Unidas e a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), de 28 de novembro de 1978, advogando o direito de ser diferente, de se considerar diferente, de ser visto como diferentes. Procedendo-se então a revisão da Convenção de 1957 e que no final da década de 80 foi substituída pela nova Convenção de 1989, a seguir focalizada.

2.3 A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1989

A Convenção de 1989 teve marcas de relevo na década de 70, com o resultado das discussões e encaminhamentos sobre a questão indígena no mundo, tendo como um dos eixos de destaque a Resolução da Comissão de Direitos Humanos, de 1971 e ainda em um estudo sobre o problema da discriminação contra as populações nativas. Esse estudo ficou conhecido como Relatório Martínez Cobo, elaborado e desenvolvido durante uma década, cujo efeito principal foi o de manter o interesse institucional a respeito das demandas e reivindicações indígenas, nesse período (BRAUN, 2017).

Na sequência, outro ponto significativo foi a Conferência Internacional Não Governamental sobre a Discriminação das Populações Indígenas na América, de 1977, realizada em Genebra, reunindo apoio político para que a Comissão de Direitos Humanos criasse o Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, vinculado à Subcomissão para a Prevenção de Discriminação, originando um foro internacional de organizações indígenas de todo o planeta, debatendo intensamente pautas dos Povos Indígenas. Elemento de destaque encontra-se no ingresso da questão indígena na ONU, fazendo com que a OIT despertasse da sua letargia quanto aos problemas indigenistas. Então, voltando o olhar para o instrumento internacional disponível à proteção dos Povos Indígenas – Convenção n. 107 – observou necessária a sua revisão.

Royo (2007, p. 97-98) cita como um dos motivos principais dessa revisão a participação influente dos próprios indígenas, a apresentação de suas demandas e a redação da própria Convenção n. 169. Realidade extremamente diferente da Convenção anterior em questões sensíveis para os Estados, como a utilização dos termos território e povos, pressupostos determinantes na inclusão do direito à autodeterminação.

Na Convenção de 1989, a adoção da categoria autodeterminação seria fundamental para os Povos Indígenas, incorporaria o reconhecimento amplo de suas culturas. Esse documento foi essencial na articulação do regime contemporâneo dos direitos indígenas, possuindo importância sem precedentes na América Latina, além de referência nos processos de reconhecimento constitucional e legislativo dos direitos indígenas; apesar de seus limites, contribuiu com o multiculturalismo.

Em 1986, um comitê de especialistas reunido pela OIT concluiu que a Convenção n. 107 contrariava a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos, recomendando urgente revisão, contando com a representação de indígenas na condição de observadores. Os especialistas sugeriram retirar o antigo enfoque assimilacionista, direcionando o novo documento aos direitos sobre a terra, abolindo a noção de população, utilizado agora a categoria de povos.

Na continuidade, em 1988, a OIT convocou uma conferência para revisar a Convenção n. 107, resultando a edição da Convenção n. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, aplicada aos segmentos da população considerados indígenas, tribais, nômades ou itinerantes, cujas condições sociais, culturais e econômicas são distintas de outros segmentos da população. No artigo 1º estão delineados critérios objetivos de quem são os sujeitos de direito dessa Convenção.

Ao contrário da anterior, a Convenção n. 169 passou a proibir políticas de assimilação ou integração forçadas e que impediam os Povos Indígenas de tomar suas próprias decisões. Reconhecia o seu desejo de assumir o controle de suas instituições, sua forma de viver, desenvolver-se economicamente e manter e fortalecer suas identidades, línguas, religiões, dentro do estado em que moravam. Reconheciam ainda os direitos referentes à terra e ao território, acesso aos recursos naturais, o próprio direito consuetudinário, direitos relativos ao trabalho, saúde, comunicação, desenvolvimento das línguas originárias, educação bilíngue intercultural e outros. No elemento território incluía a totalidade de seu habitat, como solo, água, espaço aéreo, meio ambiente, locais sagrados e centros de cerimônia.

O documento de 1989 defende a necessidade de os Povos Indígenas participarem das iniciativas de desenvolvimento sustentável realizadas em seus territórios, que vão desde as estratégias de conservação e gestão do meio ambiente à participação dos benefícios gerados. Reconhece a eles a sua relação especial com a natureza e valoriza a importância para o desenvolvimento de sua cultura, religião e a relação existente entre a diversidade e a etnodiversidade, defendendo que há uma íntima relação entre o futuro dos povos indígenas e os ecossistemas que ocupam (ORUE, 2011, p. 86-87).

Percebe-se que a Convenção é um marco de referência para os Estados e sua relação com os Povos Indígenas, constituindo instrumento de maior transcendência internacional, obrigando os países que a ratificaram a assegurar que nenhuma política de desenvolvimento seja aplicada sem antes haver o seu consentimento. Os princípios de respeito, informação e participação constituem a coluna vertebral a direcionar as relações entre eles.

Essa Convenção reconhece a existência de vários povos indígenas dentro de um mesmo Estado e de novas formas de relação entre eles, com base na consulta, participação e respeito. Trata-se de uma nova política de tratamento, que possibilita a inovação com a construção de unidades estatais pluralistas.

Quanto ao direito à consulta, a Convenção recebeu críticas ao não estabelecer de que forma pode ocorrer. O argumento de alguns setores vinculados aos povos indígenas é de que essas instituições, em tese, não zelariam efetivamente pelos interesses indigenistas. Para os movimentos e organizações indígenas, a Convenção é considerada “um importante instrumento jurídico na defesa e promoção dos direitos indígenas e por essa razão comemoraram quando finalmente foi internalizada no nosso ordenamento jurídico” (GARZÓN; VALLE, 2006, p. 82).

Em termos de legislação internacional relacionada aos Povos Indígenas, entre os instrumentos citados, o mais sólido é a Convenção n. 169, da OIT, que “representa um distanciamento marcante em termos de política mundial de comunidades, da filosofia refletida na Convenção anterior de promoção da assimilação dos povos indígenas pelas sociedades majoritárias” (ANAYA, 2005, p. 171).

Trata-se de uma mudança de um modelo velho por um novo paradigma. Como descrito no seu Preâmbulo, os povos indígenas têm a prerrogativa de assumir o controle de suas próprias instituições, formas de vida e de seu desenvolvimento econômico, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, no lugar onde moram.

Conclui-se que a Convenção estabelece preceitos em favor da integridade cultural e da não discriminação indígena sobre os direitos de suas terras e de seus recursos naturais, estimulando os Estados a respeitar as suas decisões nos temas que os afetam. Outro avanço é o reconhecimento dos direitos coletivos indigenistas, como a propriedade sobre terras tradicionais, direito à consulta e preservação de seus costumes e instituições enquanto grupos e não só como indivíduos.

3 TRAJETÓRIA DE TENTATIVAS NA CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS

Durante o período de dominação colonial, ocorrido no século 19 e parte do século 20, o seu modelo de legalidade positivista – defendendo os direitos dos Estados e ao mesmo negando os direitos dos Povos Indígenas – os relegou às margens do Direito Internacional, omitido qualquer norma de proteção como povo, ator e sujeito, desconhecendo também o seu caráter de natureza nacional, enquadrando-os na classificação de minorias (GOMES, 2013).

Nesse sentido, o monopólio de poder do Estado como ator soberano e privilegiado, impondo-se como único sujeito do Direito Internacional, conformou-se em uma sociedade de Estados – Sistema de Estados – prolongando esse status até após a Segunda Guerra Mundial. Finalmente, a criação da ONU (1945) e a Declaração Universal dos Direito Humanos (1948) puseram fim nesse discurso de superioridade e privilégio e que assim havia conduzido às relações internacionais no mundo ocidental. Essa Declaração instituiu uma normativa superior aos Estados e, desse modo, passou a legitimar a própria luta das minorias, entre elas, dos Povos Indígenas de todo o Planeta, integrantes do Movimento de Resistência Indigenista denominado Quarto Mundo, contemporaneamente reconhecido importante ator global. Nesta parte final do estudo, cronologicamente serão apresentadas tentativas em torno da construção dos diretos humanos dos povos nativos.

3.1 Registros preliminares de um difícil projeto

Historicamente, neste tópico serão anotados registros significativos da década de 50 até 80 do século 20, sobre tentativas almejando a construção de direitos humanos dos Povos Indígenas. Incialmente ilustra-se o tema observando ser antiga a pretensão indigenista de se inserir na agenda internacional e ser reconhecida nesse âmbito, proposta prontamente afastada em virtude também do denso clima da Guerra Fria vigente na época. Nos anos 50, fato polêmico marcou a agenda internacional, ocorrido em 1957, com a aprovação da Convenção n. 107, da OIT. O seu texto, ao considerar que os Povos Indígenas tinham vínculo com a cultura pré-colonial em relação às culturas tradicionais, passou a propor a assimilação da tradição e costumes indígenas com as culturas dominantes, o que fazia lamentavelmente tanto negar a evolução de suas culturas como forçar a integração nesse modelo dominante (ORUE, 2011, p. 80-81).

Durante a década de 60, os Povos Indígenas continuaram firmes na luta em favor da criação de seus específicos direitos humanos, manifestando-se contra o modelo da cidadania universal, porque não reconhecia a existência de realidades intermediárias entre o Estado e o indivíduo. Consequentemente, assim também não reconheceria a existência da nação sem Estado dos Indígenas (STAVENHAGEN, 2010).

Outra questão enfrentada pelos povos indígenas nessa década dizia respeito ao avanço das políticas de desenvolvimento e dos direitos humanos. Nesse sentido, a denominação Povos Indígenas se converteu em uma denominação técnica para identificar grupos específicos para as políticas de desenvolvimento internacional, cujo marco conceitual e normativo passou a identificar a existência desses povos como um problema herdado do colonialismo (ORUE, 2011, p. 81).

Durante a década de 60 ocorreram várias convenções, entretanto nenhuma delas fazia menção específica aos Povos Indígenas e tampouco reconhecia algum tipo de direito ou de proteção a esses povos nativos. Entre elas, apenas a Convenção para a Eliminação do Racismo, de 1965, fez pequena menção a eles.

Em 1966, com a Convenção de Direitos Políticos e Sociais e a Convenção de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, abriram-se horizontes a ações políticas e culturais aos povos nativos, aproximando-os dos direitos humanos e assim ligando o indigenismo à natureza desses direitos propriamente ditos, podendo agora enfrentar as políticas assimilacionistas. Contudo, novos Estados surgidos do fenômeno da descolonização, negavam a existência de minorias dentro de seus territórios nacionais e suas fronteiras.

A partir dessas Convenções, os Povos Indígenas começaram a usar um novo discurso vinculado aos direitos humanos, redefinindo conceitos, tornando possível a utilização de uma política que fazia o reconhecimento da identidade do indigenismo (CUNHA, 1985; STAVENHAGEN, 2010).

Até os idos de 1969, a Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção das Minorias não haviam se preocupado especificamente com os problemas que atingiam os Povos Indígenas. Nesse ano, a Subcomissão recebeu um relatório – no qual o seu relator – em estudo sobre a discriminação racial nas esferas política, econômica, social e cultural havia incluído um capítulo sobre medidas a serem adotadas sobre a proteção dos povos nativos. Tal relatório motivou a adoção da Resolução n. 1389, de 21 de maio de 1971, pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ORUE, 2011, p. 82).

Na sequência dos anos 70, por iniciativa própria e mediante alianças com ONGs, os povos nativos conseguiram o apoio oficial da ONU. Em 1972, essa Organização encarregou José Martinez Cobos para realizar estudos da discriminação sofrida pelos nativos e esse trabalho se tornou uma referência em matéria de Povos Indígenas e direitos humanos (MARTINES COBOS, 1986).

Na continuidade dessa evolução, em 1974, também o Relatório do Trabalho sobre a Escravidão apresentou várias referências sobre os Povos Indígenas. Tais referências continuaram nos relatórios seguintes de 1977, 1978, 1979 e 1980. Em 1978, a Conferência Mundial contra o Racismo reconheceu o direito dos Povos Indígenas, tanto de manter o controle sobre seus recursos naturais como de manter a própria cultura. Década sucedendo década – no horizonte dos anos 80 – o denotado esforço dos Povos Indígenas galgou novos degraus dessa longa e tortuosa caminhada. Em decorrência de seu persistente empenho, em 1982 foi aprovada a criação do Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas, tornando-se um locus central de atividades internacionais. Vale dizer, passou a fortalecer o papel da importante paradiplomacia indigenista, em suas gestões e negociações entre os Estados e o Sistema Internacional dentro da ONU. Em um segundo momento, já no final dessa década, usando regras de participação aberta, o citado Grupo de Trabalho tornou-se foro de denúncias de situações vividas e testemunhadas pelos povos nativos (ORUE, 2011, p. 83-84).

Entre as importantes atividades desse Grupo de Trabalho destacou-se a realização de relatórios, agregando petições, propostas e recomendações de indígenas, objetivando oferecer maior compreensão e aceitação desses povos. Nesse sentido, em 1989, a ECOSOC possibilitou a realização de um relatório, por parte de Miguel Alfonso Martinez, com a tarefa de observar tratados e acordos firmados pelos Povos Indígenas, com o objetivo de anotar o seu potencial de relacionamento com os Estados.

O ano de 1989 foi elementar ao projeto indigenista de reconhecimento de sua personalidade jurídica e de criação de seus próprios direitos. De um lado, a Convenção de Direitos da Infância, em seu artigo 30, reconhecia às crianças indígenas o direito de manter a sua cultura e, dessa forma, passou a romper com a longa tradição assimilacionista e de etnocídio, oferecendo posterior ensejo a uma educação bilíngue. De outro, era aprovado o Convênio n. 169, da OIT, já abordado no tópico 2 deste estudo, abrindo finalmente novas possibilidades a esses sofridos e marginalizados povos nativos. Na continuidade será abordada a trajetória da luta dos Povos Indígenas na década de 90, culminando com a conclusão de uma importante declaração em 1994 por esses povos, declaração essa somente aprovada pelas Nações Unidas em 2007 (URT, 2011).

3.2 O Protagonismo indigenista e a Declaração das Nações Unidas dos Direitos dos Povos Indígenas

As tentativas de construção dos direitos humanos dos Povos Indígenas definitivamente se dinamizaram durante os anos 90, com a destacada presença desses povos junto ao Sistema das Nações Unidas, momento em que a atuação do Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas se converteu em um inusitado palco de protagonismo da paradiplomacia indígena.

Mediante protocolo flexível e aberto foi possível que representantes governamentais e líderes indígenas – juntos – estabelecessem relações diretas, debatendo assuntos de interesses de suas agendas e pela primeira vez os povos nativos participavam de negociações multilaterais até então desconhecidas, discutindo mecanismos jurídicos de proteção às violências e abusos, ataques e prejuízos sofridos ao longo de séculos, ocupando-se principalmente em impulsionar um projeto político em torno de uma proposta de direitos humanos indigenistas baseados em responsabilidades compartilhadas.

A construção desses direitos motivou grandes expectativas e muitos contatos indígenas com uma variedade de atores. O caminho dos sofrimentos e exclusões indígenas foi longo e agora a luta pelos seus direitos humanos convertia-se em relevante questão compartilhada e conhecida em nível mundial. A proposta dos Povos Indígenas concentrava-se principalmente na busca de seu reconhecimento como verdadeiros agentes ativos da criação de uma estrutura jurídica de proteção, por meio da construção dos diretos humanos indígenas.

Nesse sentido, por mais de uma década, entre 1982 e 1994, as discussões dos Povos Indígenas concentraram-se em torno de um projeto de declaração dos seus direitos, amadurecendo estudos sobre questões de saúde, meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável, relação com a terra e o território, direito ao desenvolvimento, juventude e infância. Durante diferentes décadas do século 20, esses temas conectavam-se com a globalização, prevenção de conflitos, proteção nacional e internacional e por último sobre a ocupação dos territórios indígenas por parte de autoridades estatais, empresas privadas, grupos e indivíduos (ORUE, 2011, p. 84).

A Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas representa grande oportunidade vinculada ao reconhecimento de seus direitos humanos. Constitui o resultado de empenhado esforço político e da própria paradiplomacia indigenista em busca de poder dispor de um específico marco legal de proteção. Nesse sentido, indaga-se: O que é essa Declaração? Por quem e quando projetada? O que contém? Qual a sua importância? Trata-se de um documento formal elaborado pelos próprios representantes e líderes indígenas, reunindo suas reivindicações centradas em seus direitos humanos.

Desse modo, não se trata de um resultado de discussões de intelectuais, especialistas ou de legisladores. Ao contrário, foram os Povos Indígenas como vítimas de abusos - violentadas e discriminadas e excluídas – que participaram de forma ativa e consciente na redação desse instrumento legal, em busca de segurança, proteção e respeito a seus diretos coletivos e individuais (HEINZE, 2010, p. 300-326).

Na realidade, esse documento conforma proposta inovadora e inusitada dentro da sociedade internacional, em que as próprias vítimas participaram dinamicamente de um instrumento formal, com a finalidade de impedir que tão graves violações ainda continuem acontecendo. Nessa Declaração encontram-se questões de grande interesse para os Povos Indígenas, entre elas, o direito de autodeterminação, o direito de viver como povos singulares, proteção a sua personalidade espiritual, cultural e linguística, defesa da propriedade indígena sobre suas terras e territórios, ecossistema, diversidade biológica em que e como se encontram (SOUZA FILHO, 2004).

O projeto da declaração foi concluído em 1994, quando decidido pelos Povos Indígenas que exatamente como estava elaborado, seria submetido à aprovação definitiva da Assembleia Geral das Nações Unidas. Iniciando-se então, a partir de 1995, longo e difícil caminho a trilhar, cheio de limites e obstáculos, que a agenda indígena deveria enfrentar com relação às resistências do Sistema de Estados e dos próprios Estados em si mesmos.

Entre os enfrentamentos cita-se a polêmica tensão provocada em relação à adoção da denominação de Povos Indígenas verso populações, ocorrida entre representantes de Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais e os povos nativos. A negativa dos Estados em aceitar a categoria de Povos Indígenas dizia respeito ao seu temor ao reconhecimento dos direitos desses povos e de seus resultados. Se incluído o direito de autodeterminação poderia resultar em reivindicações de diferentes grupos até então considerados minorias, gerando um efeito dominó e que assim prejudicaria a estabilidade dos Estados (ORUE, 2011, p. 94).

Por outro lado, a Declaração certamente representava a força e a presença da paradiplomacia indígena, centrada há décadas na questão dos direitos humanos indigenistas e, por outro, tratava-se de um documento formal contendo reivindicações sempre postergadas e direitos jamais reconhecidos, além de comprovar o extraordinário empenho e a autoridade do Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas. Nesse itinerário de lutas e conquistas, a Declaração finalmente foi aprovada, inicialmente pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 29 de junho de 2006 e posteriormente apresentada à Assembleia Geral da ONU, em 2007.

Desde a sua conclusão em 1994, passados 12 anos de espera, em 13 de setembro de 2007, com uma votação de 143 Estados, 4 países votaram contra (Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia), enquanto 11 se abstiveram (Azerbaijão, Bangladesh, Butão, Burundi, Colômbia, Geórgia, Quênia Nigéria, Federação Russa, Samoa e Ucrânia), finalmente a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pelas Nações Unidas.

A oposição de Estados argumentava várias questões contrárias ao direito de livre determinação, aos direitos dos Povos Indígenas sobre suas terras, territórios e recursos naturais, ao consentimento prévio, livre e informado, ao capítulo sobre propriedade intelectual e ao reconhecimento do direito consuetudinário em contraposição às leis nacionais.

A Declaração – como um todo – dispõe sobre os direitos de manter e fortalecer as instituições indígenas, culturas, tradições e perseguir o seu próprio desenvolvimento segundo suas necessidade e inspirações, abordando os diretos coletivos e individuais, culturais e a sua identidade, estendendo-se à educação, saúde, emprego, idioma, entre outros. Estabelece normas mínimas para o respeito dos direitos humanos dos Povos Indígenas, para combater a discriminação e a marginalização. Também reconhece o direito à livre determinação, materializada com autonomia e autogoverno sobre seus assuntos internos, garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres indígenas, defende a propriedade de terras ancestrais e os recursos que tradicionalmente tenham ocupado e utilizado, a preservação do meio ambiente. Exclui o desenvolvimento de atividades militares em terras e territórios indígenas, salvo se solicitadas por eles ou em caso de ameaça importante ao interesse público e, por fim, defende o direito de manter relações entre indígenas separados por fronteiras internacionais (ORUE, 2011, p. 97).

O texto da Declaração é constituindo por uma introdução e 46 artigos, divididos em 9 grandes bloco, assim dispostos:

O primeiro bloco contém o direito de autodeterminação, direito de participar da vida dos Estados, direito à nacionalidade e de estar livre de perseguição. O segundo bloco se refere às ameaças que colocam em perigo a permanência dos Povos Indígenas como culturas singulares. Direito à existência, à segurança física e propostas contra o genocídio e etnocídio.

Já o terceiro bloco reúne as diretrizes referentes à manutenção da identidade cultural religiosa, espiritual e linguística e o quarto bloco prevê os direitos referentes à manutenção da própria cultura, educação, direito à informação e ao mundo do trabalho. A necessidade de desenvolver instituições de educação, com uso da própria língua, utilizar materiais didáticos e informativos que contenham a cultura indígena.

O quinto bloco diz respeito ao direito de desenvolvimento, à participação e outros direitos sociais e econômicos e sexto bloco trata dos temas de territórios e recursos em que se encontram os povos indígenas, propriedade intelectual, conservação e segurança ecológica.

O sétimo bloco estabelece disposições sobre a criação de espaço próprio de decisão e algumas formas de aplicação do direito de autodeterminação, nacionalidade, estruturas legais e instituições relacionadas com outros povos e tratados firmados com os Estados, enquanto o oitavo prevê os mecanismos para efetivação da Declaração e o nono bloco aborda o mandato e os limites da Declaração.

Afinal indaga-se: Que medidas teriam finalmente contribuído para a consolidação e adoção dessa importante Declaração aqui apresentada? Esse documento formal palmilhou árduos trilhos, contando com decididos apoios. Em 1980, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas solicitou a realização de estudos a respeito dos direitos humanos no mundo. E esse estudo apontou a crescente, alarmante e preponderante violação dos direitos humanos dos povos indígenas em diversas regiões do Planeta. Identificando que muitos deles viviam em sistema de escravidão e que os instrumentos de direitos humanos existentes não eram suficientes para a proteção e defesa desses povos, urgia a criação de específicos diretos humanos indígenas.

Desse processo de estudos sobre os direitos humanos no mundo, também resultou a Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena, ocorrida em 1993. Nesse evento foi declarada a Década Internacional dos Povos Indígenas (1994-2004), a qual firmou um marco na ordem internacional, ao estabelecer que os Estados membros precisavam dar atenção especial aos direitos dos povos indígenas.

Os resultados foram aos poucos surgindo. Em 1993, a ONU declarou o Ano Internacional dos Povos Indígenas e estabeleceu com prioridade a adoção dos princípios da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O projeto dessa Declaração foi elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.

Em síntese, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas apresenta como destaque a questão da discriminação indígena. As discussões sobre esse assunto iniciaram ainda em 1982, nomeado como relator especial, José Martinez Cobo, pelo Conselho Econômico e Social da ONU, que autorizou a criação do Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas dentro da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias. Referido Grupo teve a tarefa de redigir um modelo da Declaração, que contou com a participação de organizações de povos indígenas (RANGEL, 2005).

Em termos gerais, o texto da Declaração amplia a visão do reconhecimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas, tendo como pilar o direito à livre determinação. Isto é, o direito a ter controle sobre os assuntos que os afetam. A partir do conceito do direito à livre determinação, outros conceitos foram desencadeando-se e a ele se vinculando, como o direito do consentimento livre, prévio e informado.

Outros aspectos da Declaração são inovadores, como o requisito de uma justa e adequada compensação das violações dos direitos reconhecidos nesse instrumento, estabelecendo garantias contra o genocídio. Ressalta a importância de os Estados reconhecerem a igualdade de direitos e a proibição da discriminação em relação aos povos indígenas. Estabelece que o consentimento e o acordo de vontades seja o ponto principal de relacionamento entre Povos Indígenas e Estados, conclamando por ações efetivas de proteção dos seus direitos. Reconhece o direito à autonomia e autogoverno dos povos indígenas, que dá o direito de decidir sobre suas vidas, destinos, terras, territórios e recursos, condição para que se possa exercitar o direito à livre determinação. Também o direito sobre suas terras, territórios e recursos naturais, a aplicação do princípio do consentimento prévio, livre e informado, concedido aos povos indígenas, além do direito ao veto sobre qualquer ação ou medida que os afete (RANGEL, 2005).

A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, de 2007, reforça e amplia as questões que envolvem os seus direitos, com base nos princípios da igual dignidade dos povos e no direito de determinar livremente o seu destino. No âmbito do Direito Internacional também ocorreram grandes avanços em matéria indígena, em razão da jurisprudência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, que produzirá recomendações sobre situações que envolviam violação aos direitos indígenas (ROCATO, 2018, p. 192-208).

Sobre a importância desse documento, como ferramenta política de apoio às reivindicações e lutas dos povos indígenas, que tem como elemento principal o direito de existir como povos diferenciados, de defender seu território e de permanecer autodeterminado enquanto povo, como um instrumento de consolidação dos direitos dos povos indígenas que historicamente foram sonegados e esquecidos, registra-se a posição da Organização Indígena APOINME – criada em 1995, com sede em Olinda-Pernambuco, que tem como objetivo a articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – no que diz respeito à Declaração dos Povos Indígenas.

Nessa direção também é a posição de Royo: “A adoção da Declaração foi um momento de grande significado emotivo para o movimento indígena internacional, que viu na decisão do Conselho a resposta aos esforços de décadas e a um chamado de séculos” (2007, p. 99).

A Declaração constitui um marco internacional quanto aos direitos dos Povos Indígenas, uma síntese dos avanços na esfera do Direito Internacional desses povos. Estabelece como ponto principal a igual dignidade dos povos e amplia o clássico princípio da igual dignidade de indivíduos. Os povos nativos são considerados iguais em direitos a todos os povos, de existir física e culturalmente. Também proíbe o genocídio e a assimilação forçada como forma de extermínio cultural, estabelece o direito de eles determinarem livremente sua condição política e a forma de desenvolvimento, bem como de participar na definição de políticas estatais (FAJARDO, 2009, p. 23).

Além disso, a Declaração reconhece o direito indígena de se governar em assuntos internos e locais, reflete o diálogo construtivo alcançado pela primeira vez na história entre Estados e povos indígenas, avançando na concepção sobre a diversidade e na construção de um sistema internacional mais justo e igualitário para esses povos. O texto adotado pela Declaração se baseou no consenso, reunindo um completo repertório de direitos à autonomia e jurisdição e outros temas, como direitos sobre o patrimônio cultural tangível e intangível, recursos genéticos e os direitos derivados de tratados históricos.

O conteúdo da Declaração exprime a negação das bases axiológicas, sobre as quais se constituíram o Direito Internacional do imperialismo, prova disso é que no seu início consta “que os povos indígenas são iguais aos demais povos e reconhece ao mesmo tempo o direito de todos os povos a ser diferentes, a considerar-se a si mesmos diferentes e a ser respeitados como tal” (ROYO, 2007, p. 99-100).

A respeito dessa unidade moral e jurídica entre povos, a Declaração consagra um objetivo de justiça, uma forma de reverter os efeitos contemporâneos das injustiças históricas sofridas pelos povos indígenas, como resultado da colonização e de todas aquelas doutrinas políticas e práticas baseadas na superioridade de determinados povos. A Declaração impulsiona essa agenda com um programa de direitos humanos derivados de princípios amplamente reconhecidos na esfera internacional desses direitos, como o crime de genocídio.

Depreende-se que a Declaração é um instrumento fundamental para a correta compreensão da evolução dos direitos dos povos indígenas, porque e como anota Royo (2007, p. 105), “a mesma instituição que se utilizou do sistema da dominação colonial por meio do disciplinamento do trabalho indígena e que formou parte do projeto indigenista internacional de fazer desaparecer as culturas indígenas através da integração, serviu também de foro para o reconhecimento destas culturas como marco de respeito à diversidade”.

A história dos direitos indígenas representa um elo de continuidade entre o colonialismo e o multiculturalismo, uma mostra de trocas nos discursos e nas estruturas de poder que submeteram os povos indígenas e do surgimento de espaços que intentam subverter essa ordem. É um testemunho singular da própria articulação da noção de povos indígenas no campo internacional, uma categoria de ordem colonial, um produto de normatização civilizatória, primeiro, por meios científicos, indigenistas, depois termina convertendo-se em elemento central de uma prática de resistência e um discurso de liberação (ROYO, 2007, p. 105).

Evidencia-se que o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas é fruto de discussões, lutas e pressões feitas por seus representantes – povos e organizações indígenas – nos fóruns internacionais. A Declaração dos Povos Indígenas estabelece que os direitos nela firmados são normas mínimas para a sobrevivência e o bem-estar dos povos indígenas do mundo. É o instrumento que traz as reivindicações atuais dos povos indígenas e compete aos Estados incorporarem esses direitos em suas legislações internas, bem como adotar todas as medidas e mecanismos para que esses direitos sejam respeitados, garantidos e efetivados em todas as esferas.

A Organização das Nações Unidas adotou a Declaração sobre os Povos Indígenas em um momento histórico para todos os povos indígenas do mundo. Esse documento caracteriza-se como um marco e um divisor de águas para os que lutam no campo dos direitos internacionais dos direitos humanos. É um instrumento que reconhece a existência de mais de 370 milhões de indígenas no Planeta, mas que também devem ser reconhecidos como povos e sujeitos de direitos específicos, direitos esses que devem ser protegidos, defendidos e efetivados. Mais do que isso, devem ser consultados e suas vozes escutadas na construção de seus direitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta secular dos Povos Indígenas no mundo, em busca de proteção a suas vidas e defesa de seus territórios e riquezas naturais, culminou com a emergência de importante movimento autodeterminista de resistência política global – Quarto Mundo – congregando povos nativos distribuídos nos diferentes continentes do Planeta, tentando eliminar lamentáveis e estratificadas consequências do colonialismo, demandando o reconhecimento da atuação de ator geopolítico das relações internacionais e de sujeito ativo do Direito Internacional.

Nesse sentido, importa infirmar aqui importantes noções usadas ao longo do texto, por exemplo, o termo indígena se refere a todas as populações autóctones do planeta Terra, entendendo-se por direitos humanos, um conjunto institucionalizado de diretos e garantias do ser humano, com o objetivo primordial de conferir respeito e dignidade a sua vida, proteção contra o arbítrio do poder estatal, além do estabelecimento de condições mínimas de subsistência e desenvolvimento de personalidade humana, já que os direitos indígenas dizem respeito aos direitos coletivos existentes e que reconhecem à condição dos povos Indígenas, seus direitos territoriais, direitos à diversidade étnico–cultural, direto à auto-organização e direito à diferença, ser exatamente como é.

Nesse viés, o Direito Internacional identifica como indígenas aqueles povos que descendem de populações, que preexistem aos Estados atuais, conservam total ou parcialmente as suas instituições sociais, políticas, culturais, ou que têm autoconsciência de sua identidade.

Por sua vez, os direitos humanos dos povos indígenas registram denotada história de persistência, um passado repleto de lutas, violências, opressões. Trata-se de uma história sempre viva, vivida e testemunhada, que se produziu no passado e se reproduz no presente, relatada particularmente por nativos violentados, estuprados, excluídos e marginalizados, enquanto que os Estados e as sociedades permaneciam e ainda permanecem ausentes e omissas em suas responsabilidades.

As mudanças foram lentas e tímidas nesse sentido, conquistadas passo a passo pelo empenho e muito esforço dos próprios Povos Indígenas. Em que pesem os termos das Convenções n. 107 e n. 169, da Organização Internacional do Trabalho, de 1957 e 1989 em favor dos povos nativos, só em 2007 as Nações Unidas aprovaram a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Observa-se, contudo, nesse sentido, existir longa distância a vencer entre suas possibilidades teóricas e normatizadas e a práxis cotidiana de sua real efetividade, tão duramente vivenciada por esses povos nativos, levando aqui a indagar: Os direitos indígenas são materialmente concretizados como ordenados em sua lógica e racionalidade formal?

A importante Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, os posteriores instrumentos internacionais, como a Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano, de 1940, as citadas Convenções n. 107 e n. 169, ambas da Organização Internacional do Trabalho, de 1957 e 1989, e a instituição da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, com certeza abriram espaços a discussões e abordagens sobre os problemas e situações dos nativos ao redor do mundo. Mas a sua realidade atual mostra-se ainda repleta de dificuldades, constituindo grande desafio a superar e a vencer.

Nessa longa evolução de lutas, somaram-se muitas tentativas em torno da construção de Direitos Humanos dos Povos Indígenas – individuais e coletivos – acrescentando-se o reconhecimento de sua personalidade jurídica de agir no plano internacional, para garantir a sua proteção e a reparação em caso de violência de seus direitos.

Nesse sentido, observa-se que a autodeterminação dos Povos Indígenas implica no reconhecimento de seus direitos coletivos, enquanto sua aplicação implica na flexibilidade dos Estados e respeito à realidade política, social econômica, cultural e tribal desses povos.

Na atualidade, o objetivo indigenista encontra-se no estabelecimento de uma nova relação política, cultural, econômica, social e cultural de interdependência e compartilhamento, baseada no diálogo e na cooperação entre os Estados nação e as nações indígenas sem Estados, com a capacidade de integrar a diversidade e o multiculturalismo, a fim de prevenir conflitos.

A Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, com sua concepção de pluralidade e autodeterminação adotada em 2007 pelas Nações Unidas, foi direcionada nesse horizonte, contribuindo, de certa forma, para a consolidação de seus dispositivos em âmbito local, nacional, regional e internacional. Contudo, pergunta-se: Quais são as suas possibilidades globais? Teriam pronta efetividade? Configura uma arquitetura já alicerçada de proteção eficaz? Como sustenta a fundamental questão da sustentabilidade dos direitos humanos dos Povos Indígenas nesse universo de diferenças e de múltiplas culturas das sociedades em que hoje se vive?

Ao longo dos tempos, os Estados, as sociedades e os indivíduos criaram discriminações e preconceitos solidamente enraizados contra os povos nativos, estereotipando-os como seres selvagens e periféricos, bárbaros e primitivos. Essa visão dominante, socialmente construída e estratificada, provocou poderosa cegueira, ocasionando a desvalorização de suas culturas, tradições e memórias, conduzindo à legitimação de sua exclusão, apresentando os nativos como meros objetos passivos, estigmatizando-os como fossem apenas pobres índios e que por isso necessitavam de ajuda, enquanto seus abusos e agressões, violências e marginalizações sistematicamente eram ignoradas.

Necessário, nesse viés, profunda reestruturação no sistema internacional e na ordem mundial existentes, além de um novo modelo estatal multicultural, atento às diversidades étnicas dos povos e que fazem parte de seu próprio território, capaz de criar um espaço sustentável, participativo e interdependente para as nações indígenas sem Estados.

Contemporaneamente, o conceito de sustentabilidade ganhou destacada amplitude, colocando o ser humano em primeiro plano, não mais o considerando apenas como meio do processo de desenvolvimento. Na verdade, passando agora a reconhecer os indivíduos como um fim em si mesmo. Essa nova concepção reúne diferentes dimensões – ambiental, social, política e econômica – além da dimensão institucional, abarcando uma concepção de sustentabilidade como uma pluridimensionalidade de diversas e diferentes amplitudes.

Nesse prisma, o desenvolvimento passa a ser tratado como um direito humano, apresentando-se como um novo paradigma da contemporaneidade, denominado desenvolvimento sustentável pluridimensional, ao lado da emergência de outros interessantes modelos e seus diversificados desenhos.

Esse conceito foi adotado pela Agenda 2030 da ONU, lançada em 2015, abraçando 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas. Em sua abordagem sobre o desenvolvimento sustentável pluridimensional, esse novo projeto para a humanidade futura, conhecido também como o novo projeto civilizatório, para sua realização convida a todos os atores emergentes não estatais, entre os quais filia-se o Movimento Político de Resistência dos Povos Indígenas, denominado Quarto Mundo. Nesse viés, abrem-se assim importantes possibilidades às lutas dos 370 milhões de Povos Indígenas distribuídos ao redor do mundo.

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