A espécie humana é apenas mais uma dentre as milhares de espécies de seres vivos que povoam este planeta, e a fundamental característica que nos diferencia dos demais seres vivos é a complexa capacidade de articulação da nossa linguagem1. Os limites da nossa linguagem, portanto, significam os limites do nosso mundo2, ou como refere o poeta, a nossa língua é nossa pátria3. De maneira que, sendo a linguagem esse método especial, inicial e diferenciado do nosso contato com qualquer conhecimento, uma avaliação, ainda que superficial, da natureza jurídica da relação estabelecida entre o paciente e o seu médico deve começar necessariamente pela apreciação da nomenclatura comumente utilizada para a referida avença e suas implicações aparentes e ocultas.
Por muito tempo, a Medicina foi vista como uma prática quase mágica, na qual um desfecho adverso para a saúde do paciente dificilmente poderia ser imputado ao profissional médico. Apesar da gradativa modificação ocorrida neste cenário, trazendo o médico para “o mundo dos mortais” e sedimentando a natureza contratual da avença4 e 5, esta relação que se estabelece entre o paciente e o profissional da saúde continua a carregar uma nomenclatura que não traduz corretamente seu atual entendimento, e que nem mesmo se coaduna com a tarefa original da própria medicina, desde os primórdios: colocar a saúde do paciente em um primeiro plano6.
Ao utilizar-se da consagrada expressão “relação médico-paciente”, reforça-se uma condição hierárquica e de anterioridade do médico que nunca correspondeu ao verdadeiro objeto da medicina e que não corresponde, atualmente, ao status jurídico que vem sendo alcançado pelo paciente no reconhecimento progressivo de sua autonomia, decorrente de sua dignidade como sujeito de direitos, não mais como um mero objeto da atividade do médico.
Mais do que apenas um tropo linguístico de ajuda argumentativa (GARRAFA, 1999, p.36), a inversão dos sujeitos na nomenclatura para “relação paciente-médico”, denota ainda a adequada correspondência ao mencionado objeto da medicina (a saúde do ser humano) que, desde 2013, também já se encontra formalmente reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro7.
Nos dias atuais, de um inigualável deslumbramento com as possibilidades científicas, a nossa sensibilidade cultural e psicológica vacila entre o poder técnico-científico e o poder, que periga escapar-nos, de controlar o próprio poder (BELLINO, 1993, p. 68). Este controle do próprio poder, na avença aqui discutida, começa pela linguagem e pelo signo que atribuímos implicitamente à distribuição da capacidade de influência no desfecho das ações dentro da relação paciente-médico.
A depender do tipo de “evolução” que se deseja em um determinado instituto ou conceito, sobretudo quando trata de uma modificação paradigmática, uma das principais medidas a ser adotada é a modificação da nomenclatura do instituto para que a carga valorativo-simbólica do nome anterior não seja trazida para o novo instituto neste “processo evolutivo”. Ao longo da marcha histórica os institutos jurídicos estão em “constante processo de definição e redefinição científica, social, antropológica, cultural e jurídica” (SÁ, 2011, p. 74).
Portanto, do ponto de vista lexical, pode-se garantir que o Direito é projeto de um fluxo comunicativo em que conceitos jurídicos não se tratam de realidades consolidadas, imutáveis e indiscutíveis, mas são modificáveis através de uma prática argumentativa em constante processo de construção (SÁ, 2011, p. 133). Assim e com apoio nas palavras de Potter, o que se busca fundamentar com a simples proposta de nomenclatura aqui sugerida é uma adaptação cultural8. Ou seja, uma mudança psicológica e comportamental desejável em nossa sociedade que, dentro do escopo deste trabalho, constitui-se em pilar fundamental no entendimento e na consciência dos próprios sujeitos envolvidos nessa relação especial (paciente e médico) acerca dos seus respectivos papéis, no sentido de evidenciar o alcance dos direitos que o paciente conquistou nos últimos tempos.
Assim, pelo método de abordagem histórico-evolutiva e por uma técnica de pesquisa pautada em análise bibliográfica, este artigo buscará demonstrar que a aqui defendida inversão da ordem dos sujeitos na nomenclatura da relação paciente-médico atende a, pelo menos, três objetivos: (i) uma adequação desta nova nomenclatura à essência denotativa e conotativa do contrato de tratamento; (ii) uma correspondência à evolução doutrinária oferecida pela Bioética no que tange a referida relação; (iii) e um melhor entendimento dos papeis dos sujeitos envolvidos nessa avença especial.
2 A bioética como fundamentação para a sugerida modificação da nomenclatura
A Bioética constitui-se em um recente campo do conheciment9 em franco desenvolvimento e voltado para ações práticas10, realizando-se basicamente em três níveis: (i) o da experimentação humana, o (ii) das políticas de saúde e de investigação biomédica e (iii) o da prática clínica (NEVES, 2006, p. 169). De maneira que, é especificamente neste terceiro nível da prática clínica, que este trabalho se debruça, e, levando-se em conta que o campo analítico preferencial da bioética se relaciona, desde muito cedo, com questões relacionadas ao limite da vida11, a relação entre o paciente e o médico é o verdadeiro cerne das discussões em microbioética12.
A ética da vida nasceu para proteger os fracos diante do poder do aparato médico e científico (FERRER, 2005, p. 289), fazendo parte de sua missão central inicial, para que não perca sua alma, servir aos interesses dos menos favorecidos em uma determinada relação, sobretudo, quando está em jogo a relação entre o paciente e o seu médico (ou entre paciente e pesquisador). No que tange a prática médica, a bioética ainda se caracteriza pela ruptura entre a anterior tradição da ética médica em face de um processo de decisão que passa a ser de domínio público. Sendo que o episódio que caracteriza esta ruptura, apontado por Albert Jonsen, foi a criação do comitê de ética hospitalar em Washington (Comitê de Admissão e Políticas do Centro Renal de Seattle), em 1962:
“O Comitê de Seattle, como ficou conhecido, tinha o objetivo de definir prioridades para a alocação de recursos em saúde. Uma de suas primeiras medidas foi a seleção, dentre os pacientes renais crônicos, daqueles que poderiam fazer parte do programa de hemodiálise recém-inaugurado na cidade. Como havia um número de pacientes superior à disponibilidade de máquinas, os médicos optaram por delegar os critérios de seleção de atendimento para um pequeno grupo de pessoas, basicamente todos leigos na medicina. Cabia a esse grupo eleger critérios não-médicos de seleção para o tratamento. De uma forma inusitada, então, o processo de decisão médica passou para o domínio público. Para Josen, esse, mais que qualquer outro evento, assinalou a ruptura entre a bioética e a tradicional ética médica, supostamente um conhecimento de domínio exclusivo do profissional de saúde e, mais especificamente, do médico” (DINIZ, 2002, p. 19).
É verdade que a atenção dos bioeticistas inicialmente centrou-se, em geral, a partir da perspectiva dos médicos. Isso é compreensível até certo ponto, porque os médicos são os principais responsáveis pela atividade clínica, os que detêm a autoridade científica (FERRER, 2005, p. 286). Reconhecer esta escolha epistemológica em sua perspectiva histórica é muito importante, pois é o marco que permite a tentativa de modificação paradigmática aqui proposta. É sobre o corpo do paciente, e não do médico, que se darão as tentativas diagnósticas e terapêuticas. Destarte, sugere-se que doravante a análise deva partir da perspectiva dos pacientes, estes que efetivamente foram, são e serão os principais beneficiários do resultado da atividade médica, pois o estar enfermo lhes pertence e alcançar a cura lhes favorecerá de forma imediata (ao médico apenas de forma mediata).
A partir do desenvolvimento da bioética o paciente passou a ser um fim em si mesmo e a sua relação com o médico/pesquisador sofreu sua maior modificação paradigmática, pois essa nova disciplina que criou uma ponte entre as ciências biológicas e a ética (POTTER, 2016, p. 13), “abriu espaço para que uma mudança de atitude surgisse nos campos da medicina, da relação entre médicos e pacientes e nas instituições de saúde” (DINIZ, 2002, p. 29).
Já na especificidade epistemológica da Bioética latino-americana, em geral, os doutrinadores abaixo da linha do equador defendem que a Bioética norte-americana, eminentemente principialista, em seu formalismo idealista de ascendência kantiana que intenta estabelecer padrões universalmente válidos de julgamento moral, negligenciou a interdependência sócio-moral dos indivíduos, suas atitudes solidárias e seus contextos socioculturais (DINIZ, 2002, p. 62). Este enquadramento universalista reflete a permanência do protagonismo do profissional da saúde na relação, mesmo em face do grande desenvolvimento do princípio do respeito à autonomia.
A proposta sugerida pela bioética nacional, além de valorizar o coletivo para além do individualismo norte americano e as nossas especificidades sociais, caminha no sentido de valorização das necessidades específicas do paciente em sua vulnerabilidade particular, o que exige a colocação do paciente em um primeiro plano. A vulnerabilidade do paciente, nessa perspectiva, é aquela decorrente do estado de doença, acrescida por circunstâncias de natureza econômica e/ou social (SILVA, 2016, p. 70). Assim, ao inverter-se a nomenclatura para relação paciente-médico, também se sugere que as condições socioculturais subjacentes do paciente sejam, antes de tudo, levadas em consideração quando da análise relacional e na tomada de decisão médica13.
A inversão da nomenclatura, portanto, revela a alternância de duas atitudes epistemológicas distintas, ou seja, a teoria pode ligar-se à prática de duas maneiras ou direções diferentes. Como refere Ronald Dworkin14, pode (i) ligar-se de fora para dentro: podemos construir teorias gerais da justiça, de ética pessoal ou da interpretação constitucional a partir de pressupostos gerais sobre a natureza humana, a estrutura da linguagem ou do pensamento, ou a partir dos primeiros princípios de outra natureza qualquer, e em seguida tentar aplicar essas teorias gerais a problemas concretos; ou (ii) pode-se tomar a direção contrária, de dentro para fora, começando por problemas práticos e em seguida perguntar com que questões filosóficas ou teóricas gerais teremos de nos defrontar para resolver esses problemas materiais.
Por óbvio, no caso concreto, um “contrato de tratamento” (Behandlungsvertrag)15 quando em face de um dilema da ética biomédica, provavelmente será resolvido pelo mecanismo principialista. No entanto, esta ampliação prévia da cognição sugerida pela corrente da bioética latino-americana, que reforça a importância da origem sociocultural do paciente, deve nortear o início da abordagem e a tomada do consentimento livre e esclarecido, pois as condições materiais específicas da maioria dos pacientes brasileiros, usuários do SUS16, devem ser levadas em consideração e guiar a prática médica. Assim, o solavanco relativista que leva em conta as contingências culturais também é agraciado quando se coloca o paciente antes do médico.
Na esteira da atual doutrina bioética, a nomenclatura paciente-médico ainda aponta no sentido de tornar extremamente residuais e casuísticas as situações que justifiquem intervenções paternalistas fortes, que revelam um desrespeito para com os agentes autônomos e não os tratam como moralmente aptos, mas como algo menos que determinadores independentes de seu próprio bem. Como refere Dworkin, “se outros nos impõem sua concepção particular do bem, negam-nos o respeito que nos é devido” (BEAUCHAMP, 2013, p. 303).
Voltando à bioética principialista, Beauchamp e Childress (2013) esclarecem que, em tese, os quatro princípios da ética biomédica não são absolutos, podendo ser sopesados e afastados no caso concreto17. No entanto, a própria obra seminal e que até hoje melhor versa sobre o principialismo, não traz um exemplo sequer no qual a autonomia efetivamente deva ceder em face da beneficência médica. Em todos os exemplos nos quais a beneficência aparentemente prevalece sobre o respeito à autonomia, em um “paternalismo justificado forte” (BEAUCHAMP, 2013, p. 302-309), ou a razão do paciente não está preservada ou outra autonomia contralateral está ameaçada.
Em suma, os autores, a despeito de toda a bagagem casuística exposta na obra, efetivamente não trazem um exemplo prático no qual haja uma prevalência da beneficência sobre a autonomia de um sujeito livre e esclarecido (com a capacidade cognitiva preservada). Pelo contrário, os exemplos ao longo da obra são sempre no sentido de afastar a beneficência em face do respeito à autonomia, seja pelo próprio paciente em estado de consciência ou através de um modelo de decisão substituta (de preferência, o modelo da pura autonomia) (BEAUCHAMP, 2013, p. 199-204), quando já inconsciente.
Quando a beneficência, em um paternalismo forte, aparentemente prevalece sobre o respeito à autonomia, ou se trata (i) de algum diagnóstico ainda preliminar (no qual o informe do diagnóstico, ainda prematuro, pode lesionar mais do que ajudar ao paciente) (BEAUCHAMP, 2013, p. 307); ou (ii) de uma imaturidade cognitiva (na qual deve-se agir de acordo com o modelo dos melhores interesses (BEAUCHAMP, 2013, p. 204-207), em ações paternas e maternas que vão de encontro às preferências dos filhos) (BEAUCHAMP, 2013, p. 306); ou (iii) da presença de alguma doença mental (no qual, em certos casos, compromete o esclarecimento que a autonomia exige) (BEAUCHAMP, 2013, p. 305); ou ainda (iv) de uma escolha do paciente que vai de encontro a um protocolo médico (no qual não se mostra razoável que a autonomia do paciente obrigue o médico a fazer algo tecnicamente inadequado, contra a sua moral, contra a ética médica ou ainda ilegal, impondo assim uma restrição na autonomia da outra parte) (BEAUCHAMP, 2013, p. 308). Perceba-se que são situações nas quais o princípio da autonomia não é moralmente ameaçado, seja porque a autonomia do paciente não está efetivamente presente, seja porque o que o paciente deseja não é razoável, no caso concreto, justamente por afetar a autonomia contralateral (autonomia de um terceiro)18.
Vale ainda destacar, com apoio no modelo de Faden e Beauchamp, que é necessário que sejam distintas a pessoa autônoma do ato autônomo, de maneira que mesmo uma pessoa autônoma, em dada circunstância, pode não tomar um ato autônomo. “A pessoa autônoma pode falhar em agir autonomamente em uma situação específica se estiver doente em um hospital, sobrecarregada por novas informações, ignorante, manipulada por uma inteligente apresentação de dados, e assim por diante”19. Nada obstante, a condição de pessoa autônoma permanece preservada.
Ademais, se o marco que autoriza a prevalência de um paternalismo sobre a autonomia é o bem-estar da pessoa afetada, na verdade, não se está a avaliar a autonomia de forma pura. A autonomia, na prática, deixa de ser considerada, ou como os próprios autores asseveram em conclusão lógica, “o melhor é não introduzir as justificações baseadas na autonomia na fundamentação do paternalismo” (FADEN, 1986, p. 306).
Ressalte-se que a autonomia tem ainda outros limites. Não se pode esquecer que a autonomia do paciente pode ser reduzida nas hipóteses de “privilégio terapêutico”, nas quais não se mostra razoável condicionar a ação médica ao consentimento prévio do paciente. O privilégio terapêutico existente na interação paciente-médico é uma característica relacional básica, que aliás distingue o contrato de tratamento de outras relações contratuais, e que permite, em algumas circunstâncias, (i) sejam ocultadas informações que possam provocar danos psicológicos ao paciente, sendo mandatório a comunicação ao responsável legal (MUÑOZ, 1998, p. 61)20, ou (ii) que sejam tomadas determinadas decisões (urgência e emergência), sem a anuência do paciente. Sob pena de incorrer em falta ético-profissional21 e ilícito penal22, o médico não pode, em determinadas situações, ficar condicionado ao aperfeiçoamento de um acordo para estabelecer o termo inicial de tratamentos de urgência, emergência ou em algumas situações não eletivas associadas ao iminente perigo de vida. Excetuadas estas hipóteses, deve prevalecer a autonomia do paciente no movimento de simetria relacional.
Pode-se entender assim que o respeito à autonomia, em si, é algo de extrema importância quando comparado a qualquer outro princípio da bioética principialista. De maneira que para que um outro princípio “prevaleça” em face da autonomia, deve haver um mecanismo que a comprometa racionalmente em sua essência, retirando-a do cenário de avaliação por um sopesamento que envolva outros princípios, caso contrário, não será razoável que a autonomia de uma pessoa livre e esclarecida, em nosso atual sistema de privilégio da dignidade da pessoa humana, seja desconsiderada ou preterida.
É exatamente este raciocínio que não torna razoável do ponto de vista filosófico-moral, atualmente, a criminalização do aborto ou mesmo da eutanásia23. Estes temas deveriam ser relidos a partir da nova nomenclatura aqui proposta (relação paciente-médico) a qual traz consigo toda uma evolução doutrinária que busca privilegiar a dignidade da pessoa humana e a sua capacidade de dispor sobre o seu próprio corpo (princípio do respeito à autonomia).
Para Dworkin, advogar contra o aborto só é moralmente razoável quando se opta pelo argumento da “sacralidade da vida”24, no entanto, esta não foi a opção de nosso ordenamento25. Já para os embates envolvendo a eutanásia26, caso o valor da vida seja realmente considerado como relativizável a depender das circunstâncias, a autonomia do paciente caminha no sentido de ser priorizada, mesmo quando seja para por termo à própria vida:
“[...] se uma pessoa deseja mais a morte do que os benefícios e os projetos comuns da vida, então causar sua morte, em face de seu pedido autônomo, não a prejudica nem lesa (embora possa ainda prejudicar a outros, ou à sociedade, contrariando seus interesses, o que pode ser uma razão contra a prática). Ao contrário, se o ato passivo de deixar morrer não prejudica nem lesa um paciente por não violar seus direitos, então o suicídio assistido e a eutanásia voluntária, analogamente, não prejudicam nem lesam a pessoa que morre” (BEAUCHAMP, 2013, p. 263).
Por tudo até aqui exposto, é preciso reconhecer que se está diante de uma nova tentativa de compreensão da sociedade, com respaldo em outras bases filosóficas, científicas, e, sobretudo, bioéticas. Na busca de uma necessária simetria relacional, o médico, que representa normalmente a racionalidade objetiva, deve ceder parte do seu protagonismo ao paciente, que representa a razão subjetiva, transdisciplinar27. A bioética se apresenta como “uma forma de transcender o campo das ciências, encorajando-as a se comunicarem e se reconciliarem não apenas com as ciências humanas e sociais, mas também com outras formas de conhecimento. Essa é uma atitude transdisciplinar que busca integração e complementação”28 (grifou-se).
A bioética representa a “tentativa de formulação de um paradigma emergente fundado não apenas na instrumentalidade técnica, na racionalidade científica, mas calcada na concretização da vida humana” (FALEIROS, 2012, p. 16). E um novo paradigma exige uma nova nomenclatura.
3 Especificidades do paciente: vulnerabilidade e dignidade
A vulnerabilidade é entendida, por alguns, como sendo algo inversamente proporcional à capacidade de escolha autônoma por parte do paciente, e a própria linguagem nos aponta para a fonte deste (des)entendimento. A palavra “enfermo”, provém do termo latim infirmus, que significa o débil, sem firmeza, física e moral, de onde resulta que historicamente não fizesse sentido solicitar a opinião ou o consentimento de um doente para com o procedimento a ser realizado em seu próprio corpo (PEREIRA, 2004, p. 29).
Ao utilizar-se a consagrada nomenclatura relação médico-paciente, aqui condenada, reforça-se a implícita, equivocada e ultrapassada noção de que ao médico caberia a responsabilidade e a possibilidade de escolha sobre aquilo que deve ser feito com a saúde e o corpo do paciente, independentemente da anuência deste. No errôneo entendimento de que a presença da vulnerabilidade subtrai de forma inversamente proporcional a autonomia do paciente, paradoxalmente, utiliza-se o conceito de autonomia para proteger o privilégio do poderoso na relação, não para conferir poder (empowerment) ao oprimido.
Ocorre que, como explicado de forma breve acima, a relação entre o paciente e seu médico vem sofrendo uma transformação copérnica, partindo de um esquema autoritário e vertical, surge-nos hoje como democrática e horizontal; de um código moral único passou a um modelo pluralista de sociedade, que respeita os diferentes códigos morais (PEREIRA, 2004, p. 29). E, na medida em que se atualiza a nomenclatura para relação paciente-médico, assume-se simultaneamente que o paciente, em regra geral, será vulnerável, no entanto, que isto não pode ser um marco, prima facie, para retirada da sua capacidade decisional, muito pelo contrário, pois a saúde e as consequências das decisões a serem tomadas lhes pertence.
É exatamente este o entendimento de Mônica Aguiar, ao afirmar que:
“Quanto mais grave a vulnerabilidade, maior o dever do médico/pesquisador em preservar a autonomia do paciente/participante, garantia esta que deve se realizar de modo a alcançar o outro em uma vivência de alteridade de forma a que seu consentimento/autorização se dê o mais autonomamente possível» (SILVA, 2016, p. 83)
Especificamente acerca dos sentidos da vulnerabilidade, Patrão Neves apresenta uma leitura ampliada do conceito de vulnerabilidade, decompondo-a em uma vulnerabilidade substantiva, que seria inerente a todo ser vivo, e numa vulnerabilidade adjetiva, que complementar à primeira seria específica daqueles que se encontram em uma clara situação de desvantagem relacional29, a exemplo dos pacientes.
Assim, na medida em que a vulnerabilidade em sua dimensão substantiva pertence a todos os seres vivos, é infundada a sua atribuição de forma exclusiva ao paciente, muito menos como sendo um marco para reduzi-lo a algo menor. Ao longo do texto, a autora propõe que a vulnerabilidade deve ser entendida como um princípio, reunindo tanto sua característica adjetiva (referindo-se a caracterização particular de algumas pessoas, como podem ser os pacientes em sua enfermidade, temor da morte e desconhecimento técnico) quanto sua característica substantiva (condição humana na sua universalidade). De maneira que, concordando-se com a autora, a assunção da vulnerabilidade como princípio carrega de forma harmoniosa os dois sentidos da noção de vulnerabilidade (NEVES, 2006, p. 168). E Patrão Neves segue esclarecendo que um princípio obriga, pois, “todo princípio exprime uma obrigação que, como tal, se impõe à consciência moral sob a expressão de um dever, de um dever a ser cumprido. Assim sendo, o aspecto fundamental da afirmação da vulnerabilidade como princípio ético é o de formular uma obrigação da ação moral” (NEVES, 2006, p. 169).
Esta obrigação da ação moral, a qual pode ser apreendida por todos, a começar pelos sujeitos envolvidos na relação paciente-médico, reforça-se quando a própria nomenclatura lembra, a todo momento, que apesar de serem ambos substantivamente vulneráveis (e os médicos também possuem suas vulnerabilidades adjetivas), são os pacientes, por possuírem vulnerabilidade adjetiva específica da própria enfermidade, que devem ter prioridade no contexto e na execução deste contrato especial de prestação de serviços.
Assim, no plano da assistência médica, podemos acrescentar que, em termos gerais, o princípio da vulnerabilidade interpela diretamente o profissional de saúde na sua responsabilidade de estabelecer relações simétricas com a pessoa doente e obriga as instituições a proteger, a zelar por todos os cidadãos igualmente, mesmo quando estes não têm poder de reivindicação (NEVES, 2006, p. 168). É justamente na tentativa de se aprimorar esta relação que surge a necessidade de implementação da nomenclatura paciente-médico, bem como a positivação do contrato de tratamento entre nós. 30
Ressalte-se que não se defende aqui um absolutismo inverso, no qual o paciente tenha sempre a palavra final sobre o desfecho possível a ser adotado no contrato de tratamento, pois, ao se buscar uma simetria relacional, seria injusto retirar o paciente de sua posição adversa e, simultaneamente, colocar o profissional de saúde na qualidade de oprimido. Assim, por exemplo e como já mencionado, não é razoável que seja exigido do médico, por parte do paciente, um comportamento alheio à ética médica, ou que obrigue o profissional da saúde a agir de forma contrária às suas crenças pessoais, em claro desrespeito à sua autonomia.
Já a dignidade da pessoa, numa acepção rigorosamente moral e jurídica, também se encontra vinculada à simetria das relações humanas, de tal sorte que sua intangibilidade resulta justamente das relações interpessoais marcadas pela recíproca consideração e respeito (SARLET, 2008, p. 25). Quando se refere à dignidade do paciente, o que se busca é uma uma simetria relacional pautada na construção dialógica da autonomia, sendo a autonomia do paciente (e do médico) um resultado do contínuo erigir de uma consciência crítica dialógica (STANCIOLI, 2004, p. XII). A ideia central é sepultar, de vez, a vetusta redução do paciente ao status de objeto do conhecimento da atividade médica, não permitindo que a prática médica viole a individualidade do paciente.
Concorda-se com Stancioli, no sentido de que a solução ética para o problema do desequilíbrio relacional entre paciente e médico é o incremento da autonomia do paciente. “Assim, corpo clínico e enfermo assumem posições, no seu relacionamento, que tendem a ser ética e juridicamente equânimes, uma vez que há igualdade ideativa entre ambos” (grifou-se) (STANCIOLI, 2004, p. 26).
Portanto, não se busca uma valorização do sujeito paciente em função do detrimento do sujeito médico, mas de uma coadjuvância do direito deste, conscientemente necessária, a partir do protagonismo do seu dever em relação ao direito do paciente de escolher seu próprio destino. Como refere Patrão Neves acerca da alteridade, não se trata de uma assimetria relacional entre os sujeitos, trata-se apenas de uma assimetria entre direitos e deveres31, que no contrato de tratamento, ambas as partes, mas sobretudo o médico, devem colocar os seus deveres para com o outro em um primeiro plano para que se efetive a desejada simetria entre paciente e médico. Primeiro os deveres, depois os direitos, isso é simetria no sentido da alteridade ética.
Quando se coloca o paciente em um primeiro plano na nomenclatura, ainda se aponta para um outro aspecto muito importante: nem sempre as escolhas do paciente serão necessariamente segundo um standard racional. “As críticas à ideia de um indivíduo racional, feitas por inúmeros filósofos (como Nietzsche, Heidegger e Foucault), são duras e procedentes” (STANCIOLI, 2004, p. 33). A análise deve sair da ideia de um agente autônomo que se pauta apenas em uma racionalidade científica, para centrar-se na análise de um ato com justificações transdisciplinares (como visto acima).
Vale destacar, no que tange o entendimento do poroso conceito de dignidade da pessoa humana, que o próprio Dworkin, ao tratar do seu conteúdo, acaba reportando-se direta e expressamente à doutrina de Kant, ao relembrar que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, isto é, como mero instrumento para realização de fins alheios (SARLET, 2008, p. 36 e 37). É neste sentido que ao colocarmos o paciente em primeiro plano, os interesses de terceiros (sejam eles os médicos, as operadoras de saúde, ou o poder público), caso não sejam coincidentes com os efetivos interesses dos pacientes, devem ser rebaixados, em tese, a um segundo plano. O homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir “simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, 1980, p. 134 e 135). Decisões utilitaristas ficam com um campo muito restrito quando em face da dignidade humana, um governo que professa reconhecimento aos direitos individuais “não deve definir os direitos dos cidadãos de modo que possam ser anulados por supostas razões de bem-estar geral” (DWORKIN, 2014, p. 313).
4 A natureza jurídica da relação paciente-médico e o direito médico de lege ferenda no Brasil
Para cumprir o mandamento filosófico desta mencionada perspectiva kantiana – da não-instrumentalização do homem por outro homem, surgiram alguns ramos jurídicos32, a exemplo (i) do direito do trabalho, que veio à lume para proteger o empregado da eterna tentativa de sua instrumentalização por parte do empregador, bem como (ii) o direito do consumidor, que surgiu para proteger o consumidor em face do fornecedor, que tenta instrumentalizar aquele para o atingimento do seu objetivo, o lucro empresarial. E ainda nesta mesma perspectiva, de proteger o paciente (sua vida e a sua saúde) de uma eventual instrumentalização sua por parte de um profissional da saúde, é que deverá nascer/desenvolver-se o que a doutrina costuma chamar de (iii) o “Direito Médico”33.
Ocorre que de forma distinta dos dois primeiros ramos jurídicos supramencionados, que já contam com uma consistente maturidade legislativa e doutrinária aqui no Brasil, o Direito Médico ainda dá os seus primeiros passos, justamente por ainda não ter desenvolvido de forma consistente institutos e normas que atentem para as especificidades da relação jurídica34 estabelecida entre o paciente e seu médico. Este novel ramo jurídico em surgimento deve ter por objeto a relação paciente-médico. Esta relação jurídica, por sua vez, por ter como objeto a saúde do paciente - um bem jurídico completamente suis generis e especial (NILO, 2018, p. 106), convoca o “Direito Médico” a dispor de normas específicas que tutelem da melhor forma possível suas particularidades.
Na medida em que a Ciência do Direito vem caminhando no sentido de tentar prevenir a judicialização dos conflitos, a tutela jurídica da saúde do paciente, além de ser alcançada pelo “Direito Médico” em sua forma contenciosa, quando já se tem um conflito judicial estabelecido entre as partes, deve, sobretudo, de forma preventiva, ser contemplada antes do surgimento de qualquer litigiosidade. E para cumprir esta tarefa preventiva em face da saúde do paciente, o “Direito Médico” deve fornecer, previamente, aos pacientes e médicos, as ferramentas e os parâmetros adequados para que as partes desenvolvam sua relação da maneira mais harmoniosa possível, estabelecendo direitos e deveres de forma clara, superando a atual lacuna normativa do ordenamento jurídico brasileiro, que desemboca no inadequado enquadramento consumerista por parte majoritária da doutrina e jurisprudência35.
A construção de uma verdadeira “teoria geral do direito médico” passa pelo diagnóstico adequado acerca da relação jurídica estabelecida entre o paciente e seu médico, afastando-a da atual subsunção consumerista realizada no cenário brasileiro. Concorda-se integralmente com Miguel Kfouri Neto, quando o autor assevera que “de lege data, por conseguinte, os médicos, enquanto profissionais liberais, não se sujeitam às normas do Código de Defesa do Consumidor, em relação aos atos terapêuticos” (KFOURI, 2013, p. 236).
Ocorre que, entre nós, a partir de algo já pronto (de fora para dentro) e materialmente inadequado para questões bioéticas (como visto acima a partir de Dworkin), foi-se na “prateleira dos diplomas normativos” existentes no ordenamento pátrio, e escolheu-se atribuir à relação paciente-médico um selo consumerista que ela não possui36, uma teoria prêt-à-porter37. A intenção é correta, proteger o paciente, no entanto a solução é inadequada, pois reduz juridicamente a saúde do paciente a uma simples mercadoria, o que jamais pode ser (bio)eticamente aceitável. É necessário se construir uma nova teoria feita sob medida, tendo em vista as especificidades da relação paciente-médico, um “Direito Médico de lege ferenda”, não como dispõe o atual Código Civil, que trata da matéria em artigos esparsos, sem unidade temática38.
Um novo e adequado microssistema jurídico para o contrato de tratamento ajudaria a reduzir as demandas médicas, pois, na prática, a implementação de direitos ao mesmo tempo protege os doentes em termos de cuidados de saúde e ajuda a apoiar suas decisões, particularmente nos casos de erro médico. Codificar o contrato de tratamento, dentro do Código Civil, fortaleceria a informação para o paciente, embasando seus direitos nos processos de responsabilidade médica, promovendo ainda uma cultura de prevenção de erros e o envolvimento do paciente no contrato.
Uma evolução, de certa forma análoga a aqui proposta, ocorreu recentemente entre nós no tema da teoria das capacidades. No ordenamento jurídico brasileiro, no dilema da proteção-promoção da autonomia, partia-se da proteção como pedra de toque dos regimes atinentes aos adultos com capacidade diminuída. No entanto, seguindo uma tendência comum nas reformas europeias (VÍTOR, 2008, p. 16) e com o advento da Lei de Inclusão39, a finalidade da autonomia passou a ter um foco na sua promoção. Assim, atendendo à excepcionalidade da restrição dos direitos fundamentais, a regra passou a ser a promoção da autonomia (que se associa à capacidade) e a exceção, a proteção (que se associa a incapacidade).
Esta perspectiva, que se volta muito mais para o plano existencial, será mais facilmente apreendida também no “Direito Médico” quando houver um microssistema jurídico específico direcionado neste sentido, moldado efetivamente para a promoção dos direitos dos pacientes a partir da sua existência (plano existencial), não a partir da sua “capacidade de consumo” que prioriza o aspecto patrimonial em um contrato de tratamento, pelo valor pago em uma consulta particular ou através da intermediação de uma operadora de saúde.
O homem é marcado por uma fragilidade permanente da existência corporal, evidente sobretudo em fases da infância, da velhice e da doença (HABERMAS, 2010, p. 47). Na doença, esta “fragilidade” ganha um contorno específico, pois, independentemente de quando ocorra ao longo de toda a existência corporal, constitui-se na própria possibilidade concreta do fim da vida. “Não importa para quantas doenças o homem ache a cura, a mortalidade não se dobra à sua astúcia” (JONAS, 2006, p. 32).
A vulnerabilidade específica decorrente do estar enfermo, tão comum, temida e especial (suis generis), clama por um auxílio específico por parte do direito, a ser concebido racionalmente após o “descobrimento” das particularidades da vulnerabilidade em questão. Assim, concorda-se com Habermas no sentido de que “a regulamentação normativa das relações interpessoais pode ser compreendida como um poroso invólucro de proteção contra certas contingências, às quais o corpo vulnerável e a pessoa nele representada estão expostos” (HABERMAS, 2010, p. 47).
O ocaso jurídico da medicina paternalista, entre nós, iniciou-se formalmente com a Constituição Federal de 198840, irradiando posteriormente seus efeitos normativos-axiológicos ao Código Civil de 2002, transformando a relação paciente-médico até então puramente verticalizada. O paciente passou a ter o direito de participar ativamente das decisões que envolvem o seu próprio corpo (autonomia)41. Mas ainda é preciso dar mais um passo adiante. O sujeito de direito não é simplesmente um indivíduo, mas um sujeito determinado pela norma jurídica adequada, em dada situação concreta. Na relação paciente-médico é preciso caminhar no sentido de efetivamente criar dois sujeitos de direitos específicos, que recebem uma tutela jurídica especial enquanto interagindo em uma relação que também é especial, pois carrega características muito específicas. Aproximações inadequadas ignoram as reais necessidades dos sujeitos da relação e atribuem um regime jurídico inapropriado, como vem ocorrendo no Brasil, que não favorece a prevenção dos litígios, pelo contrário42.
5 A ética médica, o direito comparado e a atual tarefa da medicina a favor da nomenclatura paciente-médico
Outros três últimos pontos de apoio que endossam a modificação semiótica aqui proposta se encontram nas análises, ainda que superficiais, da (i) modificação da atual tarefa da medicina; da (ii) normatividade da ética médica, e dos (iii) contratos de tratamento do direito civil alemão - que optou por criar um microssistema jurídico específico para a relação paciente-médico.
Estes dois últimos - pilares normativos, ainda que do ponto de vista formal estrito não possam ser “considerados”, pois um se constitui em resoluções de uma autarquia federal (CFM) e outro em estudo de direito comparado, fornecem um robusto lastro argumentativo doutrinário.
Na medida em que se pretende enxergar a relação paciente-médico mais a fundo, uma doutrina acerca do Direito Médico não pode olvidar das regras ético-profissionais impostas aos médicos. “No seu dia-a-dia, muitos profissionais, incluídos os do cuidado à saúde, pautam o seu agir profissional por normas ou regras provenientes dos chamados códigos deontológicos de uma determinada profissão (...) códigos de ética ou códigos de ética profissional” (KIPPER, 1998, p. 40).
O exercício profissional dos médicos é regulado rigidamente, dentre outras Resoluções, pelo Código de Ética Médica43 (CEM) – Resolução CFM nº 1.931/09. É certo que o CEM não pode ser imposto formalmente àquele que não é médico (paciente, operadora de saúde, hospital, etc), no entanto, apesar de não ser lei formal, o CEM rege materialmente a prática médica, sendo uma importante baliza normativa que pode ser utilizada na proteção específica dos direitos dos pacientes.
Dentre outras restrições à mercantilização da medicina por parte do médico - o que poderia reduzir perigosamente a saúde do paciente ao status de uma mercadoria comum, o CEM veda ao médico a possibilidade do profissional fazer propaganda comercial de sua atividade como uma empresa qualquer. Essa restrição44, que vai de encontro a uma regra básica do marketing - a capacidade do comerciante poder divulgar seus serviços de forma ampla na tentativa de alcançar mais clientes, persuadindo-os e aumentando a viabilidade do seu empreendimento45, também endossa a necessidade da inversão da ordem dos sujeitos na nomenclatura da relação. Afinal, na medida em que ao médico é vedada a captação de clientes através da propaganda, ou de outros meios promocionais, o contrato de tratamento, invariavelmente, é estabelecido por iniciativa, ou por uma demanda, que deriva sempre do paciente. A saúde (e a doença), centelha originária da relação, pertence sempre ao paciente.
Esta movimentação no sentido claro de priorização dos direitos dos pacientes também vem ganhando reflexos no direito civil de outros países, como por exemplo, no Direito Civil Alemão, que já tipificou os “contratos de tratamento” no Código Civil Alemão (BGB)46. Deve-se observar que o nome do diploma normativo que modificou o Zivilgesetzbuch em 2013, “Lei para melhorar os direitos dos pacientes”47, já evidencia toda a intencionalidade legislativa alemã, no claro objetivo de melhorar as condições dos pacientes em face de sua dignidade e de sua especial vulnerabilidade, o mesmo que se busca aqui com a inversão proposta na nomenclatura, bem como pela já mencionada criação de um microssistema jurídico específico.
O Projeto de Lei (Gesetzentwurfs) para melhoraria os direitos dos pacientes48 - precursor da lei mencionada, justificou a alteração realizada no BGB através de uma ampla fundamentação, sob os principais argumentos de que (i) os direitos dos pacientes naquele país se encontravam em uma série de regulamentos esparsos, sem uma unidade normativa reguladora; (ii) a ausência de normas formais específicas entre o paciente e o médico era reconhecida como fonte de dificuldade para que todas as partes interessadas conheçam seus direitos e deveres, sobretudo, para que os pacientes possam exigir seus direitos quando violados; (iii) esta lacuna compromete a transparência e segurança jurídica; (iv) a constatação da crescente complexidade da medicina e a variedade de opções nos tratamentos exigem regulamentações que aproximem pacientes e cuidadores; (v) e o reconhecimento de que os paciente sofrem de “males específicos”49. Todos estes argumentos, aplicáveis integralmente à realidade brasileira, exigiam a confecção de uma moldura jurídica particular para os pacientes e para o provedor do tratamento. De maneira que regras legais transparentes e adequadas fornecem a ambos os lados, pacientes e médicos, a segurança jurídica necessária e contribuem efetivamente para a prevenção de litígios.
A informação confiável a ser fornecida como orientação para o paciente não é um fim em si mesma, mas pode favorecer a condição de que o paciente possa determinar a sua própria responsabilidade de forma autônoma e independente no contexto do tratamento. A maior transparência e segurança jurídica almejada pelos “contratos de tratamento” foi formalizada, em suma, na (i) definição de informações básicas a serem fornecidas ao paciente; (ii) na obrigação do médico em documentar devidamente o tratamento; (iii) no direito do paciente em inspecionar seus registros médicos; (iv) bem como na distribuição do ônus da prova em possíveis casos de erros.
Todos estes pontos ratificam a necessidade de se colocar os interesses do paciente em um primeiro plano, e, assim, subverter a ordem dos sujeitos na nomenclatura nos aponta ainda para a fuga do “diálogo entre peritos”, convidando os profissionais de saúde para a reflexão sobre a histórica questão da estrutura de poder da relação.
Dar voz ao paciente sustenta-se, ainda, na teoria habermasiana do agir comunicativo, a qual, em síntese apertada, esclarece que o conceito do agir comunicativo surge como “uma interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir que estabeleçam uma relação interpessoal (seja com meios verbais ou extraverbais) (...) [buscando] um entendimento sobre a situação da ação para, de maneira concordante, coordenar seus planos de ação e, com isso, suas ações” (HABERMAS, 2016, p. 166)50.
Por fim e talvez o aspecto mais importante de todos, vale lembrar que a própria tarefa da atividade médica se modificou muito com o tempo, pois foi inicialmente a doença e suas causas, não a saúde, o que originariamente colocou a medicina em movimento. No entanto, o que antes se restringia apenas a restabelecer funções biológico-orgânicas afetadas, agora se estende até mesmo a (i) “tratar” um organismo completamente saudável do ponto de vista funcional, como ocorre com a realização de uma cirurgia estética meramente embelezadora51; ou ainda a (ii) evitar a própria vida, como na prescrição de um método contraceptivo, na esterilização, ou ainda na realização de um aborto terapêutico, medidas essas contrárias ao “transcorrer natural” do organismo biológico - a fertilidade, a gravidez e a reprodução claramente não são enfermidades. Todas estas novas possibilidades estão para além da “finalidade curativa”.
Estes dois exemplos de modificação na atividade médica apenas ratificam o fato de que o paciente, a partir de seus próprios interesses sobre o seu próprio corpo, tem exigido da medicina prestações que superam o antigo conceito meramente biológico de saúde, ou indo de encontro à “normalidade” do curso fisiológico de seu organismo. Assim, a arte médica vem se modificando no sentido do favorecimento da capacidade que o paciente tem de dispor sobre o próprio corpo, mesmo que isso signifique o sepultamento de velhas concepções sobre a saúde e a medicina. Isto só reforça o recente protagonismo do paciente na sua condição decisional quando em relação com um médico.
A nomenclatura, assim, inverte-se porque modificou-se o paradigma central da atividade - apesar deste paradigma não ter sido ainda internalizado na prática médica, pois carece da adaptação cultural que aqui se busca. Atualmente, nos contratos de tratamento, o dever de tratamento ou de diagnóstico perdeu centralidade na atividade médica, cedendo espaço para o dever de informação, sendo que a obrigação de informar (não de curar) passou a constituir o cerne da obrigação do médico. É este, portanto e atualmente, o principal produto da atividade médica, o dever de informar. Esta modificação central na obrigação, além de todos os demais motivos expostos, clama pela imediata inversão da nomenclatura para “relação paciente-médico”.
Na medida em que o marco decisional, que precipitará o desfecho do contrato do ponto de vista material, ampliou-se do que o médico pode fazer para conter também o que o paciente escolhe que seja feito (BERGSTEIN, 2012, p. 254), não há outra opção a não ser evidenciar, de todas as formas e sobretudo pela linguagem, o protagonismo dos direitos do paciente.
6 Considerações finais
A modificação da nomenclatura aqui proposta traz consigo o questionamento do paradigma dominante do pensamento objetivista-científico (objetivação dos sujeitos), com finalidades meramente instrumentais, que vem sendo cada vez mais colocado em xeque, para que se atente às condições subjetivas e valorativas – que tentam ser homiziadas pela concepção científico-materialista de progresso. Portanto, propôs-se aqui uma adaptação cultural, na tentativa de facilitar uma aceitação mais ampla do conhecimento já disponível, com a simples adoção de uma nova nomenclatura para uma relação que, quando em seara jurídica, clama por compreensão e normas específicas.
Esta nova nomenclatura aqui proposta, relação paciente-médico52, numa simples inversão da posição dos sujeitos, amolda-se às conquistas do paciente no respeito à sua autonomia, sem negligenciar a importância do médico na relação, sobretudo, na sua eterna e insubstituível importância na condução técnica do contrato de tratamento. É fundamental que se destaque que a escolha final daquilo a ser realizado em seu próprio corpo deve ser do paciente, apesar das alternativas médicas viáveis só poderem ser apresentadas por um médico, à luz do conhecimento médico vigente e em face de um determinado caso concreto.
Restou demonstrado que a simples inversão da ordem dos sujeitos na nomenclatura da relação paciente-médico corresponde à essência denotativa e conotativa do contrato de tratamento, carrega a evolução doutrinária oferecida pela Bioética no que tange a referida relação, e ainda possibilita um melhor entendimento dos papeis dos sujeitos envolvidos nessa avença especial.
A necessidade da simetria relacional que precipitou a origem da Bioética, que tanto se busca ao lado de cada leito, fica mais próxima no horizonte, na medida em que, a partir da linguagem, começa-se a destacar e privilegiar a posição do paciente em relação às decisões que afetem a sua própria saúde e o seu próprio corpo. A dignidade da pessoa humana, nessa relação especial, atravessa por esta simples, mas fundamental, modificação semiótica. O sucesso desta atualização, entretanto, passará pela necessária modificação cultural dos sujeitos que lidam com o Direito, bem como de todos os sujeitos envolvidos no contrato de tratamento.
Referências
BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013.
BELLINO, Francesco. Fundamentos da Bioética. Aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Bauru: EDUSC. 1993.
BENTHAM, Jeremy. O panóptico. Organização de Tomaz Tadeu. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
BERGSTEIN, Gilberto. Os limites do dever de informação na relação médico paciente e sua prova. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo (USP). 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-30042013-144339/pt-br.php. Acesso em: 16 de jan. de 2018.
DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é Bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002.
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida – aborto, eutanásia e liberdades individuais. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
FADEN, Ruth R. e BEAUCHAMP, Tom L. A History and Theory of informed consent. New York: Oxford University Press, 1986.
FALEIROS JÚNIOR, Roberto Galvão e BORGES, Paulo Cesar Corrêa. A macrobioética e os direitos humanos: um caminho para o humanismo dialético. Revista de Bioética y Derecho, núm. 26, septiembre 2012.
FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. Para fundamentar a bioética. São Paulo: Loyola, 2005.
FISCHER, Marta Luciane et al. Da ética ambiental à bioética ambiental: antecedentes, trajetórias e perspectivas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 391-409, abr./jun. 2017.
FRANÇA, Genival Veloso. Direito médico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
GARRAFA, Volnei, DINIZ, Débora e GUILHEM, Dirce Bellez. Bioethical language and its dialects and idiolects. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15 (Sup. 1): 35-42, 1999.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
GUTIÉRREZ-PRIETO, Hernando. Bioethics and ecology: towards sustainable bioethics. Vniversitas, Bogotá, n. 117: 275-294, julio-diciembre de 2008.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho da eugenia liberal? São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016. v. 1.
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo: Paulus, 2013.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
KIPPER, Délio José; CLOTET, Joaquim. Princípios da Beneficência e Não-maleficência. In: COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira, OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.
KOTLER, Philip. Princípios de Marketing. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES, Paulo Antonio Carvalho. O Princípio da Autonomia e o Consentimento Livre e Esclarecido. In: COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira, OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volvei. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.
NEVES, Maria do Céu Patrão das. Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio. Revista Brasileira de Bioética, v. 2. n. 2. p. 157-172, 2006.
NILO, Alessandro Timbó; AGUIAR, Mônica. Responsabilidade civil dos médicos e contratos de tratamento. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 997 p. 105 – 134, nov. 2018.
OLIVEIRA, Henderson Fiirst de. A contribuição da bioética como fundamentação jurídica em questões de ortotanásia no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2018. 150 p (no prelo).
PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
POTTER, Van Rensselaer. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola, ٢٠١٦.
REQUIÃO, Maurício. Estatuto da pessoa com deficiência, incapacidade e interdição. Salvador: JusPodivm, 2016.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. A capacidade dos incapazes: saúde mental e uma releitura da Teoria das incapacidades no direito privado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana. In: SARLET, Ingo Wolfgang; LEITE, George Salomão (Org.). Diretos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008.
SILVA, Mônica Neves Aguiar da. O paradoxo entre a autonomia e a beneficência nas questões de saúde: quando o poder encontra a vulnerabilidade. Revista de Biodireito e Direitos dos Animais, Brasília. v. 2. n. 1. p. 70-85, jan./jun. 2016.
STANCIOLI, Brunello Souza. Relação jurídica médico-paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
VÍTOR, Paula Távora. A administração do património das pessoas com capacidade diminuída. Coimbra: Coimbra Editora, 2008.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico – investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2015.
1 Vale destacar que Potter ainda nos aponta outra importante diferença entre os seres humanos e as demais espécies, na medida em que “o ser humano é o único produto da evolução que sabe que evoluiu e que é capaz de tomar medidas que possam ajudar a garantir a sua sobrevivência, o que é o primeiro requisito para o progresso”, um progresso em seu conceito “científico-filosófico”, nas palavras do autor (POTTER, 2016. p. 69-70).
2 “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo” (grifo do autor) (WITTGENSTEIN, 2015, p. 114). Assim, Wittgenstein esclarece que tudo que nós pensamos como “realidade” é, na verdade, uma convenção de nomes e características, uma convenção que ela mesma é chamada de linguagem.
3 O cantor e compositor brasileiro Caetano Veloso, provavelmente deslumbrado pela leitura de Wittgenstein no Tratado Lógico-filosófico, escreveu que a “minha pátria é minha língua” e que “a língua é minha pátria” na letra da música Língua, última faixa do disco Velô – seu o décimo sexto álbum de estúdio, lançado em 1984.
4 Foi na década de 1930 que a jurisprudência abriu as portas para o “Direito Médico” moderno, ao atribuir a ideia de contrato e a obrigação de meio na avença estabelecida entre o paciente e seu médico (arrêt Mercier, de 20 de maio de 1936). No entanto, uma decisão do Tribunal Federal Suíço, de 10 de junho de 1892, já reconhecia a existência de uma relação contratual entre o paciente e o médico (louage de services). (PEREIRA, 2004, p. 28).
5 Teresa Ancona Lopez esclarece que “a discussão a respeito do enquadramento de tal responsabilidade dentro da culpa contratual ou extracontratual está hoje superada. A doutrina e a jurisprudência são francamente pela responsabilidade ex contractu do médico”. (LOPEZ, 2004, p.109).
6 “A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação” – trecho do juramento de Hipócrates, adotado pela Associação Médica Mundial, em 1983. World Medical Association, Declaration of Geneva [Physician’s Oath], reprinted in Encyclopedia of Bioethics 2646 (Warren Thomas Reich et al. eds., rev. ed. 1995).
7 Desde 10 de julho de 2013, o caput do art. 2º da Lei nº 12.842, diploma que dispõe sobre o exercício da Medicina (“Lei do Ato Médico”), já esclarece que “o objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”.
8 Em seu texto seminal para a Bioética, Potter faz a importante distinção entre as adaptações fisiológica, evolutiva e cultural, sendo que esta, em suas próprias palavras, ocorre tanto com os indivíduos quanto com as populações, envolve mudanças psicológicas e comportamentais - é a contrapartida psicológica da adaptação (POTTER, 2016, p. 49). Uma adaptação cultural desejável, portanto, seria a aceitação e utilização desta nova nomenclatura, aqui sugerida, da relação contratual estabelecida entre o paciente e seu médico. Pois, ainda com o autor, “há um processo de seleção natural das ideias na evolução cultural, assim como há uma seleção natural nas moléculas de DNA na evolução biológica” (grifou-se) (mesmo autor e obra, p. 127).
9 “A ciência da sobrevivência deve ser mais que ciência apenas; portanto, sugiro o termo bioética para enfatizar os dois ingredientes mais importantes na obtenção da nova sabedoria que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos” (grifou-se) (POTTER, 2016, p. 27).
10 Dentre outras características, a Bioética se configura em um conhecimento voltado para a ação, ou uma “ética aplicada”. Neste entendimento, Francesco Bellino esclarece que “o âmbito problemático da bioética não envolve só a responsabilidade dos médicos, dos cientistas, dos biotécnico, mas também as decisões e o destino de cada homem, as responsabilidades políticas e culturais da coletividade e por isso vai além do âmbito da deontologia pura profissional e da ética médica” (grifou-se) (BELLINO, 1993, p. 48).
11 Ou seja, neste universo estão presentes, dentre outros, a relação médico-paciente, o consentimento livre e esclarecido, o paternalismo, a eutanásia, o suicídio assistido, o aborto, além de questões relacionadas à justiça social. (DINIZ, 2002, p. 37).
12 “Ao sistematizar historicamente a consolidação da bioética, Gracía (2002) propôs a seguinte divisão temporal da disciplina: (a) a primeira, na década de 1970, denominada ‘microbioética’, é caracterizada pela ação pessoal na autogestão do corpo, sobretudo pela reivindicação dos direitos civis e dos pacientes; (b) a segunda, na década de 1980, denominada ‘mesobioética’, caracteriza-se pela ampliação das reivindicações sociais que levou à reflexão sobre a economia, distribuição de recursos, justiça sanitária, influenciando principalmente decisões institucionais; (c) e a terceira década, de 1990, denominada ‘macrobioética’ ou ‘ética global’, cujos aspectos como a globalização, proteção do meio ambiente e direito das futuras gerações ampliaram para sua gestão o horizonte dos direitos à vida, os quais já não são individuais nem sociais, porém globais e atemporais” (FFISCHER, 2017, p. 402).
13 Henderson Fiirst de Oliveira explica que aqui na América Latina dois modelos tiveram mais visibilidade: o primeiro deles é o da “Bioética Complexa”, formulada pelo professor José Roberto Goldim, “que é uma abordagem abrangente na resolução de problemas que envolvem a vida e o viver. Esse modelo explicativo amplia o leque de recursos hermenêuticos utilizando diferentes referenciais teóricos, princípios, direitos, virtudes e alteridade, de forma integradora, [sendo] uma proposta de abordagem em que a ética se insere na realidade, e não apenas a ela se aplica”. (p. 111 e 112). E o outro modelo brasileiro formulado nesse contexto “é o da Bioética da Intervenção, desenvolvida inicialmente pelo professor Volnei Garrafa. [...] [com] a maximização da autonomia em relação aos demais princípios prima facies. Ao formular a Bioética da Intervenção, Garrafa ocupa-se em preencher a lacuna do Principialismo e relacionar o discurso Bioético a questões sociais, econômicas, culturais e de saúde pública” (p. 113). Todos em (OLIVEIRA, 2018). por afetar efetivamente a autonomia de terceirosvisibilidade: reito e tambago da vida, erabilidade substantiva, em contraposi
14 É exatamente sobre esta inversão epistemológica que Ronald Dworkin constrói os argumentos centrais de uma de suas obras: Domínio da vida – aborto, eutanásia e liberdades individuais (2009. p. 38 e 39).
15 Este é o termo utilizado na Alemanha para se denominar a avença estabelecida entre o paciente e seu médico, trazido pela “Lei para a melhoria dos direitos dos pacientes” (Gesetz zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten), que entrou em vigor em fevereiro de 2013, modificando o Código Civil Alemão (BGB) ao tipificar os contratos de tratamento como única espécie diferenciada dentro dos contratos de prestação de serviços. Disponível em: http://www.bundesaerztekammer.de/fileadmin/user_upload/downloads/Patientenrechtegesetz_BGBl.pdf. Acesso em: 17 fev. 2018.
16 Aproximadamente 78% da população brasileira utiliza apenas os serviços do Sistema Único de Saúde, e este número vem crescendo em face da crise econômica que aplacou o país nos últimos três anos. Em 2015 eram 71%, de acordo com os dados do Ministério da Saúde em parceria com o IBGE. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/saude/2015/06/71-dos-brasileiros-tem-os-servicos-publicos-de-saude-como-referencia. Acesso em: 08 fev. 2018.
17 Apesar de que Beauchamp e Childress não admitem formalmente que existe uma ordem lexicográfica entre os princípios: todos eles seriam do mesmo nível prima facie, acreditamos que há uma aparente preferência entre os princípios, sugerida pela própria a ordem na qual aparecem na obra “Princípios de ética biomédica” (respeito à autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça) denotando uma hierarquia intrínseca não absoluta, colocando o princípio do respeito à autonomia em um primeiro plano. No entanto, esta percepção do escalonamento entre os princípios varia de acordo com o intérprete, FERRER e ALVAREZ, por exemplo, apoiados na doutrina de Diego Gracia que faz uma distinção entre os princípios de ordem pública (não-maleficência e justiça) e os princípios de ordem privada (autonomia e beneficência), propõem uma prevalência dos primeiros na seguinte ordem lexicográfica: não-maleficência, justiça, respeito à autonomia e beneficência (FERRER, 2005, p. 155).
18 Esta última aparente exceção ao princípio da autonomia do paciente é particularmente interessante, pois ela representa um compromisso necessário de proteção à autonomia dos outros, não infringindo, em si mesma, o valor independente da autonomia.
19 Tradução livre de “The autonomous person may fail to act autonomously in a specific situation if ill in a hospital, overwhelmed by new information, ignorant, manipulated by a clever presentation of data, and so on” (FADEN, 1986, p. 237).
20 Neste mesmo sentido está o art. 34 do CEM, ao esclarecer que é vedado ao médico “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”. Disponível em: http://cremers.irg.br/pdf/codigodeetica/codigo_etica.pdf. Acesso em 16 jan. 2019.
21 Art. 22 do Código de Ética Médica (Resolução CFM 1931/2009) esclarece que é vedado ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. Bem como, é vedado ao médico “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte” (art. 31). Disponível em: http://www.cremers.org.br/pdf/codigodeetica/código_etica.pdf. Acesso em 16 jan. 2019.
22 Art. 135-A do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940), incluído pela Lei nº 12.653/2012.
23 É preciso destacar que estes temas, complexos e polêmicos da “opção pela morte”, não cabem nas pretensões deste breve artigo, mas que subsistem sob o argumento dogmático da “sacralidade da vida”. Para um melhor estudo sobre o tema, aconselha-se a leitura da já mencionada obra de Ronald Dworkin: Domínio da vida – aborto, eutanásia e liberdades individuais (2009).
24 O outro argumento utilizado pelas pessoas contrárias ao aborto se baseia na ideia de preservação dos interesses do feto. No entanto, Dworkin esclarece que “é muito difícil conferir qualquer sentido à ideia de que um feto tem interesses próprios, sobretudo um interesse de não ser destruído, já a partir do momento de sua concepção” (p. 19). “Não tem sentido imaginar que alguma coisa tenha interesses próprios – não obstante ser importante o que lhe aconteça -, a menos que tenha, ou tenha tido, alguma forma de consciência: algum tipo de vida mental e de vida física” (p. 21). “Para quase todos – liberais e conservadores, grupos e indivíduos, católicos e feministas – a discussão sobre o aborto tem mais a ver com o segundo tipo [sacralidade da vida]. Trata-se de uma discussão sobre como e por que a vida humana tem valor intrínseco, e que implicações tem isso para as decisões pessoais e políticas sobre o aborto” (p. 33). Todos excertos de Dworkin, 2009.
25 Na medida em que o ordenamento brasileiro permite exceções para a realização do “aborto necessário” (art. 128 do Código Penal, na sua forma de aborto terapêutico ou decorrente de estupro), logo, não se tem como fundamentação o argumento de sacralidade da vida, pois se assim o fosse, estas excludentes não seriam permitidas.
26 Especificamente sobre o direito de morrer, Hans Jonas defende que “há que se conceder ao paciente perante o prolongamento de uma situação desesperadora por causa do emprego excessivo da arte médica. [...] o papel do médico pode transformar-se desde aquele de manter a vida ao de ajudante humano da morte” (grifou-se) (JONAS, 2013, p. 167).
27 “Nossa visão de mundo é um resultado não apenas de nosso conhecimento científico, mas também da consequência de outras formas de conhecimento. Religião, arte, mitos, literatura, poesia e outras experiências espirituais significam a existência de outros níveis de realidade, outras lógicas e narrativas além do escopo da consideração científica (...) transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional” (grifou-se). Tradução livre de “Our world vision is a result not only of our scientific knowledge but also the consequence of other forms of knowledge. Religion, art, myths, literature, poetry and other spiritual experiences signify the existence of other levels of reality, other logics and narratives beyond the scope of scientific consideration […] transdisciplinarity is multireferential and multidimensional” (GUTIÉRREZ-PRIETO, 2008, p. 292).
28 Tradução livre de “A transdisciplinary approach is a way to transcend the field of sciences by encouraging them to communicate and be reconciled with not only the humanities and the social sciences but also with other forms of knowledge. This is a transdisciplinary attitude that looks for integration and complementation” (GUTIÉRREZ-PRIETO, 2008, p. 293).
29 A autora nos endereça a Hans Jonas, em O Princípio Responsabilidade, obra de 1979, que “(...) chama também a atenção para a relevância da significação filosófica da vulnerabilidade que entende como caráter perecível de todo o existente: sendo o existente, todo o ser vivo perecível, isto é, finito, mortal, apresenta-se também como originário e irredutivelmente, vulnerável. [...] sendo a vulnerabilidade a condição universal do existente, a ação ética não incide apenas sobre o homem, não se restringe às relações interpessoais, mas estende-se a todos os viventes e seus habitats, num irrecusável alargamento da reflexão ética ao plano animal, vegetal e ambiental” (NEVES, 2006, p. 164).
30 O tema da necessidade de positivação dos contratos de tratamento no ordenamento jurídico brasileiro, com a criação/implementação de um microssistema jurídico específico e organizado para disciplinar a relação paciente-médico, é abordado de forma mais detalhada em NILO, Alessandro Timbó; AGUIAR, Mônica. Responsabilidade civil dos médicos e contratos de tratamento. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 997, p. 105 – 134, nov. de 2018, e abordar-se-á, de forma breve, no próximo ponto.
31 Esta noção de assimetria entre direitos e deveres, privilegiando estes, foi proposta por Maria do Céu Patrão Neves, em conferência intitulada Alteridade e Direitos fundamentais: uma abordagem ética, proferida no dia 25 de maio de 2017 na Universidade Católica do Salvador. Salvador, Bahia.
32 A noção de autonomia de um ramo jurídico deve ser sempre vista como uma autonomia relativa, pois um ramo jurídico não se constitui em algo desgarrado do resto do ordenamento. “Não pode existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010. p. 34.
33 A expressão “Direito Médico” foi utilizada pela primeira vez no Brasil por Genival Veloso de França, em 1975, quando da edição de livro homônimo, em uma obra que até hoje (em sua 13º edição) busca identificar uma matéria mais próxima efetivamente de uma “Legislação Médica”, que estuda “todas as normas jurídico-positivas atinentes à profissão médica”, do que um efetivo ramo autônomo do direito, que tente identificar normas específicas acerca da relação jurídica estabelecida entre o médico e o paciente no contrato de tratamento (atividade-fim da medicina) (FRANÇA, 2016, p. X).
34 Tratando sobre o conceito da relação jurídica, Orlando Gomes esclarece que se trata de um conceito nuclear da Teoria Geral do Direito Civil, de maneira que “o Direito deixou de ser tratado em função do sujeito, como era nos Códigos Latinos, para girar em torno do conceito de relação jurídica, e de suas vicissitudes (...)” (grifou-se) (GOMES, 2010, p. 73).
35 A relação paciente-médico, no ordenamento jurídico brasileiro, vive “no limbo” proporcionado por uma lacuna normativa. Os valores e princípios bioéticos, que se sedimentaram entre nós desde a década de 1990, exigem há muito um preenchimento normativo adequado para a relação paciente-médico. Enquanto tal preenchimento normativo não ocorre, doutrina e judiciário, em claro paralogismo, contentam-se apenas com o aparente fornecimento de ferramentas processuais para que o paciente, em juízo, em tese, tenha melhores condições de ter reparado eventual erro médico. (AgRg no AREsp 626816/SP. 2014/0303446-5 de 10/06/2016; AgRg no AREsp 844197/SP. 2016/0012068-8 de 13/06/2016; AgRg no AREsp 499193/RS. 2014/0079489-6 de 10/02/2015). Mas esta consumerização jurídica da relação em nada contribui para a efetiva prevenção de litígios, nem apresenta de forma minimamente adequada os direitos e deveres das partes no contrato de tratamento.
36 Enquadrar o médico como um “agente econômico” é um erro primário, que evidencia um desconhecimento teleológico básico da atividade médica. Agente econômico é pautado pelo oportunismo e pelo egoísmo, não lhe sendo justo exigir altruísmo, beneficência, ou outros valores muito dissociados da finalidade empreendedora.
37 Assim, concorda-se com Mauricio Requião quando o mesmo assevera que “a liberdade e, por conseguinte, a autonomia, para se realizarem dentro de um Estado que se pretenda solidário e fundado na dignidade da pessoa humana, depende da construção de mecanismos pelos quais se possa municiar os excluídos com meios para superar a desigualdade a fim de que, assim, possam se impor como agentes livres” (REQUIÃO, 2016, p. 196).
38 Defende-se aqui a criação de um “novo” microssistema jurídico que forneça as ferramentas necessárias para as partes envolvidas, bem como para os operadores do Direito, quando presente a relação paciente-médico. Caminho já apontado por KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 326.
39 Lei nº 13.146/2015 que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
40 A qual trouxe de forma inovadora o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o princípio da liberdade (art. 5º, caput); e o princípio da informação (art. 5º, XIV), dentre outros.
41 Art. 15 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002): “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
42 Como refere o Projeto de Lei que tipificou os contratos de tratamento no Código Civil Alemão, “uma lei de responsabilidade equilibrada também neutraliza o perigo da medicina defensiva” (Ein ausgewogenes Haftungsrecht wirkt zudem der Gefahr einer Defensivmedizin entgegen). Projeto de Lei “Entwurf eines Gesetzes zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten”, disponível em: <http://dip21.bundestag.de/dip21/btd/17/104/1710488.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2018. p. 09.
43 Em seu preâmbulo, o CEM evidencia que sua disciplina é muito mais voltada para os deveres, e não para os direitos, dos médicos: “VI - Este Código de Ética Médica é composto de 25 princípios fundamentais do exercício da Medicina, 10 normas diceológicas, 118 normas deontológicas e quatro disposições gerais” (grifou-se). Disponível em: http://www.cremers.org.br/pdf/codigodeetica/codigo_etica.pdf. Acesso em 16 jan 2016.
44 O CEM esclarece que “É vedado ao médico: Art. 111. Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade. Art. 112. Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico. (...) Art. 116. Participar de anúncios de empresas comerciais qualquer que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão”.
45 Philip Kotler, economista estadunidense considerado o pai do Marketing, esclarece que “o mix de marketing consiste em todas as ações da empresa com a intenção de influenciar a demanda de seu produto. As várias possibilidades podem ser reunidas em quatro grupos de variáveis, conhecidos como os “quatro Ps”: produto, preço, praça e promoção” (KOTLER, 1999, p. 31). Dentro do pilar promoção, o referido autor esclarece que se encontram a propaganda e a promoção de vendas, ferramentas de marketing de massa expressamente vedadas pelo CEM, e que todo e qualquer comerciante se utiliza para viabilizar a sua empreitada empresarial em busca do lucro. Não se pode conceber que um médico seja um prestador de serviços como outro qualquer sem que se possa utilizar das ferramentas básicas de marketing. Este ponto reforça a peculiaridade de sua atividade sui generis.
46 BGB é a sigla do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão), que tipificou os contratos de tratamentos entre os arts. 630a a 630h. Disponível em: http://www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/bgb/gesamt.pdf. Acesso em: 9 jul. 2018.
47 Tradução livre de Gesetz zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten, que entrou em vigor em fevereiro de 2013, modificando o Código Civil Alemão ao tipificar os contratos de tratamento. Disponível em:http://www.bundesaerztekammer.de/fileadmin/user_upload/downloads/Patientenrechtegesetz_BGBl.pdf
48 Tradução livre de Entwurf eines Gesetzes zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten, disponível desde 15/08/2012 em: http://dip21.bundestag.de/dip21/btd/17/104/1710488.pdf. Acesso em: 9 jul. 2018.
49 Os alemães identificaram que os pacientes sofrem de inúmeros males específicos em sua condição, como “o não cumprimento de seus desejos pessoais em seus tratamentos; a demora no processo de aprovação de serviços pela seguradora de saúde; a recusa no acesso à sua documentação médica ou prontuário; e, em adição, com o próprio erro médico no tratamento”. Tradução livre de “Im Behandlungsalltag erleben Patientinnen und Patienten jedoch auch immer wieder Defizite. Dies reicht beispielsweise von einer Nichtbeachtung persönlicher Behandlungswünsche, zeitraubenden Bewilligungsverfahren für Leistungen durch die Krankenkassen, der Versagung des Einblicks in die ärztliche Dokumentation bis hin zu Fehlern in der Behandlung”. Projeto de Lei “Entwurf eines Gesetzes zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten”, disponível em: http://dip21.bundestag.de/dip21/btd/17/104/1710488.pdf. Acesso em: 9 jul. 2018. p. 09.
50 Neste processo, os atores se remetem a pretensões de validade criticáveis quanto à sua veracidade, correção normativa e autenticidade, cada uma destas pretensões referindo-se respectivamente a um mundo objetivo dos fatos; a um mundo social das normas; e a um mundo das experiências subjetivas.
51 “Indo além da norma natural, ou pelo menos prescindindo dela, encontra-se, por exemplo, a cirurgia estética com fins de embelezamento ou de esconder as marcas da idade. Necessidades outras que não a saúde são aqui atendidas”. (JONAS, 2013. p. 159).
52 As ilustres críticas acerca da nomenclatura aqui proposta já são muito bem-recebidas a título de honrosa retribuição colaborativa, afinal, “se, em virtude da crítica recíproca, me for possível retificar quaisquer erros meus que ainda me tiverem escapado, a correção, em vez de ser evitada como uma punição, será recebida como uma recompensa”. (BENTHAM, 2008, p. 18).
APARELHAMENTO DA CORTE? UMA ANÁLISE ATITUDINAL DA RELAÇÃO ENTRE INDICAÇÃO PARTIDÁRIA E COMPORTAMENTO DECISÓRIO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
A RIGGING COURT? AN ATTITUDINAL ANALYSIS OF THE RELATIONSHIP BETWEEN PARTY INDICATION AND DECISION BEHAVIOR IN THE BRAZILIAN SUPREME COURT (STF)
Flávia Danielle Santiago LimaI
José Mario Wanderley Gomes NetoII
I Universidade de Pernambuco (UPE) e Faculdade Damas da Instrução Cristã (FADIC) Recife, PE, Brasil. Doutora em Direito. E-mail: flavia-santiago@uol.com.br
II Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil e Centro Universitário (CESMAC), Maceió, AL, Brasil. Doutor em Ciência Política. E-mail: josemwgomes@gmail.com
E-ISSN: 2178-2466
DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i35.3096
Recebido em: 29.04.2019
Aceito em: 13.08.2019
Sumário: 1 Introdução. 2 Entendendo o suposto “aparelhamento político” judicial: aproximações ao modelo formal atitudinal. 3 Estratégia empírica: verificando a identidade de preferências entre os partidos políticos e votos proferidos em sede de ADI. Conclusões. Referências.
Resumo: Há identidade de preferências entre os Ministros do STF e os partidos políticos responsáveis por sua indicação? Seriam estes indícios de um suposto “aparelhamento político” da Corte? O papel dos poderes majoritários na seleção dos ministros sugere que, caracterizada a afinidade entre autoridade nomeante e indicado, haveria uma influência na futura atividade julgadora, na viabilização de um alinhamento do STF às preferências do Presidente da República. Para responder a estas perguntas de pesquisa e testar esta hipótese, propõe-se o resgate dos modelos explicativos do comportamento judicial, notadamente o modelo atitudinal, de modo a verificar se as preferências políticas (ideológicas) do partido nomeante contaminam o ambiente decisório judicial em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Para tanto, foi realizada uma análise descritiva, posteriormente sucedida por inferências qualitativas, de modo a verificar se as posições dos Ministros nos votos refletem as preferências do partido requerente, de modo a testar se existe uma identidade contínua de opções a justificar a sugestão de um “aparelhamento político” judicial.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. indicação de Ministros. Controle de constitucionalidade. Análise empírica. Modelo atitudinal
Abstract: Are there preferences identity between the STF’s Justices and the political parties responsible for their appointment? Are these indications of a supposed “political rigging” of the Court? The role of the majority powers in the selection of justices suggests that characterized by the preference affinity between nominating authority and justice, there would be an influence on future judging activity, enabling the alignment of the Supreme Court with the preferences of the President of the Republic. In order to answer these research questions and test this hypothesis, it is proposed to rescue the explanatory models of judicial behavior, notably the attitudinal model, to verify if the political (ideological) preferences of the nominating party contaminate the judicial decision-making environment. Thus, a descriptive analysis was carried out, subsequently succeeded by qualitative inferences, in order to verify whether the positions of the justices in their votes reflect the preferences of the political parties, testing if there is a continuous identity of options justifying the idea of a judicial “political rigging”.
Keywords: Brazilian Supreme Court. Justices appointment. Judicial review. Empirical analysis. Attitudinal model.
“Seriam simplesmente políticos togados?”
(POSNER, 2008, p. 8).
A discussão em torno da judicialização da política intensificou-se nas últimas décadas no Brasil, a partir de perspectivas analíticas distintas (v. g. CARVALHO, 2010; KOERNER, 2013), convergentes num diagnóstico: a ascensão dos tribunais como atores importantes no jogo político.
O Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula judicial, trata de algumas das mais importantes causas da vida pública, com expressivo potencial de impacto na atuação dos agentes políticos. Neste ambiente, as atenções voltam-se à composição do tribunal e, sobretudo, aos processos de escolha de seus membros, cujo cargo é vitalício, com aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade.
A Constituição Federal (CRFB) reproduz uma regra histórica, ao estabelecer que o tribunal deve ser composto de “onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. De acordo com o art. 101, parágrafo único c/c art. 84, XIV da CRFB e normas do Regimento Interno do Senado Federal (art. 101, I, ‘i; art. 288, II, “d”), o processo é iniciado pela (a) indicação presidencial, seguido por uma (b) sabatina (sessão pública e televisionada) do escolhido pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado; (c) votação pelo Plenário do Senado, com exigência de maioria absoluta para aprovação; (d) caso aprovado (o que requer o voto de, pelo menos, 41 dos 81 senadores), a nomeação dá-se por decreto presidencial, sendo finalizada pela (e) posse perante o Plenário do STF. Trata-se de um processo complexo, que deve(ria) representar um mecanismo de participação dos poderes executivo e legislativo na composição do tribunal, típica do sistema de freios e contrapesos.
O papel dos poderes majoritários na seleção dos Ministros, em especial a indicação pelo Presidente da República e a esperada anuência por parte do Senado Federal, seria capaz de sugerir que, caracterizada a afinidade entre autoridade nomeante e indicado, haveria uma influência na futura atividade julgadora.
Durante o período em que o Partidos dos Trabalhadores ocupou a Presidência da República (2003-2014) este teve a oportunidade de indicar e prover sucessivamente 13 (treze) diferentes Ministros, formando uma duradoura maioria que supostamente refletiria as preferências da legenda partidária indicante, a sugerir uma condição institucional de proximidade entre quem pede e quem julga, no ambiente da revisão judicial exercida pela corte1.
Em paralelo ao fortalecimento do STF, as mais recentes nomeações foram acompanhadas de intenso debate em torno do possível alinhamento entre as posições do Chefe do Executivo e do futuro Ministro. A questão das indicações ao STF chegou ao debate nas últimas eleições presidenciais, na promessa de se estabelecer uma nova maioria alinhada à nova agenda política2.
Estabelecida a discussão na arena pública, questiona-se: existe uma suposta identidade de preferências entre julgados dos Ministros do STF e os interesses dos partidos políticos responsáveis por sua indicação? Seriam estas indícios de um suposto “aparelhamento político” da Corte? Para responder a estas perguntas de pesquisa, propõe-se o resgate dos modelos explicativos do comportamento judicial fornecidos pela Judicial Politics, em que preponderam as abordagens que compreendem diversos aspectos da atuação judicial (legais, estratégicos, ideológicos), amparadas em estudos empíricos (WHITTINGTON et al, 2008, p. 19-20).
Dentre as perspectivas, destaca-se o modelo atitudinal, cuja premissa básica é a noção de que os juízes baseiam suas decisões no “mérito dos fatos” do caso apreciado e em suas preferências políticas individuais (SEGAL; SPAETH, 2004, p. 86ss). Por atingir os melhores resultados quanto à previsibilidade das decisões, a partir da definição e classificação das preferências, este modelo possui, nos Estados Unidos, o status de melhor explicação para as decisões da Suprema Corte (SEGAL; SPAETH, 2004, p. 351) e do Judiciário Federal (SUNSTEIN et al., 2006, p. 129ss). A influência dos aspectos individuais é presente entre os agentes políticos norte-americanos, que dedicam grande atenção às preferências políticas no momento da indicação, escrutinadas na “sabatina” perante o Senado (EPSTEIN; SEGAL, 2005, p. 65ss).
Já no Brasil, os interesses das autoridades nomeantes não parecem claros. Para Arguelhes e Ribeiro (2012), além da influência esperada sobre votos em decisões futuras do tribunal (fim interno), pode-se cogitar outros fins, como a utilização como moeda de troca para apoio político (barganha) ou agradar o eleitorado, marcando-se posição política (v.g., os casos de Ellen Gracie Northfleet, por Fernando Henrique Cardoso, e Joaquim Barbosa, por Luís Inácio Lula da Silva). Ter-se-ia uma “lógica de promoção ou difusão de uma determinada imagem, pelo Presidente, ao atender a demandas por representação de grupos tão grandes e difusos, como negros e mulheres” (ROCHA, 2010, p. 153).
Por isso, o Presidente da República teria, em tese, interesse em aumentar suas chances de indicação e, com vistas a prolongar essa influência frente ao tribunal, nomear ministros jovens, para que exerçam um longo mandato (TÜRNER; PRADO, 2009). Outros pesquisadores, contudo, não vislumbram, no processo de indicação, a pretensão de escolha de ministros que espelhem suas preferências no exercício de sua jurisdição no tribunal (LEONI; RAMOS, 2006, p. 18).
Estabelecido o debate, este trabalho se dedica a explorar e descrever o comportamento dos Ministros do STF, através do conhecimento dos resultados de seus votos em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI´s) propostas por partidos políticos, de modo a testar qualitativamente se as preferências partidárias influenciam de forma absoluta nos julgamentos, ao ponto de justificar a propagada ideia de um “aparelhamento político” do tribunal.
2 Entendendo o suposto “aparelhamento político” judicial: aproximações ao modelo formal atitudinal
Falar-se em um ambiente de “aparelhamento” do Estado significa a referência a uma circunstância institucional em que uma parcela majoritária, muitas vezes até preponderante, das funções públicas de uma instituição (seja executivo, legislativo ou judiciário), responsável pela tomada de importantes decisões políticas, é ocupada por pessoas direta ou indiretamente comprometidas com os interesses (preferências) do partido político (ou coalizão) que exerceu a indicação.
“Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político - uma camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes - impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando” (FAORO, 1975, p. 737 – destaque nosso).
No ambiente dos poderes majoritários, a indicação de agentes de perfis eminentemente políticos para assumir funções públicas é contemplada expressamente na Constituição Brasileira (art. 37, V), mas limitada àqueles de direção, gerência e assessoramento de livre nomeação, bem como altas funções gratificadas privativas de servidores públicos, em virtude do princípio do concurso público. Nestas situações, pressupõe-se uma “relação de fidúcia entre nomeante e nomeado”, “em virtude da natureza da atividade a ser desempenhada”, como reconheceu o STF em sede de Recurso Extraordinário (RE) 1041210, com repercussão geral.
Sugere-se que este tipo de provimento se dá a partir de redes formais e informais de influência recíproca, com a finalidade que as preferências partidárias sejam reproduzidas nas preferências individuais e coletivas inerentes aos processos decisórios institucionais. Neste caso, as autoridades nomeantes dispõem de um relevante instrumento de controle: a possibilidade de exoneração ou dispensa ad nutum (imotivada), a qualquer momento, amparada em seu juízo discricionário.
Embora elemento do sistema, a utilização do termo “aparelhamento político” ainda pressupõe, em si, uma conotação pejorativa: os agentes políticos não seriam escolhidos para ocupar as funções decisórias estratégicas da Administração Pública apenas pelo seu alinhamento com preferências políticas (quiçá programáticas) da legenda partidária indicante – a serem refletidas no conteúdo das decisões futuras – mas também porque supostamente assumiriam as aludidas preferências políticas partidárias acima de princípios fundamentais de direito público e do bem comum, com flagrantes práticas de recorte patrimonialista e paternalista.
“Assim, uma vez que a democracia depende, formalmente, da escolha periódica dos governantes e da alternância no poder e, materialmente, da observância de seus ínsitos valores, essa modalidade de corrupção montada por partido político para se perpetuar no poder, custeando alianças espúrias, eliminando a oposição, propagando inverdades para desqualificar adversários, comprando consciências e, em suma, montando um aparelhamento político-partidário dos órgãos de governo, se constitui, verdadeiramente, como a mais insidiosa e perigosa de todas as modalidades de corrupção que podem ser consideradas“ (MOREIRA NETO, 2016, p. 489 – destaque nosso).
Dois elementos caracterizam esta situação: 1) uma aparente escolha entre pessoas cujas características refletem as preferências dos partidos políticos; e 2) o exercício efetivo dessas preferências nas tomadas de decisões inerentes ao cargo público ocupado.
Mas será que este “aparelhamento político”, próprio de ambientes do poder executivo ou do poder legislativo, é também reproduzido no processo de escolha para a indicação política de pessoas para ocupar cargos nos Tribunais Superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal?
Quanto ao primeiro elemento, como se viu na introdução, as explicações para a indicação dos Ministros variam, certamente porque decisões como essa “resultam de um complexo jogo de interações entre as estratégias dos diversos grupos de atores políticos interessados”. Para Rocha (2010, p. 150), essa diversidade de interesses (e pressões) é decorrência do “Presidencialismo de Coalizão”, sendo “difícil crer que, em algum momento, pudesse prevalecer apenas a vontade pessoal do ocupante do Executivo federal”, com repercussões nas expectativas quanto à futura atuação. Almeida (2015, p. 5); por sua vez, explora o tempo entre indicação presidencial e nomeação, sugerindo que a análise deste período pode representar “eventuais necessidades de negociação e composição políticas entre Executivo e Legislativo em torno das indicações”.
Importante registrar, ainda, que os estudos que analisam as trajetórias profissionais e perfis dos indicados ao STF salientam que - salvo reconhecidas exceções, v. g. Nelson Jobim e Maurício Correia - “o perfil propriamente político” é raro entre os Ministros. Aliás, o perfil político-partidário seria concentrado em mandatos presidenciais específicos (José Sarney e Fernando Henrique Cardoso) e quase inexistente nas nomeações dos governos Collor e Lula em seu primeiro mandato3, de sorte que o suposto alinhamento ainda dependeria da análise de outros fatores.
Por isso, a resolução do segundo aspecto – e da pergunta de pesquisa - perpassa a construção e a aplicação de um modelo formal explicativo atitudinal, por sua natureza capaz de testar a presença, ou não, de identidade entre as preferências (ideológicas ou não) do partido que exerceu a indicação e as preferências dos Ministros, quando do julgamento dos processos, com destaque para a revisão judicial concentrada.
“Seriam apenas políticos togados?”, indaga Posner (2008) sobre um cenário distópico imaginário de reprodução imediata, simétrica e absoluta de preferências político-partidárias pelos órgãos judiciais, no qual estaria ausente a independência decisória necessária ao regular funcionamento do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), instituição essencial ao equilíbrio democrático das poliarquias contemporâneas.
Em tom provocativo, introduz os modelos atitudinais de pesquisa, explicando não se tratar da crença (ou defesa) na (da) exclusão de fatores jurídicos decisórios e na (da) atuação política dos magistrados, mas, em sentido contrário, da investigação empírica, ora qualitativa, ora quantitativa, quanto à possibilidade de fatores estritamente políticos (v.g., ideologia) influenciarem nas resoluções de conflitos, em detrimento ou em conjunto a fatores jurídicos (POSNER, 2008).
Um produto derivado das ideias do movimento behaviorista, a perspectiva atitudinal do comportamento judicial foca na importância das opções individuais e sugere que o direcionamento decisório está sob influência, até um certo grau, dos valores pessoais do julgador, expressos em suas preferências (principalmente políticas), moldadas a partir de experiências pretéritas e contextos sociais (BRACE; HALL, 1993). Destarte, as decisões tomadas no presente seriam frutos diretos das preferências construídas ao longo da trajetória de vida do julgador, em maior grau que qualquer outro fator explicativo, seja jurídico ou institucional.
“A lógica do modelo atitudinal é que os objetivos primários dos juízes seriam objetivos políticos. Ele sustenta que as decisões judiciais são uma função dos fatos dos casos e das atitudes dos juízes. Porque um juiz terá crenças de natureza política a partir dos estímulos de sua sala de audiências, este modelo implica que as decisões judiciais podem ser preditas a partir das atitudes políticas dos juízes e de seus atributos pessoais. A lógica do modelo é que os juízes escolhem as alternativas que são mais próximas aos resultados que refletem suas preferências políticas” (HARRIS, 2008, p. 20).
O modelo atitudinal parte do princípio de que as decisões judiciais podem ser explicadas a partir das preferências políticas (atitudes) que os julgadores trazem para análise dos conflitos, inferindo tais opções através de variáveis indiretas, por exemplo, representativas de sua trajetória profissional, de sua história pessoal, de sua formação universitária ou de eventual militância política anterior (GOMES NETO, 2012).
Assim, na construção de um modelo atitudinal, portanto, o pesquisador do comportamento judicial buscaria testar, mediante evidências empíricas a concepção de que as preferências políticas pessoais de cada juiz influenciariam (predominantemente) nos resultados decisórios dos casos submetidos, limitadas pelas características (estímulos) peculiares de cada litígio (SEGAL; CHAMPLIN, 2017). As predileções de cada juiz refletem-se nos resultados e nos fundamentos de cada julgamento, pois num modelo atitudinal puro, os juízes apenas desejariam produzir “boas” políticas públicas, pelo que escolheriam entre alternativas, com base em méritos de cada política pública que melhor representa suas escolhas (BAUM, 2009).
Para estas hipóteses, os relacionamentos entre as ideias de afinidade partidária e do processo decisório judicial não significam necessariamente que, em todos os casos, os juízes conscientemente decidem (contra ou a favor) considerando interesses político-partidários: ao apreciar os casos, os juízes seriam influenciados por seus valores pessoais e tais valores frequentemente coincidiriam com suas afinidades partidárias, notadamente em relação às preferências buscadas nos perfis dos candidatos à vaga no tribunal, no respectivo processo de nomeação (NAGEL, 1962).
Neste sentido, os modelos atitudinais teriam por escopo explicar a presença de orientação política nas decisões a partir das preferências inatas de cada juiz (CLAYTON, 1999), v.g., considerando que os juízes decidem os casos à luz de seus sinceros valores ideológicos justapostos aos estímulos fáticos de cada caso (SEGAL, 2008, p.24). Estes modelos, muitas vezes, costumam entender as atitudes judiciais como opções políticas quantificáveis que podem ser categorizadas e arranjadas matematicamente ao longo de uma escala convencional, por exemplo, entre “liberais” ou “conservadores”, ou entre “direita” ou “esquerda” (GILLMAN, 2001).
No cenário estadunidense, Pinello (1999) realizou uma meta-análise de 140 publicações, todas baseadas em pesquisas empíricas sobre decisões judiciais baseadas em modelos atitudinais, cumulando e sintetizando achados sobre a suposta interseção entre a afinidade partidária e a performance judicial, através da qual encontrou resultados que confirmaram, em relação aos tribunais norte-americanos, o senso comum de que o partido político seria uma efetiva variável explicativa para a ideologia contida nas preferências judiciais. Tal conclusão é consistente com as características de um sistema político bipartidário, no qual os juízes são predominantemente eleitos mediante voto popular.
“O teste empírico do modelo atitudinal requer a operacionalização de sua variável explicativa fundamental, qual seja, a atitude (predisposição) política dos juízes. Essa operacionalização ocorre por meio da classificação da ideologia pessoal do juiz como conservadora ou liberal. A explicação do comportamento judicial através do modelo atitudinal requer, portanto, a mensuração da ideologia dos juízes” (RIBEIRO; ARGUELHES, 2013, p. 97).
Nesta difícil tarefa de mensurar a presença de atitudes judiciais, isto é, as preferências políticas adquiridas por cada julgador ao longo de sua trajetória, bem como a suposta influência destas íntimas preferências nos resultados dos julgamento, seja individualmente ou seja como fração de uma decisão colegiada, um dos caminhos disponíveis, adotado neste artigo, é a verificação (testável) da existência de identidade de preferências (NAGEL, 1962; SUNSTEIN et al., 2006) entre o partido político indicante (em um diálogo envolvendo Presidência da República e Senado Federal, mediante procedimento institucional constitucionalmente previsto) e o órgão julgador indicado - o Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Importante registrar que, no Brasil, alguns estudos utilizaram com êxito o modelo atitudinal para explicar situações decisórias específicas no âmbito do STF.
Oliveira (2012), utilizando a composição do STF como proxy atitudinal (em sete períodos históricos, ocorridos entre 1999 e 2006), verificou a existência de uma associação entre a variação sucessiva na composição do tribunal (entendida como a distribuição percentual de seus membros quanto à origem nas carreiras jurídicas – advogado, ministério público ou juiz de carreira) e a variação no resultado dos julgamentos em cada período testado.
Por sua vez, Gomes Neto e outros (2017), utilizando um modelo atitudinal, através de análise estatística por regressão logística, encontraram uma associação positiva entre a trajetória profissional anterior do Ministro Relator e a opção silenciosa por não incluir parte das ações diretas de inconstitucionalidade sob seus cuidados em pauta de julgamento, mantendo-as contínua e indefinidamente paradas, aguardando julgamento.
Em contrapartida, Ribeiro e Arguelhes (2013, p. 113), também com vistas ao cenário brasileiro, consideram esta concepção atitudinal, voltada à identidade de preferências políticas entre partidos indicantes e julgadores e à sua influência no comportamento judicial, uma “leitura bastante restritiva das variáveis capazes de influenciar a motivação judicial”, excluindo propositadamente fatores estritamente legais e/ou fatores estratégicos, que produz “uma controvertida tomada de posição, do modelo atitudinal, com relação às maneiras pelas quais instituições influenciam o comportamento judicial”.
Neste diapasão, uma confirmação empírica de um aparente e suposto “aparelhamento político” do STF, a partir dos perfis escolhidos nas nomeações dos Ministros e de sua correspondência nas escolhas decisórias dos conflitos constitucionais submetidos à resolução do tribunal, confirmaria, ao mesmo tempo, o modelo atitudinal puro (e suas hipóteses) como instrumento explicativo do comportamento jurisdicional brasileiro. Em sentido oposto, a negativa do “aparelhamento político”, bem como da hipótese atitudinal a ele inerente, reforçaria a tese de Ribeiro e Arguelhes (2013), quanto à necessidade de construção de modelos próprios de explicação do comportamento do tribunal, que também trabalhem variáveis específicas legais e estratégicas, em confronto com a mera “importação acrítica” do modelo atitudinal pelos pesquisadores brasileiros.
Se positiva a resposta para questão acima fixada, os resultados dos votos dos Ministros do STF refletiriam, em caráter absoluto, o partido político que os indicou, em indícios alinhamento do órgão judicial supremo, incentivando, por exemplo, a indicação de jovens ministros, com histórico de militância ou de funções politicamente relevantes na esfera pública, que exercerão jurisdição constitucional por décadas até seus 75 anos de idade.
Para tal fim, propõe-se um teste empírico a partir de variáveis capazes de indicar se existe tal predisposição política, caracterizadora de uma substancial identidade entre as preferências dos atores políticos responsáveis por iniciar a revisão judicial concentrada e as decisões judiciais, in casu, os resultados expressos em cada julgamento que o Ministro indicado por aquele partido político participou.
3 Estratégia empírica: verificando a identidade de preferências entre os partidos políticos e votos proferidos em sede de ADI
A participação do STF na vida política é atribuída ao seu papel de “guardião da Constituição” (art. 102 da CRFB) que lhe converte num tribunal responsável pela revisão das leis a partir da constituição (judicial review), conciliando o exercício do complexo controle abstrato com a revisão judicial no controle difuso. Ademais, compete ao tribunal o julgamento das altas autoridades da República, o que permite à literatura traçar perfis distintos de atuação (FALCÃO et al., 2011, p. 16).
Deste amplo universo de atribuições, como salienta Ernani Carvalho (2010, p. 196), do “ponto de vista político”, o controle concentrado apresenta como vantagens “a ausência de custo político para quem propõe, a possibilidade de veto de uma proposta do Executivo ou da maioria legislativa”, além de maior visibilidade, diante da abrangência erga omnes do julgamento”. No plano jurídico, “a ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautela” convertem-se em fatores que justificam a busca pelos instrumentos deste controle.
Referido trâmite processual também está no cerne da disputa política, considerada a ampla legitimidade ativa das agremiações partidárias para a propositura das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI´s), com as vantagens acima aduzidas. Portanto, a questão político-partidária, ponto fulcral das discussões em torno do “aparelhamento”, também é inconteste neste instituto, sem prejuízo de abordagens futuras4.
Assim, partindo da premissa de que os partidos políticos utilizam-se das ações de controle concentrado de constitucionalidade, especialmente das ADI´s como estratégia de realização de suas preferências, derrotadas na esfera legislativa em momento anterior (TAYLOR; DA ROS, 2008), esta pesquisa apreciou individualmente os votos proferidos, no período compreendido na série temporal entre 2002 e 2017, por cada um dos Ministros do STF indicados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas ADI´s propostas respectivamente pelo partido dos trabalhadores (PT) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), estas últimas utilizadas aqui como grupo de controle. A escolha destas legendas justifica-se pela polarização do debate eleitoral nos pleitos a partir de 1994, em que se alternaram na condução das coligações vencedoras, com exceção das eleições presidenciais de 2018.
Tal análise foi procedida de modo a verificar, em caráter descritivo, posteriormente sucedido por inferências qualitativas, se as opções julgadoras em cada um dos votos refletem as preferências do partido requerente (especialmente o partido nomeante), de modo a testar se existe uma identidade contínua de preferências, cerne do argumento em torno de alinhamento judicial.
Desse modo, foram construídas duas hipóteses: H1. Os Ministros indicados pelo PT tenderiam julgar procedentes as ADI´s propostas pelo PT (identidade de preferências); H2. Os Ministros indicados pelo PT tenderiam a decisões contrárias aos interesses expostos nas ações propostas pelo PSDB (choque de preferências), em virtude de divergências ideológicas.
Coletados os dados acerca dos votos, proferidos individualmente pelos Ministros do STF indicados pelo PT nas ADI´s julgadas no período apontado, foram categorizados os resultados favoráveis e desfavoráveis às preferências dos partidos requerentes, obtendo-se os seguintes resultados empíricos.
Vislumbra-se, in casu, no ambiente restrito da revisão judicial concentrada e naqueles processos onde houve julgamento colegiado (acórdão), que há um relativo equilíbrio entre as decisões individuais (votos) dos Ministros que refletem as preferências do partido indicante (PT) e aquelas contrárias às suas preferências, reforçando (no universo restrito das ADI´s) a percepção institucional quanto a um grau elevado de independência judicial frente às influências ideológicas (político-partidárias) sobre o resultado do julgamento, bem como quanto à influência da colegialidade sobre as preferências individuais.
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Tal constatação é confirmada pelo grupo de controle: no julgamento colegiado das ADI´s propostas pelo PSDB (em tese, ideologicamente contraposto ao programa do outro partido, de vertente representativa laboral), os Ministros do STF indicados pelo PT não apresentaram, de modo geral, alteração substantiva em seu comportamento, mantendo um padrão decisório bastante semelhante ao quadro anterior, independentemente da ideologia do requerente.
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados colhidos no sítio eletrônico do STF.
Os resultados da apreciação descritiva dos dados mostram uma confirmação parcial das hipóteses (atitudinais) formuladas em relação aos Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa, em relações aos quais predominavam (no estrito ambiente das ADI´s) decisões individuais (votos) favoráveis ao PT e contrárias às demandas do PSDB. Vê, especificamente em relação aos votos destes dois Ministros, uma associação qualitativa entre a presença de variáveis atitudinais (identidade ou choque nas preferências ideológicas) e a variação no comportamento decisório judicial no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade.
No que pertine aos demais Ministros indicados pelo PT, as hipóteses foram, a princípio, rejeitadas, excluindo-se assim o potencial explicativo do modelo atitudinal, pois, nas situações de identidade ou de choque nas preferências ideológicas, não se constata variação significativa no comportamento decisório judicial. Deste modo, não estaria justificada a proposta de associação qualitativa entre as variáveis extraídas do modelo atitudinal e os resultados dos votos apresentados pelos membros do órgão judiciário supremo, o que permite afastar concretamente um suposto “aparelhamento ideológico” do STF, viabilizado pelo procedimento de investidura dos Ministros previsto na Constituição Federal.
Conclusões
O procedimento institucional para a escolha dos Ministros integrantes do STF é fortemente permeável às pressões políticas e sujeito a uma vasta gama de questionamentos sobre os impactos deste modo de escolha na independência judicial e no regular funcionamento da jurisdição constitucional.
Muitas críticas partem do pressuposto de que o Presidente da República teria, em tese, interesse em aumentar suas chances de indicação de Ministros e em escolher pessoas com identidade de pensamento e lealdade a seus interesses, de forma a maximizar seu grau de influência frente ao tribunal, construindo maiorias judiciárias, à imagem e semelhança das maiorias legislativas, que viessem a decidir a favor das preferências ideológicas do respectivo partido político ou coalizão de governo.
Entretanto, não se vislumbra na verificação empírica do comportamento dos Ministros o aparente “aparelhamento político” do tribunal: os resultados de seus votos variam independentemente das preferências ideológicas do partido que propôs a ação direta de inconstitucionalidade, corresponda este ao que indicou o Ministro ou a outro partido de preferências ideológicas opostas.
De modo geral, a apreciação individual dos votos proferidos (na série temporal compreendida entre 2002 e 2017) pelos Ministros indicados pelo PT mostra um relativo equilíbrio entre as decisões que refletem as pretensões da legenda e aquelas contrárias às suas preferências, reforçando (no universo restrito das ações diretas de inconstitucionalidade) a percepção institucional quanto a um grau elevado de independência judicial frente às influências ideológicas (político-partidárias) sobre o resultado do julgamento.
Tal constatação é confirmada pelo grupo de controle: no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo PSDB (em tese, ideologicamente contraposto ao partido de vertente representativa laboral), os Ministros do STF indicados pelo PT não apresentaram qualquer alteração substantiva em seu comportamento, mantendo um padrão decisório bastante semelhante ao quadro anterior.
A análise qualitativa atitudinal realizada neste trabalho aponta para a ausência de uma associação direta entre as ideologias político-partidárias e os resultados individuais dos votos no julgamento de ADI´s propostas por partidos políticos, excluindo, via de consequência, a aplicação nesta esfera decisória do modelo formal explicativo atitudinal.
Aponta, da mesma maneira, para uma demanda por outras análises futuras, para melhor compreensão dos mecanismos formais e também informais que viabilizam a indicação e aprovação de um futuro Ministro, mas também o alargamento da análise sobre o comportamento judicial, guiadas por outras variáveis explicativas, resultantes de modelos legalistas e/ou estratégicos, que considerem preferências judiciais situadas além do contexto ideológico (v.g., preocupações com a carreira; impactos econômicos das decisões; natureza dos conflitos; impactos na opinião pública etc.). Outra relevante questão de pesquisa é a verificação das preferências específicas e/ou casuísticas, resultantes dos diálogos resultantes das diversas interações institucionais, ou ainda, diferenças entre padrões decisórios em virtude do instrumento processual e temática submetida à apreciação.
Referências
ALMEIDA, Frederico de. Análise dos tempos de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (1945-2013). Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, v. 2, n.7, p. 1-13, 2015.
ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Indicações presidenciais para o Supremo Tribunal Federal e suas finalidades políticas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 255, p. 115-143, set./dez. 2010.
BRACE, Paul; HALL, Melinda Gann. Integrated models of judicial dissent. The Journal of Politics, v. 55, n. 4, p. 914-935, nov. 1993.
BAUM, Lawrence. The Supreme Court. Ohio: CQ Press, 2010.
CARVALHO, Ernani. Trajetória da revisão de constitucionalidade no desenho institucional brasileiro: tutela, autonomia e judicialização. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, n. 23, p. 176-l207, jan./abr. 2010.
CLAYTON, Cornell W. The Supreme Court and political jurisprudence: new and old institutionalisms. In: CLAYTON, Cornell W.; GILLMAN, Howard (Eds.). Supreme Court Decision-Making: new institutionalist approaches. Chicago, University of Chicago Press, 1999, pp. 15-41.
EPSTEIN, Lee; SEGAL, Jeffrey. Advice and consent: the politics of judicial appointments. New York: Oxford University Press, 2005.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 2. ed. revista e aumentada. Porto Alegre/São Paulo, Editora Globo/Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
FELÍCIO, César. Bolsonaro quer ampliar composição do Supremo de 11 para 21 ministros. Valor Econômico, São Paulo, 1º de julho de 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/politica/5630783/bolsonaro-quer-ampliar-composicao-do-supremo-de-11-para-21-ministros. Acesso em: 22 jan. 2019.
FERREIRA, Pedro Fernando de Almeida Nery. Como decidem os Ministros do STF: pontos ideais e dimensões de preferências. Brasília: UNB (Dissertação de Mestrado), 2013.
FONTAINHA, Fernando de Castro; JORGE, Thiago Filippo Silva; SATO, Leonardo Seiichi Sasada. Os três poderes da elite jurídica: a trajetória político-partidária dos ministros do STF (1988-2013). Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 49, n. 2, jul./out., 2018, p. 93–131.
GILLMAN, Howard. What’s law got to do with it? judicial behaviorists test the “legal model” of judicial decision making. Law & Social Inquiry, v. 26, i. 2, p. 465-504, apr. 2001.
GOMES NETO, José Mário Wanderley. As várias faces de um leviathan togado: um espectro das abordagens teóricas em ciência política acerca do fenômeno da judicial politics. Mnemonise Revista, v. 3, p. 107-120, 2012.
HARRIS, Rebecca C. Black robes, white coates. The Puzzle of Judicial Policymaking and Scientific Evidence. New Jersey, Rutgers University Press, 2008.
KOERNER, Andrei. Ativismo Judicial? Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 96, p. 69-85, jul. 2013.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Corrupção, democracia e aparelhamento partidário do estado. Revista de Direito Administrativo, v. 273, p. 485-490, 2016.
OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e “panelinhas”. Revista de Sociologia e Política, v. 20, n.44, p.139-153, 2012.
NAGEL, Stuart S. Political party affiliation and judges’ decisions. American Political Science Review, v. 55, n. 4, p. 843-850, dec. 1961.
LEONI, Eduardo L.; RAMOS, Antonio P. Judicial preferences and judicial independence in new democracies: the case of the Brazilian Supreme Court. New York: Columbia University, 2006. Disponível em: www.columbia.edu/~ell2002/. Acesso em: 19 jul 2014.
PINELLO, Daniel R. Linking party to judicial ideology in American courts: a meta-analysis. The Justice System Journal, v. 20, n. 3, p.219-254, 1999.
POSNER, Richard. How judges think. Cambridge, Harvard University Press, 2008.
RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck. Preferências, estratégias e motivações: pressupostos institucionais de teorias sobre comportamento judicial e sua transposição para o caso brasileiro. Direito e Práxis, v. 4, n. 7, p. 85–121, 2013.
ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. O Governo Lula e a indicação de ministros para o Supremo Tribunal Federal. Revista Debates, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 136-158, jul./dez. 2010.
SEGAL, Jeffrey A. Judicial Behavior. In: WHITTINGTON, Keith. E.; KELEMEN, R. David; CALDEIRA, Gregory. A (eds.) The Oxford Handbook of Law and Politics. Oxford, Oxford University Press, 2008.
SEGAL, Jeffrey A.; SPAETH, Harold J. The Supreme Court and the attitudinal model revisited. Cambridge, Cambridge University Press, 2004.
SEGAL, Jeffrey A.; CHAMPLIN, Alan J. The Attitudinal Model. In: HOWARD, Robert. M.; RANDAZZO, Kirk. A. (Ed.). Routledge Handbook of Judicial Behavior, London, Routledge, 2017, p. 17-33.
SUNSTEIN, Cass R.; SCHKADE, David; ELLMAN, Lisa M.; SAWICKI, Andres. Are judges political? An empirical analysis of the Federal Judiciary. Washington, D. C.: Brookings Institution Press, 2006.
TAYLOR, Mathew. M.; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: judicialização como resultado contingente da estratégia política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n.4, p. 825-864, 2008.
TÜRNER, Claudia; PRADO, Mariana. A democracia e o seu impacto nas nomeações dos diretores das Agências Reguladoras e Ministros do STF. Revista de Direito Administrativo, v. 250, p. 27-74, 2009.
WHITTINGTON, Keith E.; KELEMEN, R. Daniel; CALDEIRA, Gregory A. (Eds.). The Oxford handbook of law and politics. Oxford: Oxford University Press, 2008.
1 O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) nomeou os Ministros: Antonio Cezar Peluso, Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Enrique Ricardo Lewandowski, Eros Roberto Grau, Joaquim Benedito Barbosa Gomes e José Antonio Dias Toffoli. Já Dilma Rousseff indicou Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Albino Zavascki.
2 “O pré-candidato do PSL à presidência, deputado federal Jair Bolsonaro (RJ), afirmou em entrevista neste fim de semana na emissora TV Cidade, de Fortaleza, que pretende ampliar o total de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para poder refazer a composição da casa e garantir para si a indicação da maioria dos integrantes da Corte, caso seja eleito”. (Valor Econômico, 2018).
3 Como informam Fontainha et al (2018, p. 123), “mesmo expandindo nossa investigação em direção às eleições perdidas, a confissão partidária, a campanha eleitoral e o mandato eletivo são presentes na biografia de poucos ministros.”
4 Certamente que, no universo amplo de ações a cargo do STF, outros instrumentos também intensificam o debate em torno de sua interferência na esfera política. Análises anteriores, que exploram a aderência do STF à agenda econômica do governo federal, também mostram distintos padrões decisórios em outros instrumentos processuais, como o relevante processo do “mensalão” (FERREIRA, 2013, p. 81).
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ISSN: 2178-2466